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A divulgação boca a boca que fez os restaurantes das periferias crescerem agora os mantêm abertos em tempo de pandemia

por Camila Silva, da Énois 10 jul 2020 09h55
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(Clube Lambada/Ilustração)

Olha, dificilmente somos conhecidos pelo nome, Tô Fritis”, conta Gabriela de Oliveira, 22 anos. Os lanches produzidos por ela e por mais quatro pessoas de sua família chamaram tanta atenção que a forma como os moradores do Jardim Brasil, zona norte de São Paulo, os encontram na praça central da cidade é como “barca de frango”, o produto mais procurado e comprado pelos clientes. 

Mesmo com produtos de qualidade, restaurantes, lanchonetes e bares viram suas vendas caírem por conta da pandemia. Mais de 6 milhões de donos e funcionários de restaurantes correm o risco de ficarem desempregados por conta do COVID-19, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Muitas dessas pessoas têm os empreendimentos como sua única fonte de renda e, para não pararem, se adaptaram ao delivery, que se tornou a principal forma de trabalho. 

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(@HandPaintedBrazil/Arquivo)

A entrega pelo próprio restaurante se mostrou a melhor opção e os moradores do bairro mais do que nunca são os principais clientes. Com as lojas, escolas e outros comércios fechados, a comunicação dentro da região ficou ainda mais importante. E é dentro das próprias periferias que essa movimentação de dinheiro e empregos acontecem. No Brasil, são mais de 13 milhões de moradores desses territórios que movimentam R$ 119 bilhões por ano, volume de renda maior do que 20 dos 27 estados brasileiros. Realidade mostrada pelos institutos Data Favela e Locomotiva na pesquisa Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras, divulgadas no início deste ano. 

Gabriella conta que essa troca com moradores ajudou o restaurante, agora com cinco anos, a crescer – chegando até em regiões fora do bairro – e, agora, ajuda a manter as vendas com o isolamento. “O aumento na época foi muito rápido, o público muitas vezes vinha por curiosidade. E isso foi muito legal. Oferecíamos algo novo, gostoso, com preço popular e acessível. Graças também ao famoso boca a boca, que é o verdadeiro marketing de um bairro como o nosso.” O boca-a-boca presencial só mudou de meio: no isolamento, ele continua com indicações nas redes sociais.

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“Para o morador de favela, crise não é exceção, crise é regra. Essas pessoas cresceram tendo que aprender a se virar”

Ricardo Meirelles, do Instituto Data Favela
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Boca a boca

Já Areta Camargo, 34, moradora de Inácio Monteiro na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, viu nos colegas, família e amigos da região o apoio para o crescimento e indicação do início do seu novo negócio, o restaurante Maria Bonita, que hoje já tem mais de dez anos de existência. 

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“Nesta fase de pandemia, com as escolas, centros de educação infantil (CEIs) e alguns comércios fechados, os moradores do bairro têm sido meus maiores clientes. Eu também divulgo o trabalho de algumas pizzarias do bairro”, relata. 

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Mesmo com a divulgação na esfera virtual, também foi com a relação presencial que Vita Maria dos Santos, 50, no outro extremo da cidade, Vila Gilda, na zona sul, ganhou seus clientes pelo estômago. Além da comida caseira do restaurante e de um bom papo, Vita, que trabalha há mais de dez anos com comércio, começou divulgando suas marmitas com cartões de visita, flyers e panfletos distribuídos na região, estratégias que ela sempre usa para que as pessoas conheçam seu trabalho. Com as mudanças por conta da pandemia, esse tipo de divulgação já não é mais possível e o delivery é pedido por ligação e mensagens – e as indicações são compartilhadas entre as pessoas que já eram clientes dos restaurantes.

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Ainda assim, não é só dessa forma que os restaurantes vão conseguir se manter a longo prazo nesse período de isolamento. Hoje, para manter o restaurante funcionando, Vita precisa de um orçamento de mais de R$ 3 mil. Já na primeira semana de isolamento, um motoboy foi dispensado e as entregas passaram a ser feitas por ela e seu marido. “É um dia após o outro. Eu tô abrindo hoje, mas não tenho certeza se consigo abrir amanhã”, conta. Com todas as incertezas do período, a organização financeira ficou ainda mais importante: a cada semana, as vendas precisam bater a meta de algumas das contas fixas da empreendedora, que também tem no restaurante sua única fonte de renda.  

Ricardo Meirelles, do Instituto Data Favela, ressalta no documentário Giro Empreendedor que “para o morador de favela, crise não é exceção, crise é regra. Essas pessoas cresceram tendo que aprender a se virar”. E, dessas pessoas, são as mulheres que estão na linha de frente e sentem agora o maior impacto, no setor são 53% dos autônomos e microempresários, segundo o levantamento da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entre 2007 e 2016.

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“Mesmo trabalhando com o Tô Fritis, posso afirmar que o desespero de ter um comércio, com aluguel, conta e imposto totalmente pausados é aterrorizante”, ressalta Gabriella. Nas periferias brasileiras, apenas 19% dos moradores possuem contrato de trabalho formal – a maioria, 47%, é autônomo, enquanto 10% estão desempregados e 8% trabalham sem carteira assinada, de acordo com a pesquisa Data Favela/Instituto Locomotiva divulgada no dia 24 de março. 

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(@HandPaintedBrazil/Arquivo)

Mais soluções

Para impulsionar e conter os impactos para os estabelecimentos, a Abrasel lançou uma cartilha de soluções para a crise aplicados em bares e restaurantes. Levantando as principais dificuldades dos comerciantes, a instituição explica como devem ser feitas as reduções de custo com os funcionários e também como negociar diminuição do aluguel com os proprietários. 

“Medidas poderão ser utilizadas isoladas ou conjuntamente. Por exemplo, pode-se dar férias coletivas ou suspender os contratos para alguns funcionários e preservar outros trabalhando com redução de 25% da jornada e remuneração. Pode-se aplicar normas da convenção a alguns e das MPs [medidas provisórias] para outros, além de fazer acordos individuais apenas com parte dos trabalhadores”, explica Percival Maricato, presidente da ABRASEL SP sobre os acordos trabalhistas.

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Além de medidas para redução, como conseguir aumentar as vendas, já que grande parte das pessoas estão em casa, é uma preocupação dos autônomos. Para quem geralmente vendia nas ruas, adaptar para o online pode ser um desafio, Abrasel também publicou algumas dicas de como fazer campanhas nas redes sociais sem precisar de investimento financeiro. 

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As imagens que ilustram essa matéria foram cedidas pelo @handpaintedbrazil, perfil colaborativo no Instagram, criado por Clara Izabela e Miguel Caldas, que reúne artes populares feitas em portas de comércios por todo o país. Viu um #handpainted por aí? Envie para eles! 

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