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Nem arco e nem flecha, redes sociais

Pré-candidata à deputada federal, a indígena Sônia Guajajara adota estratégias modernas de combate contra o fascismo institucional

por Caroline Apple Atualizado em 15 jun 2022, 10h16 - Publicado em 14 jun 2022 23h22
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(Ilustração/Redação)

s povos indígenas sempre lutaram por seus territórios no Brasil, mesmo que a violência e a opressão do não-indígena tenham se destacado nesses últimos 522 anos. Mas a grande surpresa é que a maior arma de luta desse grupo hoje não se resume a arcos, flechas, tacapes ou qualquer tipo de artefato que ronda o inconsciente coletivo. Todas as armas usadas por esses povos se tornaram secundárias diante do arsenal de informação criado nas redes sociais por quem vive na pele esse cenário de genocídio.

Quem deu essa letra foi a líder indígena Sônia Guajajara em entrevista à Elástica. A também pré-candidata ao cargo de deputada federal por São Paulo foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time no mês de maio. E todo esse movimento está a serviço de pautas que se tornaram intrínsecas: as dos direitos dos povos da floresta e a do meio ambiente.

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Sônia conta que as demandas do movimento indígena não engrenavam na grande imprensa porque a mídia tradicional não se mostrava interessada em falar das corriqueiras violações sofridas por essas pessoas. Foi então que o fenômeno das redes sociais passou a colaborar expressivamente com a repercussão das necessidades desse grupo: “Nas redes sociais, temos a liberdade de mostrar o que realmente precisamos e que a imprensa tradicional não compreende como necessidade. Foi assim que ganhamos também a atenção de outras pessoas, mesmo que num primeiro momento fosse só por curiosidade”, diz.

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“Nas redes sociais, temos a liberdade de mostrar o que realmente precisamos e que a imprensa tradicional não compreende como necessidade. E foi assim que ganhamos também a atenção de outras pessoas, mesmo que num primeiro momento fosse só por curiosidade”

Hoje, é comum encontrar indígenas nas redes sociais com milhares de seguidores no Instagram. Sônia, por exemplo, tem mais de meio milhão de seguidores, mas há também outros parentes [como os indígenas se chamam] tão ou mais populares que Guajajara, que levam informação de diversas maneiras para o público em geral que incluem denúncias de violação de direitos humanos até dancinhas de TikTok. Tudo está valendo quando o assunto é sobrevivência a partir da desmistificação dessas culturas e da busca por respeito.

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(Alice Aedy e Eric Terena/Divulgação)

Expansão e apropriação

Mesmo o Brasil sendo o país com mais comunidades indígenas da América Latina, esse apoio da sociedade civil brasileira só chegou depois do reconhecimento da luta por parte da comunidade internacional. Mas, Sônia destaca que não é somente de altruísmo que é feita a preocupação com os povos originários por parte dos gringos, mas também por uma questão de manutenção da vida no geral. “Lá fora, entenderam mais rápido a importância dos povos indígenas para a preservação do meio ambiente e da saúde do planeta. A Europa e os Estados Unidos praticamente perderam toda sua biodiversidade. Então isso gerou uma preocupação de proteger não só Amazônia ou os povos indígenas, mas o mundo todo. Trazemos a luta pela preservação de todos os biomas, que também estão sendo destruídos”, conta a ativista.

Mas, pra variar, precisou os estrangeiros cantarem a bola da importância de algo para que os brasileiros começassem, ainda que minimamente perto da urgência do tema, a entender a importância dos povos originários na preservação da vida no planeta. “Falar na ONU, em universidades públicas e privadas e outras instituições internacionais ajuda a sociedade brasileira a reconhecer nosso valor para o todo. O desconhecimento leva ao distanciamento da sociedade dos povos indígenas. Mas não tenho dúvida de que esse olhar do não-indígena para esta causa aumentou bastante nos últimos anos.”

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(Alice Aedy e Eric Terena/Divulgação)

Ao ganhar espaço e visibilidade, o movimento dos povos indígenas passou a ter mais pessoas apoiadoras entre famosos e anônimos. Porém, com isso, a apropriação cultural também expandiu, causando conflitos que podem tanto ajudar no debate quanto criar ruídos que tiram o foco das reais necessidades desses povos. “Certamente que tem uma apropriação cultural muito forte, inclusive das medicinas [por exemplo, ayahuasca] e de outros conhecimentos tradicionais, que algumas pessoas tomam de conta como se fossem delas e leva o nome dos povos indígenas para comercializar”, alerta.

“Lá fora, entenderam mais rápido a importância dos povos indígenas para a preservação do meio ambiente e da saúde do planeta. A Europa e os Estados Unidos praticamente perderam toda sua biodiversidade. Então isso gerou uma preocupação de proteger não só Amazônia ou os povos indígenas, mas o mundo todo”

Porém, há também os casos que são vistos como apropriação cultural, mas carecem de maior atenção antes de uma avaliação. Quem não se lembra do fatídico caso do cocar e pinturas tradicionais que a atriz Alessandra Negrini usou durante um bloco de Carnaval em São Paulo e acabou sendo acusada de fazer apropriação cultural?

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(Alice Aedy e Eric Terena/Divulgação)

Sônia relembra o caso e a falta de escuta por parte de quem acusou a atriz que, segundo a Guajajara, estava, de forma consentida e conversada, emprestando sua imagem para chamar a atenção para a luta dos povos indígenas. “Tem que ter muito cuidado com o como a gente trata todos os nossos apoiadores. Tem os oportunistas que se apropriam dos conhecimentos tradicionais para se dar bem, mas tem quem quer apoiar e usar sua imagem para ajudar na causa. Há pessoas parceiras que querem usar sua imagem para dar uma contribuição e, às vezes, são mal interpretadas até pelos próprios parentes. Isso afasta as pessoas. Queremos que as pessoas se aproximem, precisamos da opinião pública, da sociedade.”

A líder indígena traz também o caso das escolas de samba paulistanas X9 e Gaviões da Fiel, que já tiveram os povos originários como tema de seus enredos no Carnaval e também sofreram críticas: “Essas escolas contaram a nossa história desde a invasão do Brasil até a ocupação. Isso é uma forma de reconhecimento, de valorização. Estávamos junto nessas construções e, mesmo assim, teve gente que criticou. Tem gente que tem a necessidade de dar opinião sobre tudo por like, para ter repercussão e ganhar seguidores. É legitima essa preocupação, mas que tenha seguidores conscientizados.”

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(Alice Aedy e Eric Terena/Divulgação)

Quer colaborar, cara pálida? Então, chega aí!

Sônia deixou claro que a adesão à causa indígena por meio dos não-indígenas aumentou bastante, mas ainda falta muito. E, caso as pessoas já colaborem de alguma maneira, não pense que não precisa se atualizar periodicamente a respeito das demandas desses povos. A primeira atualização é a própria nomenclatura. Tem bastante gente bem-intencionada na Internet ainda chamando indígena de índio: “Não somos um mesmo bolo. Somos povos com línguas e culturas diferentes. Só no Brasil falamos 264 línguas. O termo ‘indígena’ está registrado na Constituição Federal, na ONU, no Tratado de Paris e em muitos outros lugares. Agora é momento das pessoas se apropriarem do termo correto, atualizar os livros didáticos e respeitar as nossas diferenças.”

Além dessa escuta ativa, há outras maneiras que os não-indígenas podem colaborar com a causa que incluem: posicionamento nas redes sociais e na imprensa, quando possível, participação de eventos nacionais, como o acampamento Terra Livre, doação de dinheiro para os financiamentos coletivos e também conhecer de perto essas culturas. E não precisa despencar para uma aldeia distante para ter essa chance.

O termo ‘indígena’ está registrado na Constituição Federal, na ONU, no Tratado de Paris e em muitos outros lugares. Agora é momento das pessoas se apropriarem do termo correto, atualizar os livros didáticos e respeitar as nossas diferenças”

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(Midia NINJA/Divulgação)

Entre os dias 16 e 19 de junho, a cidade de Mogi da Cruzes (SP) vai receber o FIUP (Festival Indígena União dos Povos), o maior evento indígena urbano do país. Guajajara estará presente em um dos dias do evento, participando de uma das inúmeras rodas de saberes que vão acontecer com a presença de diversas pessoas indígenas e não-indígenas, que vão trazer informações sobre os povos originários e sua riqueza e pluralidade cultural: “Participar de eventos como esses é importante para conviver, escutar e entender como discutimos nossas decisões. O FIUP é um evento que aproxima indígenas de não-indígenas, que valoriza a diversidade cultural, tanto das medicinas, quanto da representação política e cultural. É uma iniciativa que é importante para trazer esse reforço. Vou um dia para ver as pessoas e falar, que eu sei fazer. E, principalmente, falar da disputa eleitoral e da importância dessa representatividade”, diz Guajajara.

Sônia destacou que, no momento, a maior colaboração que os não-indígenas podem fazer é dar confiança para as pessoas indígenas que estão concorrendo a cargos públicos nas eleições deste ano. E para quem tem algum receio de indígena legislar só para indígena, Guajajara dá o recado: “Não adianta falar que gosta, que acha bonito, mas ainda enxerga o indígena como o Estatuto do Índio, que nos coloca como incapazes e, por isso, não confiáveis. A representação indígena precisa ser compreendida como uma representação pela terra. É o ar que você respira, a água que você bebe. É pensar na origem das nascentes, que estão, a maioria, dentro das reservas indígenas. Precisamos lutar contra o marco temporal e outros projetos de lei que vão na contramão da vida. Se os direitos indígenas estão ameaçados, toda biodiversidade está ameaçada. Isso significa que a humanidade inteira está em risco.”

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