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Botá Pó, Botinha, Bota Poeira e Botadora de Pó

Alexia Brito fala sobre sua família, rotina e amadurecimento em um papo sincero e divertido

por Beatriz Lourenço e Alexandre Makhlouf Atualizado em 15 Maio 2023, 11h33 - Publicado em 24 mar 2023 11h27

Humor, simplicidade e originalidade definem Alexia Brito. A influencer, que viralizou em 2021 com desfiles de roupas no quintal de casa, hoje faz parcerias com marcas de beleza e moda. A adolescente, natural de Bacabal, município no interior do Maranhão, se declarou uma mulher trans em uma live do Instagram – um ato de coragem que inspirou muitos de seus seguidores.

“​​Foi um processo natural. Sempre quis ser uma gay afeminada, mas não era porque não tinha acesso”, conta à Elástica. “Lembro que eu não tinha roupa, usava três dias o mesmo short. E quando ganhei meu primeiro cachê, a metade do dinheiro foi em compraas – foi até emocionante.” 

O nome “Bota Pó” surgiu como uma alusão a quantidade de maquiagem que ela usava em seus vídeos. Por sempre se interessar por esse universo, Alexia aprendeu tudo o que sabe por tutoriais no Youtube. De família simples, maquiar colegas e pessoas do bairro era o jeito de ganhar seu próprio dinheiro. “Sempre gostei de ter o meu. Quando eu maquiava por 50 reais, dava 30 pra minha vó. O que me dá maior motivação é poder fazer alguma coisa que agregue na minha família”, revela. 

Para ela, inclusive, esse é o maior trunfo da fama. Se antes sua avó gastava toda a aposentadoria com a compra de mês na feira, agora a família pode ter um bom jantar, pagar a internet e manter as contas em dia. “Convivi no meio de coisas erradas, vendo o meu avô vendendo droga. Eu tinha de tudo para ser uma menina que não pratica o bem, mas decidi que queria ser diferente, que queria mudar a minha realidade”, afirma. “Queria mudar tudo que eu já vivi e a situação da minha família. Hoje a gente vive tudo direitinho e isso é meu maior prazer.”

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(Gustavo Nascimento/Ilustração)

Com 17 anos você já viveu diversas experiências na vida pessoal e carreira. Como a vida pública e o tanto de seguidores que você tem impactaram o seu dia a dia?
Quando chegaram os seguidores, fiquei muito, muito, muito nervosa. Achei tudo muito novo, inclusive quando vieram as parcerias. Isso porque me considerava uma pessoa meio irresponsável, sabe? Porque não dava conta de tudo. Por um lado é muito bom porque a gente recebe muito carinho. Fico até meio chocada porque são pessoas que nunca me viram pessoalmente. Nunca imaginei fazer tudo que faço hoje. Poder sentar numa mesa, pagar um jantar pra minha família, sem se preocupar com o valor que vai dar.

Mas também tem o lado negativo, tem gente que está ali só pra atacar, apontar o dedo e julgar. Hoje, consigo entender mais um pouco de tudo, mas no começo foi muito tenso. Nunca imaginei que eu fosse viralizar no Twitter porque ele é uma rede de ódio. É uma rede que ninguém perdoa ninguém e o povo fala o que quer. Então, como assim a Botinha é amada no Twitter? 

Você foi meme por muito tempo, mas agora está mais profissional. Ainda há espaço para essa Alexa mas doidinha, mais irreverente?
Sim. Na vida real eu sou o próprio meme, não tem como. Digo que amadureci pelo fato de ser mais responsável, de entregar mais coisas no horário, de cumprir com todos os meus deveres. Porque assim, quando tudo começou, não sabia nada sobre esse meio e tive que estudar para conseguir entender. Mas gente, a Alexia Brito, a Botinha, a Bota Poeira é resumida em um meme. De verdade, fico chocada viu.

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Taça de café
Taça de café (Gustavo Nascimento/Ilustração)

O humor faz parte do seu conteúdo. Da onde que sai tudo isso? Tem mais alguém na família que você puxou esse humor?
O meu humor veio da minha avó. Porque, gente do céu, ela não é normal não. Ela é muito engraçada. De dez coisas que ela fala, nove são palhaçadas para fazer a gente sorrir. Esse meu jeito alegre e espontâneo vem dela. Quando minha avó me pegou para criar, eu tinha dois anos. Ela é a minha mãe, sabe? Convivo a maior parte do tempo com ela, mas a minha mãe também fez um pouco parte dessa criação. E aí costumo dizer que isso vem da minha vó pela convivência, pela criação, pelo jeito que ela é. E essa energia foi se adaptando a mim.

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(Gustavo Nascimento/Ilustração)

E falando nela, como ela reage a tudo isso hoje? A troca de vocês é sempre muito linda, vocês dão risada… Como é que ela reage a essa sua fama, te ver nas campanhas, te ver ganhando o mundo?
Ela não entende nada. Mas me vê louca, me vê feliz e vibrando. Então ela tá feliz. Ela ainda me trata no masculino, né. Eu tô tentando resolver, mas acho que é uma questão de tempo pra isso. Quando comecei a fazer as campanhas, que tudo estava começando a dar certo, dei o primeiro celular para ela, ela ficou muito feliz. 

Aí quando um seguidor vai pedir pra tirar foto ela: “eita, meu Deus, que povo chato, já quer tirar foto, não gosto dessas coisas”. Porque vocês sabem né, no tempo dela não tinha essas coisas, então ela não teve muito acesso a tudo isso. Para minha avó só existe uma plataforma, que é o Kwai. Ela passa o dia inteiro assistindo todos os vídeos.

Você falou que ela ainda te trata no masculino. Queria que você compartilhasse um pouco de como foi esse processo de transição. De se dar conta do seu gênero, dos pensamentos que rolaram na sua cabeça antes de você finalmente se assumir naquela live.
Foi um processo natural. Já vi muitas meninas e meninos que levam um tempão. E acho que como sempre tive o apoio da minha família ficou tudo mais fácil. Sempre quis ser uma gay afeminada, mas não era porque não tinha acesso. Lembro que eu não tinha roupa, usava três dias o mesmo short. E quando ganhei meu primeiro cachê, a metade do dinheiro foi embora em compras – foi até emocionante. 

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ilustração

Quando usei o meu primeiro salto, pensei: “é hoje a coragem, hoje ela vem”. Aí passei a fazer publis disso. Até então, não tinha me assumido como mulher trans, como Alexia Brito nem nada, só queria botar um mega hair e me sentir bem. Mas continuei me vestindo muito mulher. E aí no final de dezembro eu tomei essa decisão. Eu estava numa live, conversando de boa e me despertou essa vontade. Veio uma coragem que eu não sei explicar. E eu disse: “gente, a partir de hoje, eu não quero mais ser tratada no ele. O Alex Brito morreu. A partir de hoje eu me chamo Alexia Brito. Me tratem no feminino, sou mulher trans”. 

Algo te incomodou nesse meio tempo?
A chamada da escola. Odeio meu nome normal, do fundo do meu coração. E aí, quando os professores chamavam, eu logo respondia bem baixinho. Gente, incomoda tanto, é um constrangimento o professor te chamar pelo nome completo, não perguntar como você gosta de ser tratada… É uma forma de educação, sabe? Comecei até a anotar meu nome nas provas, Alexia Brito, aí na hora eles me perguntam: “Esse é teu nome verdadeiro?” e digo que “sim, o meu que você chama é de uma pessoa que já morreu”.

Lembro que veio também um grande comentário, totalmente transfóbico, do senador do Estado do Maranhão. Fiquei com vergonha. Não de ser quem eu sou. Mas da atitude dele, por ser um senador, por ser uma pessoa que deveria conhecer sobre os direitos, deveria conhecer sobre tudo isso. E fazer um comentário assim, sabe? Fiquei chocada, horrorizada. Me abalei muito, mas nada me afetou mentalmente porque sei o que quero, sei o que sou e sei o que eu represento. Fiquei triste pelo fato da gente colocar pessoas em lugares tão altos e importantes e elas não respeitarem a escolha do próximo. 

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Você começou a se maquiar super cedo, com 13 anos, daí surgiu o apelido Bota Pó… Você pensa em seguir carreira profissional na beleza também?
Meus amigos até brincam comigo porque dizem que não combino com o bairro que eu moro. Porque assim, quando não encontro Uber por lá, saio desfilando da minha casa até o ponto de mototáxi de salto, com a rua cheia de buraco. O povo quando vai sair comigo desiste porque só sei sair arrumada, com cabelo no babyliss, com a maquiagem impecável, com as semijoias, as bijus de 5 reais. Bicha, toda arrumada de verdade.

E pretendo muito continuar com essa pegada de beleza porque é algo que veio desde criança, quando minha avó dormia com o meu avô, eu amarrava o lençol na cintura e dizia que era uma princesa. Quando tinha 13 anos, peguei as paletas vencidas da minha mãe e passei no meu olho, também maquiei todas as meninas do bairro para testar… 

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(Gustavo Nascimento/Ilustração)

Isso é algo que quis aprender e aprendi. Lembro que às vezes eu maquiava as pessoas por 20 reais – sempre gostei de ter o meu. Quando eu maquiava por 50 reais, dava 30 pra minha vó. Sabe?! sem mexer no do próximo, porque eu acho que se todo mundo pensasse assim, a gente vivia num Brasil mais saudável.

Você fala que uma das suas maiores alegrias por conta desse processo todo foi poder ajudar em casa. O que você conseguiu fazer que te deu super orgulho em casa e o que mais você gostaria de proporcionar para sua família?
O que me dá maior motivação é poder fazer alguma coisa que agregue na minha família. Meu maior sonho sempre foi poder ajudar minha avó com o dinheiro para as contas, comprar uma roupa para ela quando ela quiser sair, dar um dinheiro para ela gastar como quiser. Qualquer aposento hoje em dia não é nada. Quando a minha avó recebe, só dá para pagar a feira do mês porque as coisas estão num valor absurdo. 

Ajudar minha família me dá gás e motivação para continuar. E poder ajudar minha avó nessas coisas simples para mim é muito significativo. Quando meu avô faleceu, minha avó ficou depressiva. E acho que a internet trouxe esse sorriso pro rosto dela, essa alegria pra dentro de casa. Não só pela questão do dinheiro, mas por todo o carinho que recebemos. 

Convivi no meio de coisas erradas, vendo o meu avô vendendo droga. Eu tinha de tudo para ser uma menina que não pratica o bem, mas decidi que queria ser diferente, que queria mudar a minha realidade. Queria mudar tudo que eu já vivi e a situação da minha família. Hoje a gente vive tudo direitinho, a gente vive sobre tudo certo. E isso é meu maior prazer.

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