
abriela* ainda era uma criança quando entrou no seu primeiro relacionamento abusivo. Dos 13 aos 15 anos, a jornalista vivenciou uma relação de dependência emocional, brigas, discussões e agressões físicas que a afastaram da família e dos amigos. Com os pais divorciados, ela precisava se dividir aos finais de semana para ficar um tempo com cada parte da família. Foi assim que conheceu Breno, seu primeiro namorado, quatro anos mais velho do que ela e que morava na rua de seu pai. “Eu era muito nova e queria muito uma liberdade que não tinha na casa da minha mãe, então acabei me aproximando muito dele”, conta. Para ela, o que fez a relação resultar numa dependência emocional foi a aproximação excessiva do casal. “Eu não conseguia ficar sem vê-lo. Eu cabulava aula, passava os finais de semana com ele e chegou uma época em que eu nem via mais o meu pai, mesmo estando na mesma rua que ele”, admite.
Tanta proximidade, no entanto, não significa que tudo corria bem. As brigas eram constantes e por motivos banais. Não havia respeito de nenhuma das partes e as agressões físicas eram recorrentes, inclusive em frente à mãe do rapaz. A relação do casal durou cerca de três anos, a contragosto da família dela, e foi ficando mais pesada com o passar do tempo.
O ciúme excessivo de Breno foi um dos motivos do término da relação em maio de 2014. Três meses mais tarde, ele ainda não havia superado o fim do relacionamento e passou a perseguir a jovem. “Ele não gostava dos meus amigos da escola e passou a ameaçar meu melhor amigo da época. Ele ia na porta do meu trabalho, mandava e-mails dizendo que iria se matar e que eu não podia fazer isso com ele”, relata.
–Até que, em agosto de 2014, Gabriela decidiu ir a uma festa para comemorar o aniversário do seu melhor amigo, mesmo com as constantes ameaças de Breno: “ele me ligou dizendo que estava na porta da minha casa e que se eu saísse ele iria me arrebentar. Quando saí, ele estava do outro lado da rua e veio para cima de mim. Eu liguei para o meu padrasto, ele chegou em 10 minutos e o agrediu. Eu só consegui colocar um fim nisso com a ajuda do meu padrasto. Sozinha, eu não conseguiria”. Após a agressão, o padrasto da jovem estabeleceu que o relacionamento tinha acabado ali e os dois estavam proibidos de se ver. Ela cumpriu a promessa e hoje, seis anos depois, não mantém mais contato com o rapaz.
O dilema do relacionamento abusivo na vida de Gabriela duraria, entretanto, até o início de sua vida adulta, aos 19 anos. Poucos meses depois do término com Breno, na época aos 16 anos, Gabriela entrou em outro namoro que a deixaria mais ferida emocionalmente do que já estava. Com Pedro*, tudo era ainda mais intenso – desde o amor, até as brigas. O rapaz era cinco anos mais velho que a jornalista e, por ter um estilo diferente do convencional, acreditava que não era querido pela família dela.
“Eu não sei em que momento as coisas começaram a dar errado. Ele dizia que a minha família não gostava dele e se comparava muito com o meu último namorado. Me xingava, me humilhava, dizia que eu gostava de ser maltratada e apanhar”, relembra. Gabriela estava num ciclo vicioso que se resumia a brigas frequentes, gritos, términos, arrependimentos e culpas.
Para Flávia Maia, psicóloga pós-graduada em Psicologia Hospitalar e em Análise da Existência Humana, esse comportamento cíclico é comum nos relacionamentos abusivos. “O abusador, e aquele que é abusado, muitas vezes estão vivendo uma relação simbiótica e doentia, na qual um ‘depende’ do outro. O que mantém uma pessoa dentro de um relacionamento assim é a dependência emocional. É cíclico, o abusador faz promessas de melhora, a vítima entra novamente no encantamento e, pouco tempo depois, tudo volta a se repetir”, explica.
“O abusador, e aquele que é abusado, muitas vezes estão vivendo uma relação simbiótica e doentia, na qual um ‘depende’ do outro. O que mantém uma pessoa dentro de um relacionamento assim é a dependência emocional”
Flávia Maia, psicóloga
Além do ciúme excessivo que impedia Gabriela de se aproximar de seus amigos e familiares, Pedro também tinha um comportamento agressivo, embora nunca tenha batido, de fato, na namorada. “Uma vez, comprei algumas tintas para pintar o cabelo e ele quebrou tudo. Ele me perguntava ‘Para que você vai pintar o cabelo? Para quem você quer ficar assim?”, conta.
As brigas não respeitavam nem limites físicos: aconteceram, inclusive, quando a jornalista estava recém-operada de uma cirurgia na vesícula. “Sentia muita dor, não conseguia nem respirar direito. Eu dormi na casa dele e a gente teve uma briga muito feia. Eu disse que não queria mais continuar com aquilo, aí ele trancou minha mochila dentro de casa e disse que, se eu quisesse ir embora, teria que pular o muro. E eu pulei”, conta.

Entre idas e vindas, era comum que, vez ou outra, a jovem abrisse espaço para conhecer novas pessoas, embora sempre voltasse à estaca zero, reatando com Pedro. Numa dessas vezes, o namorado descobriu sobre o envolvimento e usou a informação como pretexto para diminuí-la ainda mais no relacionamento. O fim do namoro aconteceu em 2017 e, novamente, a jovem foi vítima de perseguições. Pedro chegou a agredir fisicamente o melhor amigo da jornalista, além de ameaçar e perseguir outras pessoas próximas a ela. “Uma vez, eu estava em um bar e ele chegou lá e quebrou tudo, jogou mesas e cadeiras no chão. Depois que ele viu que eu não queria mais voltar, ele pegou muita raiva”.