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O Brasil tá lascado

Alguns fenômenos econômicos e a instabilidade política têm feito seu bolso virar do avesso e o país sugar todo seu dinheiro

por Ricardo Ampudia 15 dez 2021 23h25
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Brasil tá lascado, para usar de eufemismo. O país está afundando com índices recordes de desemprego, tem sofrido para retomar o crescimento real da economia e Brasília já trabalha em ritmo de eleições. Não bastasse o vírus, fomos cada vez mais empurrados para o abismo por uma gestão criminosa da pandemia e uma série de conflitos políticos e institucionais que afastaram o dinheiro do país e nos causou uma avalanche de prejuízos. Consultamos economistas para entender quais são os problemas brasileiros que estão esvaziando a sua conta no banco agora, como eles surgiram e se há solução no curto prazo.

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(Fí/Ilustração)

Instabilidade política

Vamos começar com o mais óbvio. Elegemos um presidente com pouca ou nenhuma experiência de gestão, ideias bastante extremistas e em constante conflito com outros poderes, com a própria equipe e até com a democracia. Essa instabilidade toda tem um custo muito alto para o país. Não conseguir antever a próxima crise que o governo vai causar deixa o investidor receoso e ele tira o dinheiro do país ou não amplia suas operações, já que as perspectivas são ruins.

“Temos um problema de ordem política e institucional que é o fato de o presidente ser um maluco”, diz Cláudio Considera, professor da FGV, doutor em Economia, que já foi presidente do Ipea e secretário no Ministério da Fazenda entre 1999 e 2002.

Com 50 anos de experiência, Considera afirma nunca ter visto uma crise institucional tão atrapalhada. “Temos dois propulsores da economia no país: investimento e consumo. A pandemia derrubou renda e emprego, então ninguém consome. O investidor não tem segurança, então não investe. Fica difícil”.

“Temos dois propulsores da economia no país: investimento e consumo. A pandemia derrubou renda e emprego, então ninguém consome. O investidor não tem segurança, então não investe. Fica difícil”

Cláudio Considera, professor da FGV
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(Fí/Ilustração)

Dólar a seis contos

A professora Juliana Inhasz, do Insper, explica que essa instabilidade leva os investidores a procurarem ativos menos arriscados para botar seu dinheiro, como o dólar. Isso nos leva a outro problema que está drenando o dinheiro da sua conta: o dólar alto. Pela lei básica da oferta e procura, quanto mais se busca um produto, mais caro ele fica. Isso explica a desvalorização do real frente ao dólar. “Num cenário de muito risco, pra eu topar botar dinheiro no Brasil, tem que pagar muito, muito mesmo”, explica.

O Banco Central tem tentado fazer isso, aumentando a taxa de juros, que é o quanto o governo paga de rendimento das suas aplicações – basicamente, você empresta dinheiro pro governo e ele te paga juros – para tentar segurar o dólar. Mas, não está funcionando. Segundo a economista, o aumento dos juros ataca o problema, mas não resolve a fonte geradora de problemas [você sabe quem]. Não adianta conter a alta do dólar, mas não melhorar o clima no país.

“Não tem saída fácil. O governo precisa tomar medidas pouco populares, mas está amarrado com o centrão e tentando se reeleger. Nenhuma reforma séria deve ser aprovada esse ano”.

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(Fí/Ilustração)

Gasolina nas alturas

Algumas coisas explicam a alta assombrosa dos combustíveis no país. A primeira delas é que quase 50% do valor da bomba vem de impostos. E esses tributos são uma fonte importante para os estados, o que torna difícil simplesmente abrir mão deles. Outro fator é o dólar alto, já que, no mercado internacional, o preço do barril é na moeda norte-americana.

Há um terceiro problema, que vem de uma questão geopolítica. O preço do barril de petróleo é definido por um cartel de países que mais produzem esse licor de pedra no mundo, uma organização chamada Opep. Eles decidem livremente, em comum acordo, quando o preço sobe ou desce, pensando na concorrência e custos de produção. Uma coisa meio maquiavélica, mas legalizada.

O gás de cozinha, que já subiu cerca de 50% só este ano, segue mais ou menos a mesma lógica, acompanhando os preços internacionais do petróleo. O preço do diesel é um dos principais problemas do país atualmente e um dos grandes vilões da inflação. Cada maçã do supermercado chegou até ali de caminhão e o frete é parte importante da composição de preços.

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Táxi por aplicativo e serviços de entrega de comida também repassaram o aumento para os usuários e o transporte público deve fazer o mesmo em breve. Se locomover vai comer cada vez mais o orçamento do brasileiro.

“Não tem saída fácil. O governo precisa tomar medidas pouco populares, mas está amarrado com o centrão e tentando se reeleger. Nenhuma reforma séria deve ser aprovada esse ano”

Juliana Inhasz, professora do Insper
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(Fí/Ilustração)

A comida tá cara

Apesar de existir um aumento da demanda por comida e serviços com a pandemia esfriando, os economistas afirmam que ela não é suficiente para causar a alta nos alimentos. O preço do combustível e o dólar alto são os principais motivos. Uma coisa importante para se entender o agronegócio é que tudo está interligado. Se um cachorro tropeça na linha do trem que transporta milho, o preço do frango sobe. Isso explica o que está acontecendo agora. “A gente tem uma visão bucólica do campo, que o agricultor vai lá, planta, colhe e vende. Mas é um mercado muito mais complexo, que representa quase 30% do PIB do país, o único setor em crescimento durante a pandemia”, explica Marina Fusco, da Agroschool.

Para aqueles que nunca viram uma lavoura, uma explicação rápida: milho, soja e trigo não dão o ano todo. Eles são plantados em safras. Existem os meses certos para que sejam plantados, colhidos e também o tempo para a terra descansar. Marina explica que, neste ano, a segunda safra de milho, a chamada safrinha, sofreu bastante com a falta de chuvas [alô, mudanças climáticas], o que fez a produção ser menor do que o esperado. Isso levou a menos caminhões descendo com a carga para os portos, já que a maior parte da nossa produção é exportada. Até aí ok, triste.

Agora chegou a hora de plantar soja e o produtor precisa de fertilizantes. O Brasil importa 70% do fertilizante que usa, principalmente do Canadá e Rússia. Para trazer essa química toda para a lavoura, como nossa malha ferroviária é ruim, precisamos de caminhões. Plot twist: temos poucos caminhões no porto e mandar um caminhão descer a serra vazio, com o diesel nesse preço, para trazer um fertilizante que você importou em dólar, meu amigo, vai sair caro. “Com a pandemia, os países também estão segurando um pouco a exportação de insumos, para garantir segurança alimentar interna, o que pressiona ainda mais os preços do fertilizante”, diz Marina. Esse preço acaba repassado para o resto da cadeia e, ainda que lentamente, chega na prateleira.

Outro problema com o agronegócio é que o dólar alto tornou a exportação muito atraente, o que desabasteceu o mercado interno. Isso causou, por exemplo, uma alta no preço do óleo de soja. Já a falta de chuva que maltratou o milho no interior do país nos leva a outra situação [eu avisei que tudo estava ligado].

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(Fí/Ilustração)

A conta de luz subiu muito

A crise hídrica fez cair perigosamente o nível dos principais reservatórios do país, que abastecem as hidrelétricas, nossa principal fonte de energia. Com isso, precisamos acionar um plano B, que são as ambientalmente incorretas usinas termelétricas. Fazer isso custa caro e quem paga é você. O operador repassa uma taxa extra na sua conta de luz cada vez que precisa acionar esse backup.

Isso também afeta a indústria, que paga mais caro pela energia elétrica, encarecendo a produção e levando ao aumento dos preços dos seus produtos.

“A gente tem uma visão bucólica do campo, que o agricultor vai lá, planta, colhe e vende. Mas é um mercado muito mais complexo, que representa quase 30% do PIB do país, o único setor em crescimento durante a pandemia”

Marina Fusco, professora da Agroschool
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(Fí/Ilustração)

Precisamos fazer a lição de casa

Para o país conquistar os corações de quem tem a grana e fazer a roda girar de novo é preciso uma série de reformas para arrumar a casa. O Brasil custa caro. O governo gasta mais do que tem e gasta naquilo que não gera benefícios duradouros. Para tapar buracos, acaba tirando dinheiro do que não devia. Uma grande zoeira.

As reformas administrativa, tributária e fiscal ajudariam a sanar as contas do governo e garantir um ciclo de segurança e crescimento, mas não fizemos essa lição de casa nos últimos governos. É uma eterna promessa dos candidatos, inclusive deste que se elegeu. Com o Executivo e o Legislativo em constante toma lá, dá cá, não se aprova nada e as reformas ou não saem ou acabam cheias de remendos, ineficientes.

Para a professora Juliana Inhasz, a expectativa é de que a economia continue crescendo muito pouco em 2022 e as projeções têm sido constantemente revisadas: “Ano que vem tem eleição, é um ano curto, nada vai ser aprovado. Antes imaginávamos que em 2021 acabava a recessão, mas agora já estamos computando 2023, 2024. Quanto mais demoramos pra resolver, mais tempo ficamos nesse fundo de poço”.

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Os cartoons que acompanham essa matéria são do Fi. Conheça mais de seu trabalho aqui.

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