Mantenha a chama acesa, a vida é linda, valorize essa beleza. Ganja abençoada, que me faz ir em frente, me mantenho positiva e vivo sempre contente. Universo abençoa e quebra as correntes. Com a vida sempre ativa, evoluo a mente. Vou apertar e vou logo acender. Essa é a vibe, eu não quero saber. Legaliza! Deixa a vela acender. Taca fogo logo nesse beck”.
Os versos da música “Mantenha a Chama Acesa” descrevem a ganja como um alicerce mais relevante do que só inspiração para compor na vida da Lei Di Dai. Conhecida pelo título de rainha do dancehall brasileiro, neste ano, a cantora festeja 15 anos de carreira de mãos dadas com a cannabis, conforme ela faz questão de frisar: “Desde meu primeiro disco, eu falo de ganja e da legalização. Minha cabeça é muito livre, é natural para mim. Não ajo como uma bandida, uma criminosa por causa disso. Pelo contrário, sou libertadora. Minha missão é abrir a mente das pessoas, fazê-las se amarem, acreditarem no seu próprio talento e seguirem seus sonhos. Imagina se tivesse seguido os planos da minha mãe e da minha avó… hoje, eu seria funcionária pública ou policial militar.”
Paulistana que começou a cantar em grupos de reggae na virada do milênio, Lei Di Dai trata da cannabis como uma companheira: “A ganja me salva em períodos difíceis da vida, por isso, nos momentos alegres, eu também celebro com ela. Sou grata às bênçãos dela, a Santa Maria me traz o equilíbrio para não fazer merda ou ser agressiva. O álcool traz uma agressividade que eu não curto, a ganja faz eu ficar mais criativa, sensata, uma mulher melhor. Não fumo para esquecer da realidade, ficar pirando, mas para meditar. A ganja traz energias positivas, uma vela de espiritualidade que me salva, faz eu gostar mais de mim”.
“A ganja me salva em períodos difíceis da vida, por isso, nos momentos alegres, eu também celebro com ela. Sou grata às bênçãos dela, a Santa Maria me traz o equilíbrio para não fazer merda ou ser agressiva”
Motivada pela causa da legalização, Lei Di Dai é presença ilustre nas edições da Marcha da Maconha em São Paulo. Em 2016, em parceria com o bloco Kaya na Gandaia, ela entoou versos canabistas em alto e bom som no meio da Avenida Paulista durante o evento, e desde então faz questão de atuar no palco ou na avenida. “Eu sempre fui na marcha com medo, pensando ‘tomara que eu não apanhe ou sofra alguma forma de repressão’. Quando me apresentei junto com o bloco, foi emocionante visualizar a multidão de pessoas unidas na Paulista por um bem maior. Eu estava lutando pelo direito a uma medicina milenar. No ano seguinte, eu me apresentei na Praça da Sé, durante o final da marcha, mas a polícia interrompeu os show. Em 2019, eu não toquei, mas compareci. Não importa se você vai para expor a sua arte ou não, o importante é estar lá. Se mais pessoas se posicionarem a favor da legalização, a situação melhora. A marcha serve para mostrar que todo mundo que é a favor da maconha não é vagabundo e bandido. Somos pessoas comuns querendo usar a erva tranquilamente sem violência”.
Criadora do primeiro soundsystem de dancehall encabeçado por uma mulher no Brasil, o Gueto pro Gueto Sistema de Som, ela conduz sua carreira artística em um empreendimento musical semelhante a uma produtora de eventos. O tino para negócios está no DNA da cantora, cuja mãe é proprietária de um tradicional bar de samba na Zona Leste de São Paulo, de portas abertas há mais de três décadas. Outro estímulo é a trajetória do primo da sua mãe, o Fernando Monstrinho, integrante da banda de pagode Raça Negra, que lhe mostrou a possibilidade de seguir uma carreira artística de alcance nacional.
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Mas o som de Lei Di Dai, influenciado na adolescência pelas letras libertárias de Bob Marley, ultrapassa as fronteiras do Brasil e ganha repercussão no exterior. Ela marca presença em festivais de música durante o verão europeu. As turnês proporcionam um mergulho na cultura canábica de cada país, além de render novos amigos em rodinhas de ganja mundo afora.
Desde a primeira passagem pelo Festival Mestiço, em Portugal, a cannabis sempre rendeu grandes aventuras. “Até 2008, eu nunca tinha ido para Europa. Cheguei em Porto, fui recepcionada por um tour manager rastafari com uma carro modelo Mercedes 89 super gangsta. Ele me deu um saco cheio de buds. Desacreditei. Naquela época, era raríssimo ter acesso a esse tipo de maconha aqui no Brasil. Fiquei encantada, brisando e vendo meu nome em outdoors da cidade. Senti o quanto meu corre na música valeu a pena”.
Na Holanda, a maconha é aceita com naturalidade pela população. O fato de pegar metrô cheio dando pala e ninguém se incomodar impressionou a cantora, assim como o alto nível de profissionalização dos coffee shops. Ao ver alemães aproveitando a hora do almoço para fumar um baseadinho com tabaco sem sofrer represálias da chefia, ela sonhou em um dia ter essa possibilidade no Brasil. Vendida nas ruas e nos clubes canábicos, a erva de Barcelona conquistou pelas doses generosas de THC. Para a rainha do dancehall, nenhuma atinge o nível da australiana, eleita a melhor de todas. “Já experimentei de tudo. Eu curto muito as variações de haze porque me deixam para cima, feliz. As kush também são legais, eu encontrei bastante em Londres. As haze já são mais vistas na Holanda e Alemanha. Na Espanha estão sempre disponíveis de todos os tipos, é difícil avaliar”.
“Já experimentei de tudo. Eu curto muito as variações de haze porque me deixam para cima, feliz. As kush também são legais, eu encontrei bastante em Londres. As haze já são mais vistas na Holanda e Alemanha. Na Espanha estão sempre disponíveis de todos os tipos, é difícil avaliar”
Bad trip
Mas nem todas as lombras bateram suave. As indicas possuem um nível maior de CBD em relação ao psicotrópico THC, por isso, são recomendadas para quem deseja desacelerar, dormir ou reduzir o estresse. Lei Di Dai nunca esqueceu da bad trip nada relaxante ganha após uma sessão com variedades desse tipo em Amsterdã: “Fumei para dormir e, de repente, não consegui pregar os olhos. Senti um medo inexplicável dentro do quarto, então fui para o saguão do hotel. Eu não gosto de estátuas e lá tinha uma enorme de um cavalo, do tamanho de um caminhão no meio de um pé direito gigantesco. Comecei a encarar o cavalo e entrei na brisa que ele queria andar. Uma trip doida. Tinha medo até de ir ao banheiro. Só descansei após o amanhecer. Como se não bastasse encarar toda essa bad, o segurança bateu na porta e lançou uma multa de 150 euros porque é proibido fumar dentro dos aposentos”. Como a realeza segura a majestade até no perrengue, com jogo de cintura, Lei Di Dai se desvencilhou do prejuízo ao chegar no balcão do check-out e justificar a fumaça segurando incensos, utilizados para um suposto ritual de Jah. Os canabistas mais roots diriam que a rainha não mentiu.
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Artistas de dancehall são patrocinados por marcas canábicas na Jamaica, reconhecidos por causa da divulgação do poder curativo ganjeiro através da música e da cultura Rastafari. Um exemplo é a parceria entre o DJ Adonia e a maior empresa de cannabis medicinal do país, a milionária Epican. Por aqui, Lei Di Dai recebe o apoio fundamental de marcas de tabacaria e headshops para manter projetos de conteúdo enquanto as apresentações seguem canceladas na pandemia. Quinzenalmente, ela promove o “Bless Up”, um talk show canábico de entrevistas com mulheres empoderadas pelo Instagram. Em relação ao futuro, após a legalização, ela planeja inaugurar seu próprio dispensário de maconha.
Para encerrar, a rainha manda um papo reto aos ouvidos da branquitude: “Se o preto importa, abre a porta. Escrevi uma música sobre isso. No Brasil, um negro é assassinado a cada 23 minutos. Mas precisou morrer o George Floyd nos Estados Unidos para a sociedade, e, consequentemente, muitas marcas canábicas darem espaços para nós. Tem headshop aí usando foto de mulher loira pelada fumando maconha como publicidade. Cadê o povão comum fumador de ganja? Como alguém acha que vai conquistar o público geral dessa forma ? Querem atingir o mercado consumidor da periferia sem ter uma pessoa da quebrada trabalhando na equipe. É loucura”.