
Eu tenho… espera aí, deixa eu contar quantas são”, diz a auxiliar jurídica Marcela Ramos, como se nunca antes tivesse sido questionada sobre a quantidade de tatuagens que tem. Depois de pensar por alguns segundos, a jovem negra de 22 anos revela: “São seis”. Mas, logo em seguida, ela faz uma ressalva. “As primeiras foram apenas frases escritas, porque me falaram que eu não podia fazer desenhos, ainda mais se fossem coloridos igual a última que fiz”.
“As primeiras foram apenas frases escritas, porque me falaram que eu não podia fazer desenhos, ainda mais se fossem coloridos igual a última”
Marcela Ramos, auxiliar jurídica
A arte de cerca de 15 centímetros no peito de Ramos com a figura de uma mulher de cabelos cacheados, em posição fetal, com dois galhos saindo das costas e um círculo pintado de vermelho surgindo atrás dela, como se fosse um sol nascente, é a mais recente, feita por ela em janeiro deste ano. “Eu fico emocionada, porque só foi uma bola vermelha que ela colocou na minha pele e quando eu vi aquilo foi libertador”, conta, referindo-se à tatuadora Índia que, por meio da tatuagem, constrói identidades pretas e indígenas, como a própria artista afirma em suas redes sociais.
Ver essa foto no Instagram
No Instagram, a tatuadora, que tem um estúdio de tatuagens na Zona Norte do Rio de Janeiro, se divide entre publicações de fotos de trabalhos em clientes e posts explicativos sobre técnicas de tatuagem. “Recebo muitas perguntas sobre quais cursos eu fiz pra aprender a tatuar pele preta, ou sobre como desenvolvi minha técnica, e a resposta é muito simples: eu penso na tatuagem a partir da sua perspectiva original”, escreveu ela em uma publicação.
Nascida em Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Marcela teve que lidar com “períodos de depressão” desde muito nova. Segundo ela, o bullying sofrido por ser uma mulher negra foi um dos motivos do seu sofrimento psíquico. Ela conta que encontrou na arte, sobretudo no desenho e na música, uma saída para suas angústias. “Vejo as tatuagens como forma de expressão. Sou apaixonada por arte e sempre fui muito reprimida por ter crescido em um lar evangélico. Quando tive depressão, uma das coisas que minha psicóloga me indicou para ‘colocar as coisas para fora’ era desenhar”, releva.

A tatuagem é uma das formas de modificação corporal mais antigas da humanidade. Mas, como é impossível encontrar corpos de eras tão remotas com a pele preservada, pesquisadores se baseiam em amostras mais recentes para definir a data precisa dos primeiros desenhos.
Registros de tatuagens foram encontrados em múmias egípcias, como a de Amunet, que teria vivido entre 2160 e 1994 a.C. e apresenta traços e pontos inscritos na região abdominal – indício de que a tatuagem, no Egito Antigo, poderia ter relação com cultos à fertilidade. Ou no Homem do Gelo, múmia com cerca de 5.300 anos descoberta em 1991, nos Alpes, com linhas azuis em seu corpo.
“Quando a tatuagem surgiu, ela apareceu como um símbolo de pertencimento e de relação com uma cultura determinada. Tinha um sentido diferente do que tem para gente hoje”
Jaqueline Gomes de Jesus, pós-doutora e professora do IFRJ
“Quando a tatuagem surgiu, ela apareceu como um símbolo de pertencimento e de relação com uma cultura determinada. Tinha um sentido diferente do que tem para gente hoje”, explica Jaqueline Gomes de Jesus, pós-doutora em Ciências Sociais e professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“No início do século XX é que vai surgir a ideia da tatuagem como uma questão de estilo e gosto, para as pessoas se diferenciarem e se valorizarem. Antigamente, era um sinal de reconhecimento e de conquistas, seja no caso dos guerreiros, ou de pessoas que indicavam a região que moravam com a própria tatuagem”, conclui.