
m marxista liga um videogame. Pensa nas relações de trabalho e, a partir disso, elabora soluções para desenvolver jogos mais divertidos. Parece o começo de uma cena do Monty Phyton, mas é isso o que faz o sociólogo inglês Jamie Woodcock. “A partir dos games, é possível fazer profundas reflexões sobre o capitalismo contemporâneo”, disse ele em entrevista por videoconferência à Elástica. “A esquerda deveria ter algo a dizer sobre isso”.
É um tema sensível para um segmento que conta com trabalhadores em jornadas intensas de trabalho, em muitos casos sem remuneração, sem sindicato e proibidos por contrato de falar sobre o assunto. Professor com pós-doutorado em sociologia, o trabalho de Woodcock agora pode ser apreciado no Brasil por meio do recém-lançado livro Marx no fliperama: Videogames e luta de classes (Autonomia Literária).

O livro aproveita a participação de Karl Marx no jogo Assassin’s Creed Syndicate, cujo enredo acontece durante a Revolução Industrial, para usar como alegoria do impacto cultural e político dos videogames. Levanta debates sobre a produção dos jogos e, claro, aplica a teoria do filósofo alemão. Ironicamente, o segmento do videogame é comumente apelidado de “indústria”, embora tenha diferenças significativas das fábricas da época do autor de O Capital e Manifesto do Partido Comunista. Apesar do tom crítico, Woodcock vê com certo otimismo o videogame, principalmente ao retratar o trabalho dos estúdios independentes.

Questões como o playbour (a mistura de diversão e trabalho), sindicalização e razões para os marxistas se interessarem por videogames são alguns dos pontos que ele discute na entrevista a seguir.
Quando começou sua relação com videogame?
Comecei a jogar videogame antes de ser marxista, quando era criança. Jogava títulos como Lemmings [lançado em 1991], que eram dados a meu pai por um colega de trabalho. Nesse período, os videogames eram menos acessíveis, mas eu tinha acesso porque era uma ferramenta de trabalho do meu pai, que é engenheiro de softwares. Era necessário escrever comandos específicos para iniciar os jogos. Hoje, você tem um monte de jogos disponíveis na ponta dos dedos por meio do telefone.
Como enxergar os jogos depois que eles se transformaram em cultura de massa?
Hoje, há muita gente que joga títulos como Candy Crush e não considera ser um gamer. Videogames importam. A esquerda deveria ter algo a dizer sobre isso. Parte da esquerda vê videogames como um produto de nicho, coisa de adolescentes, não como uma forma de cultura de massa. Ao não dizer nada sobre videogame perde-se a chance de comentar sobre uma atividade que ocupa um espaço importante na vida de muitas pessoas.
Por que esse desprezo?
Parte da esquerda considera videogame algo menor, um lazer sem conexão com batalhas sociais ou políticas. Lutas culturais podem não mudar o mundo, mas tocam nos locais onde as ideias das pessoas estão, onde a ideologia é formada. Se a esquerda não tem nada a dizer sobre videogame, outras pessoas terão. Outra razão para a esquerda se interessar por videogame são os arranjos trabalhistas por trás de um jogo. Há muita atividade oculta espalhada pelo planeta. Onde o console é fabricado, a caixinha do jogo, o controle… O videogame mostra como a produção de bens mudou. No Reino Unido, adoramos dizer que Grand Theft Auto é britânico. Sim, a Rockstar [desenvolvedora do jogo] está em Edimburgo, na Escócia, mas a produção aconteceu espalhada pelos quatro cantos do planeta por meio de terceirizados. Essas relações ficaram complexas. A partir dos games, é possível fazer profundas reflexões sobre o capitalismo contemporâneo. Um jogo não é só um jogo.