ra um dia de janeiro de 2016 quando policiais invadiram o apartamento da jornalista Mônica Pupo, em Florianópolis. Depois de uma denúncia anônima, de que havia cultivo de maconha no local, eles levaram não só os dois pés de cannabis que estavam em vasinhos, como também mais de 200 pacotes de café, rótulos e embalagens da Maryjuana Coffee, marca de grãos especiais que Mônica criou e estava começando a deslanchar. “Esses pezinhos não justificavam a forma que foi feita a invasão. Tentaram pegar tudo, quadros, camisetas, livros, até itens pessoais. Me senti o ‘Pablo Escobar’ do Campeche”, conta a jornalista, fazendo referência ao famoso narcotraficante colombiano e ao bairro em que morava na capital catarinense.
Essa reportagem fica ainda mais gostosa de ler se você apertar um baseado e o play:
A tentativa de enquadrá-la por tráfico de drogas não deu certo: a acusação foi arquivada. Mas foi a primeira vez que Mônica havia sofrido na pele o preconceito que ronda os apreciadores de maconha, por mais que ela já fosse consumidora de longa data e responsável por um importante site de notícias sobre a erva: o Maryjuana. “Eu me envolvi no ativismo, frequentava marcha [a favor da maconha], mas vi que não era suficiente. E, quando buscava informações a respeito do tema, só encontrava material em inglês”, relembra o começo da “luta”. Foi assim que deu o estalo para montar o portal de notícias, o primeiro voltado para a comunicação canábica no Brasil. “Antes de começar o site, as buscas pela palavra maconha só eram redirecionadas para notícias de repreensão, de crime. E onde estavam as boas notícias a respeito da erva, de seus benefícios medicinais?”, questiona.
As buscas pela palavra maconha só eram redirecionadas para notícias de repreensão, de crime. E onde estavam as boas notícias a respeito da erva?
Mônica Pupo, empresária
Parece que o desejo por mais notícias e curiosidades sobre o tema não era somente de Mônica. O site tomou corpo e virou referência entre os consumidores: hoje, o maryjuana.com.br acumula entre 250 mil a 300 mil usuários por mês, somando suas plataformas de redes sociais. Durante o crescimento do portal, Mônica viu surgir mais uma oportunidade de negócio, não diretamente sobre a cannabis, mas sim relacionado a ela: “Quis unir minhas duas paixões, o café e a maconha. E vi o potencial de harmonização entre os dois. Tanto pela riqueza de sabores quanto pelos efeitos sinérgicos entre os canabinóides e as cafeínas”, relata. Assim, nasceu, em 2015, a Maryjuana Coffee, uma linha de cafés voltada para a harmonização com diferentes tipos da erva.
É claro que o episódio policial no ano seguinte foi um verdadeiro baque emocional para Mônica e financeiro à marca. “Fui absolvida, mas não me devolveram nada [do material apreendido]. Fora o susto, demorei um ano para recuperar o que fiz”, lamenta. E, para não haver mais nenhuma dúvida sobre o café – já que o nome, para alguns, dava a entender que tinha a erva no meio dos grãos –, Mônica refez a marca: de Maryjuana virou Mary 4:20, em 2018.
Verdinha
Para quem não faz parte do universo dos maconheiros, o termo 4:20 refere-se ao consumo da erva e, reza a lenda, surgiu de um grupo de estudantes de San Rafael, na Califórnia (EUA), em 1971, que se reunia às 16h20 (4:20 PM) para fumar um baseado fora da escola. Pelo mesmo motivo, hoje também é celebrado o 20 de abril (4/20 para os norte-americanos) como o dia da maconha.
Mônica aproveitou o 4:20 para ser não só a hora de dar umas tragadas, como também de tomar bons goles de café. “Enquanto a cafeína dá energia, há maconhas que relaxam muito. Assim você equaliza os efeitos”, explica. As combinações não param por aí. “Fiz um levantamento da genética da maconha e cheguei a um consenso sobre os perfis de café”, completa. O café Sativa, por exemplo, inspirado na espécie de mesmo nome, é harmonizado por similaridade: as notas cítricas da maconha vão ao encontro dos mesmos aromas no café, que passa por torra clara para acentuar a acidez. Já no Indica, o casamento é por contraste: enquanto as cepas de predominância Cannabis indica trazem notas adocicadas e frutadas, o café é mais encorpado, com toque de chocolate e leve amargor.
Enquanto a cafeína dá energia, há maconhas que relaxam muito. Você equaliza os efeitos
Mônica Pupo, empresária
Para chegar às combinações, a jornalista e empresária recorre aos fornecedores de cafés arábicas do sul de Minas e do Cerrado Mineiro e a parceiros para fazerem o perfil de torra desejado a cada produto da marca. “Felizmente, o café é legalizado e o brasileiro pode ter acesso a um grão de qualidade. Não precisamos consumir aquele pó cheio de impurezas, que eu chamo de ‘prensado’ de café”, diz Mônica, comparando à maconha de baixa qualidade. E para compor os blends Haze e Kush, que também estão na linha fixa da Mary 4:20, são usados grãos cultivados por mãos femininas da Fazenda Floresta, que fica na porção mineira da Serra da Mantiqueira. “Priorizo as mulheres, pois tanto no café quanto na maconha, o universo é muito masculino. Ainda quero conseguir fazer a torra com elas”, revela.
Claro que a Mary 4:20 tem um público tímido em relação a outras marcas de café – a venda mensal gira em torno de 50 kg –, mas, com o mercado cada dia mais aberto para comercialização legal da maconha, as expectativas para um crescimento de vendas são altas. Surfando na onda, Mônica aproveitou para lançar recentemente um clube de assinaturas e angariar mais fãs da bebida e da erva. Quem assina o Clube do Café das 4:20 recebe mensalmente um pacote de 250 gramas de café (que varia o blend), acessórios para “cannabis coffee lovers” e outros mimos e surpresas. Uma delas foi o Illegal, café processado com sementes de cânhamo. “Infelizmente, ainda não temos autorização no país para importá-las. Vale lembrar que elas não têm efeito psicoativo”, conta Mônica, que fez o blend com sementes recebidas de presente e enviou aos associados na caixa do Natal passado. Para quem se interessou, a assinatura mensal custa R$ 64,20 (para SP, RJ, ES, MG) e cada pacote de 250 g de qualquer um dos blends sai por R$ 36 (mais o valor do frete). As compras são feitas diretamente no site.
Questionada se não sofre medo de novas represálias, Mônica se mostra confiante. “Tenho haters, mas são mínimos. E se não tivéssemos, seria um sinal de que o negócio não está indo bem”, acredita. Mas, como precaução, a empresária não dá mais passos sem consultar advogados. “Eu quis abrir portas para negócios voltados a esse nicho. Mas sempre quis fazer da forma certa, dentro da lei.”