ara muitas pessoas, o dia do casamento é o grande sonho. Planos são feitos acompanhados de sorrisos e sonhos. Meninas pensam no vestido branco e na marcha nupcial tocando, na valsa com o futuro noivo e nas pessoas queridas rodeando o casal de amor. Mas, na prática, muitas dessas jovens que sonham com o casamento perfeito encontram outra realidade quando, ainda crianças, são obrigadas a se casar. Essa é a dura realidade abordada em Apenas Meninas, documentário com direção de Bianca Lenti, da Giros Filmes, que chega esta semana ao catálogo da HBO Max. Ao contar a história de sete jovens brasileiras, de diferentes regiões do país, que vivem em situação de extrema vulnerabilidade – social, econômica, emocional –, Bianca e uma equipe 100% feminina se debruçam sobre essa questão que o Estado praticamente ignora.
Dizemos isso porque, ainda que o Código Civil brasileiro proíba o casamento de menores de 16 anos desde 2019 (sim, antes disso não era proibido e essa informação beira o absurdo), o Brasil ainda é o 4º país no ranking mundial dos casamentos infanto-juvenis. Se a posição alta no ranking não é suficiente para te convencer do tamanho do problema, aqui está outro dado: são 554 mil casamentos de meninas entre 10 e 17 anos no país todo ano – 65 mil são de meninas entre 10 e 14 anos. Ou seja: a cada 21 minutos, uma menina de 10 a 14 anos se torna mãe – e a maternidade nessa idade acaba sendo causa e consequência para aumentar esses números.
“Apesar de a gente já ter viajado bastante pelo Brasil em produções e me deparar com casamento precoce, gravidez precoce, casos de abuso físico e psicológico, me surpreendeu perceber que, ao contrário do que muita gente imagina, esses casamentos não acontecem no Brasil profundo. Estão perto da gente, no perímetro urbano. Fiquei atraída pela ideia de desmistificar o conceito de que casamento infantil é sempre casamento arranjado, é sempre casamento que acontece por conta de um viés cultural ou religioso”, explica Bianca. A diretora, que começou a acompanhar a história das 7 personagens do documentário em 2016, filmou boa parte de Apenas Meninas em 2018 e, até hoje, mantém contato com elas, explica que o descaso da sociedade e do Estado em relação a essas garotas as faz pensar que a única solução para sair desse cenário é o casamento. “As pessoas não estão preocupadas com os sonhos, o desenvolvimento, os corpos e as vulnerabilidades das nossas meninas periféricas, sobretudo as pretas. Por isso, elas se agarram ao casamento como uma rota de fuga. Parece que elas buscam isso, mas no fundo é um pedido de socorro.
Quando as meninas percebem invariavelmente que o casamento não é a solução para sair de outros ciclos de violência, entram em cena as psicólogas e assistentes sociais, profissionais que têm seu trabalho fundamental destacado no documentário. Apenas Meninas não existiria, aliás, sem que essas profissionais tivessem feito a ponte entre a Giros Filmes e Agnes, Ruama, Maria, Renata, Ana, Roberta e Adriana. São elas que acompanham o desenvolvimento dessas jovens mães e entram em ação para ajudá-las no processo de autoconhecimento e empoderamento, duas palavras-chave para tirá-las dessa condição de vulnerabilidade. “Casamento infantil é uma violência por si só. Percebemos no dia a dia que, mesmo quando existe vontade de se casar por parte das meninas, precisamos investigar o motivo”, pontua Amanda Villela, psicóloga, em depoimento ao documentário.