Somos responsáveis por construir novas possibilidades
Em sua estreia como colunista da Elástica, a vereadora paulistana Erika Hilton faz um apelo para que olhemos para as vidas trans
este meu primeiro texto aqui na Elástica, apesar do contexto dificílimo que estamos vivendo, tinha pensado em fazer um texto mais pra cima, mais glow, com uma mensagem positiva e de esperança – afinal, a gente tem que acreditar que as coisas vão melhorar, se não a gente nem sai da cama, né? Mas, semana passada, recebi a notícia de que Madalena Leite, primeira travesti eleita vereadora em Piracicaba, no interior de São Paulo, foi encontrada morta, assassinada de forma brutal. Praticamente todas as semanas recebo notícias assim. E fico me perguntando: por que as nossas mortes não chocam a sociedade? Por que as vidas trans e as vidas negras importam tão pouco ou quase nada?
Estamos cansadas. Estamos cansadas de sofrer violências, estamos cansadas de denunciar violências. Estamos cansadas de ser abjetas. Estamos cansadas de ser objeto de desejo e de repulsa, no país que mais consome pornografia com pessoas trans e também o que mais mata pessoas trans. Cerca de 80% dessas pessoas trans assassinadas eram negras, como Madalena Leite, Dandara dos Santos, Flávia Furtado, Luanny Kelly, entre muitas outras que não chegamos nem a saber os nomes.Ser travesti e negra aumenta a vulnerabilidade. Sofrer racismo e transfobia não é para principiantes. Segundo o dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2020, nós, travestis negras, temos menos acesso ao mercado de trabalho e, consequentemente, ficamos mais expostas e corremos mais risco nas esquinas.Mas e aí, tem saída? Como é que a gente faz pra resolver isso?
“Estamos cansadas. Estamos cansadas de sofrer violências, estamos cansadas de denunciar violências. Estamos cansadas de ser abjetas. Estamos cansadas de ser objeto de desejo e de repulsa, no país que mais consome pornografia com pessoas trans e também o que mais mata pessoas trans”
Bom, sempre tem a opção do meteoro, por muitos e muitas aguardado, mas que não tem data certa para explodir o planeta Terra, acabar com a humanidade e começar tudo de novo. Enquanto isso, todas, todos e todes nós somos responsáveis por construir uma alternativa, por buscar um novo marco civilizatório, por restituir a humanidade aos corpos dissidentes, enfim, por colocar em prática um projeto emancipatório que abarque todas as existências. E como fazer isso?Com respeito às diferenças. Com efetiva cidadania. Com igualdade de acessos e direitos. Com condições de vida digna para todes. Com educação e saúde públicas de qualidade. Com moradia, emprego e direito à cidade. Mas, sobretudo, com amor. Não falo do amor romântico burguês – possessivo e monogâmico, muitas vezes – mas daquele amor que nos motiva a fazer algo pra transformar a realidade. Aquele amor que nos move para as lutas diárias e nos mantém de pé nas batalhas que travamos por nós e por nossos pares. Esse amor que se mistura com raiva e nos impulsiona para um novo mundo.Sigamos em desconstruções e construção.
Axé.
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ERIKA HILTON é a primeira mulher trans eleita como vereadora em São Paulo. Nascida em Franco da Rocha e criada em Francisco Morato, periferia de São Paulo, Erika atuou como codeputada estadual no mandato da Bancada Ativista do PSOL em 2018. Mesmo antes de entrar na política, já era ativista em prol dos direitos das travestis, das pessoas negras e das LGBTQIA+.