
estaurantes geralmente adotam o lema “servir bem para servir sempre”. Agora por que no sexo, onde um homem hetero deveria se comprometer em satisfazer uma mulher, ele tende a desconsiderar completamente as preferências dela? É grande o rol de crenças limitantes disseminadas pelo patriarcado e muitas delas encontram-se infiltradas na maneira como transamos.
Para entender o que é uma crença limitante, pense no tio Osmar (todo mundo tem um), do grupo da família no WhatsApp. A partir do momento em que ele acredita que o coronavírus é um artifício do comunismo para dominar o mundo, ele passa a aceitar todo tipo de maluquice – que lockdown é renunciar à liberdade, que a vacina possui um microchip 5G etc. – e cria uma sucessão de crenças limitantes para justificar aquela ideia limitante original.
Mas a proliferação de fake news sem consciência não é exclusividade do tio Osmar e é possível passar uma eternidade desfazendo crenças limitantes introjetadas ao longo da vida. Especialmente com relação ao sexo, às mulheres e ao sexo com mulheres. Em O Segundo Sexo, Vol.1: Fatos e Mitos (1949), Simone de Beauvoir expôs o falocentrismo da sociedade patriarcal, na qual o falo torna-se símbolo dos privilégios concedidos aos homens, que, desde crianças, são ensinados a silenciar e oprimir os corpos que possuem essa diferença biológica. Ou seja, o próprio pênis se torna um instrumento de opressão.
Doutrinado pela pornografia e os seus desserviços, o homem hétero médio cresceu com a convicção de que é tudo sobre o pau dele. Tio Osmar já pensava assim e um bom indício do quanto não passa de uma crença limitante é a venda de vibradores que, ano após ano, segue batendo recordes – só nos três primeiros meses da pandemia foram vendidas um milhão de unidades no Brasil. O que significa que a mulher entendeu que não precisa do homem – e muito menos do pau dele – para ter prazer.
Essa relação em torno do falo que objetifica a mulher parece cada vez mais satisfazer apenas o ego do hetero. “O pau é o maior símbolo de masculinidade e de superioridade. Antigamente, se dizia que mulheres eram seres inferiores porque eram naturalmente frias e tinham seu órgão genital para dentro, atrofiado. Freud só chama o falo de falo porque ele, como resultado do seu tempo, sabia que o maior símbolo cultural de dominância era o pênis”, explica João Luiz Marques, academicista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que pesquisa assuntos referentes à masculinidade.

“É interessante notar como os homens pensam que podem conquistar uma mulher justamente com a foto de seus pênis, mandam como se fosse mala direta para mulheres que nunca solicitaram. Ele inconscientmente pensa: ‘Bem, eu tenho aquilo que ela mais quer, o poder e o sexo, não há como ela não se apaixonar por mim’. Há muito tempo se sabe que as mulheres não têm qualquer interesse no falo, visto que suas vulvas são muito mais poderosas.”
“É interessante notar como os homens pensam que podem conquistar uma mulher justamente com a foto de seus pênis, mandam como se fosse mala direta para mulheres que nunca solicitaram”
João Luiz Marques
Uma relação tão mental e mecânica com uma trepada – como aprendemos desde cedo com a pornografia – é o que se chama de prazer psicogênico, que está muito mais em uma esfera de autoafirmação do que de prazer carnal intenso. “Essa é uma excitação que te mantém refém do mental, te afasta do sensorial, te faz ter um orgasmo rápido e de curta duração”, diz a mestra tântrica e escritora Carol Teixeira, que na pandemia lançou o curso online OM Shiva (as inscrições foram reabertas especialmente para esta reportagem e podem ser efetuadas aqui), no qual aborda e ajuda a desconstruir paradigmas de masculinidade, direciona técnicas de meditação ativa e se propõe a curar as feridas emocionais dos alunos.
“O sexo pornográfico não dá prazer nem ao homem e nem a mulher, apesar de que o homem ainda consegue ter um orgasmo no final, mas a mulher nem isso. Eles metem rápido e forte e acham que estão arrasando, o que raramente deixa uma mulher excitada, haja vista a quantidade de mulheres que viveram e morreram sem ter um único orgasmo. Mas hoje elas sabem o que querem”, diz João Luiz. “Além da consciência de que o sexo com um homem está fadado ao ordinário, elas sabem que não precisam falocentrar suas vivências, pois muitas delas, além das mãos, têm tecnologias que lhe dão prazer e lhe permitem conhecer mais a si, e saber cada vez mais que tipo de homem elas definitivamente não querem na cama. Acredite, os homens já estão vivendo uma crise que é resultado de um progresso feminino.”
