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A gaiola das loucas

A noite de sábado que se tornou uma grande live de montação de drag queens no Zoom

por Artur Tavares Atualizado em 20 jun 2020, 14h52 - Publicado em 12 jun 2020 09h56
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(Clube Lambada/Ilustração)

roduzir arte significa muitas coisas e, no universo glamouroso das drag queens, essa manifestação está ligada à alegria em fazer os outros se sentirem bem. Sempre muito bonitas, são elas que tornam nossos rolês mais divertidos. Festeiras, espalhafatosas, rápidas e ácidas nas palavras, as drags são personificações perfeitas do calor humano. Infelizmente, estamos quarentenados em nossas casas há três meses, e elas também.

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Figuras carimbadas na noite paulistana como DJs, performers e produtoras de eventos, Abba Cashier e Esther Onatária organizaram recentemente uma live com outras 24 drag queens. Naquele sábado à noite, a proposta era simples: se juntar para um bate-papo regado a bons drinks e montação. “Não estar na noite tem sido estranho porque nos acostumamos a cruzar com nossas amigas e irmãs pelas festas e casas da cidade, então falta esse convívio”, diz Abba.

O fotógrafo Filipe Redondo foi convidado a registrar os bastidores da “Montação em Massa”, nome que a live ganhou, na casa das drag queens – e traz agora esse ensaio exclusivo para a Elástica.

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“No dia a dia, o que me inspira a me montar como drag queen é a normatividade ordinária que me chateia e me dá coceira para um mundo mais colorido e criativo.”
– Abba Cashier

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“Nas festas que produzo, drag queen é trabalho essencial. Sem drag, não faço eventos, elas são parte fundamental e histórica da noite LGBT no mundo inteiro. Meu público entende isso e recebe todes muito bem e com respeito.”
– Esther Onatária

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“Historicamente, a drag no palco oferece um escape aos nossos dias por vias de glamour, humor ou drama, enquanto no microfone costuma debochar do mundo afora e do público a sua frente, para todas se levarem um pouco menos a sério. Esteja onde for, a figura drag traz visibilidade à comunidade LGBT e muitas vezes vira uma porta-voz dela – se manifestando sobre diversos temas sociais nas ruas e nas redes.”
-Abba Cashier

“Quando se é queer de uma maneira geral, quanto mais aparente o seu desvio da norma hétero, mais preconceito se sofre e maior será a luta. Por isso, as pessoas que levam à frente a luta por direitos LGBTQIA+ são drag queens e kings, trans, gay afeminadas, lésbicas mais masculinas, e em especial as pessoas negras, pois não conseguem se esconder tanto para ‘passar’ pela norma. Então, pense em uma drag com saltos altos e cabelos gigantes, maquiagem chamativa: por baixo de tudo isso, ela é uma pessoa comum, que trabalha num escritório durante o dia, ou coisa do tipo. É um desvio claro da norma e por isso drag é parte essencial da luta.
– Esther Onatária

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“Drag é a alma da noite LGBT, sem discussão. Elas estavam lá no começo e estarão no fim, quando as luzes se apagarem, iluminando tudo com muito brilho e impedindo que termine. Sem arte drag não existe a noite!”
– Esther Onatária

“A gente passa a semana trabalhando num ambiente hétero-cis-normativo. Poder extravasar no fim da semana é um grande respiro e alívio – ora por você se diminuir durante a semana para encaixar nos padrões daquele espaço, ora por você atravessar atitudes normativas por optar por não se fazer encaixar. Poder se vestir de maneira mais gritante, agir de maneiras mais ousadas, se impor de maneira mais assertiva são os motivos pelos quais se montar se torna viciante para muitas pessoas se aventurando no mundo drag… e mesmo não trabalhando nesse tipo de ambiente, como agora, as sextas e os sábados parecem anti climáticos sem uma ‘dragventura’ aqui ou ali.
– Abba Cashier

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“A ‘Montação em Massa’ foi muito divertida! Não conversamos tanto porque o foco era cada um curtir o processo de se montar ao som do nosso playlist e a companhia virtual na tela. Nossos processos de maquiagem e montação se tornam ritos à medida que a gente vai descobrindo como a gente gosta de fazer as coisas. Assim, poder retomar esse rito, por mais que não saiamos de casa, é algo familiar e terapêutico. O fato de conseguir isso em companhia ajuda a aliviar a estranheza de ‘por que tô me montando sem ter pra onde sair?’
– Abba Cashier

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“Eu amei fazer a live, não só pela montação, mas pela troca, por estar ali mesmo que virtualmente, bebendo, me montando e me divertindo com pessoas que gosto tanto! E drag também é piada e brincadeira o tempo todo, então foi um bom escape do que estamos vivendo. Confesso que estava bastante focado na montação, e quando terminei já estava um pouco bêbado, então não me lembro bem o foco, mas acredito que era se divertir! [risos]”
– Esther Onatária

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“Se montar pelo prazer do processo em si é mais do que válido. Vale lembrar que, muitas vezes, a população LGBT vem de situações de famílias mais sensíveis. Isso faz com que muitas drags morem sozinhas, e que agora estejam passando pela quarentena sozinhas. Assim, inventar motivos para se conectar, se ver, se distrair e se divertir de alguma maneira é demais.”
– Abba Cashier

“Pensei algumas vezes sobre a possibilidade de performar de casa e sinto que a maior dificuldade seria a falta da plateia. Primeiro porque tira um pouco o fôlego de querer performar, não tem a mesmo adrenalina envolvida, e praticamente complica por não ter nenhum retorno via olhos nem ouvidos enquanto performa, o que normalmente ajuda a gente a improvisar com o público na nossa frente. Os outros desafios são técnicos – como reimaginar sua casa ou quarto como palco, torcer que a internet não falhe, que o vídeo não chegue com delay e estrague seu lipsync bem ensaiado… bem ensaiado nunca foi meu caso, mas as amigas sofrem! [risos]
– Abba Cashier

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“Não sou necessariamente um fã do mundo virtual. Acredito, sim, que é parte fundamental das relações de todo tipo hoje em dia, e que vai ser ainda mais profundo e relevante depois da covid-19, mas não é algo que gosto. Prefiro me encontrar com pessoas, juntar pessoas, tocar pessoas etc. O virtual não atende meu desejo de gente!”
– Esther Onatária

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“Tem pessoas participando em todos os eventos online do DragTherapy (@dragaholicsanonymous) que nunca conseguiam chegar nos encontros durante a semana por morarem em bairros distantes. Se voltarem a organizar os encontros 100% presenciais, essas pessoas que acolhemos agora seriam (ironicamente) isoladas do grupo depois da quarentena. Então, prevejo que veremos muitos eventos acontecendo em formatos online e offline paralelamente.
– Abba Cashier

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(Filipe Redondo/Fotografia)

“Tendo a ser romântico e positivo quanto às pessoas e à sociedade quando escrevo [Esther é autora também], mas é arte, e acho fundamental na arte dar esperanças, mesmo que seja por meio de denúncia. Mas, no dia a dia, procuro não esperar nada da sociedade. Estou sempre junto e lutando por uma sociedade melhor e mais justa, mas esperar algo significa em grande parte decepção, então eu deixo a espera para os poemas – na vida real, é luta diária, e um dia de cada vez, tentando sempre avançar um pouco.”
– Esther Onatária

“Eu espero que o novo disco da Lady Gaga ainda esteja em alta quando tudo isso acabar, porque quero dançar “Alice” e “Babylon” até não aguentar mais… mas, para isso, precisaremos ter onde ir. Em São Paulo, tivemos vários espaços dedicados para os públicos LGBTQI+, mas ainda não sabemos quantos desses espaços vão sobreviver a esse período – considerando que a maioria já está fechada há três meses, e aglomerações em bares ou baladas devem ser as últimas a serem liberadas. Com isso, acho que a cena drag e LGBT vai acabar passando por uma espécie de reconfiguração – encontrando novos espaços, formatos e patrocínios para voltar aos poucos a um ritmo parecido com o que desfrutamos antes do coronavírus causar.”
– Abba Cashier

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(Filipe Redondo/Fotografia)
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