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O uso dos terpenos da medicina à gastronomia

por Gabriela Rassy 24 Maio 2023 17h47

Os terpenos estão surfando sua onda mais hypada dos últimos tempos. Eles aparecem na gastronomia, nos cosméticos e podem até dar pinta quando o assunto é tratamento medicinal. Mas afinal, o que são terpenos? Se você caiu aqui de paraquedas, segue o fio que te conto tudo.

Os terpenos são compostos aromáticos que podem ser encontrados em quase todas as plantas deste mundão. Essas substâncias produzidas naturalmente são as grandes responsáveis pelo aroma e sabor das espécies vegetais. O limoneno, por exemplo, é responsável pelo aroma cítrico do limão, enquanto o linalol é o encarregado de dar à lavanda seu cheiro cítrico, floral e adocicado.

Além de fornecer aromas, os terpenos têm um papel importante no crescimento e na sobrevivência das plantas. Essas substâncias de fato evoluíram para atrair polinizadores e afastar predadores produzindo cheiros, sabores e cores de acordo com a especificidade de cada vegetal e território.

Dentro da aromaterapia, eles  exercem papéis terapêuticos diferentes, de acordo com suas propriedades medicinais. Mas neste caso eles são usados na forma de óleos essenciais.

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Óleo essencial x Terpeno

Ora, mas qual a grande diferença entre um óleo essencial e um terpeno? Os óleos essenciais podem ser inalados ou aplicados topicamente para produzir efeitos diversos, sejam eles anti-inflamatórios, antibacterianos, relaxantes, estimulantes, sedativos, analgésicos e por aí vai.

Vamos supor que precisamos extrair o óleo do limão. Para isso precisamos de uma base de gordura ou de álcool, além de maquinário próprio para fazer essa extração. O resultado é um “sucão” concentrado de limão. A molécula que dá o aroma ao óleo é o terpeno. Assim, se extrairmos somente o terpeno do óleo, tirando a gordura ou álcool e todas as impurezas, temos esse ouro. Uma bomba de aroma!

Cada óleo essencial contém uma combinação única de terpenos e outros compostos que são responsáveis ​​por seus efeitos terapêuticos. A combinação de linalol e acetato de linalila da lavanda é conhecida por suas propriedades calmantes e relaxantes, enquanto o óleo essencial de hortelã-pimenta contém mentol, que é conhecido por suas propriedades refrescantes e analgésicas. Em geral, os óleos essenciais podem ser usados ​​para tratar uma ampla variedade de condições, incluindo ansiedade, insônia, dores de cabeça, dores musculares e articulares, náuseas, problemas de pele e muito mais.

“Arriscaria dizer que tem entre 15 e 20% de terpenos em um óleo essencial”

João Lordello
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“Arriscaria dizer que tem entre 15 e 20% de terpenos em um óleo essencial”, conta João Lordello, fundador da Cool Terps, primeira empresa focada em blends de terpenos do Brasil. Seus produtos são feitos com extratos 100% naturais que recriam os aromas e sabores das mais famosas strains (ou cepas) de cannabis.

Com diversas possibilidades de aplicações, seus terpenos são utilizados em bebidas, na gastronomia, em cosméticos, em terapias alternativas ou mesmo deixando óleos medicinais de cannabis mais palatáveis e até um tanto pimpados, com alguns efeitos terapêuticos oriundos da aromaterapia.

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Terpenos e Cannabis

As plantas femininas de cannabis têm um segredinho. Elas são cobertas por glândulas chamadas tricomas, que secretam altas concentrações de terpenos, além de canabinoides e outros componentes químicos. Agora, as propriedades terapêuticas dos terpenos começam a ser estudadas em maior profundidade, com resultados positivos de seus usos como anti-inflamatório, antibactericida, anticancerígeno e sedativo, entre outros, embora ainda seja necessário para a ciência se aprofundar neste campo.

Mesmo a cannabis sendo uma super fonte de terpenos, quem faz o papel terapêutico-medicinal são os canabinóides, como o THC e o CBD. Mas, então, os terpenos não têm nada a acrescentar além de servirem na aromaterapia? Mais ou menos. O corpo humano e animais têm um sistema bioquímico importante chamado sistema endocanabinoide (SEC), que atua em várias funções do corpo, como sensação de dor, processos inflamatórios, digestão, sistema neurológico. Os receptores do SEC são encontrados em vários tecidos e órgãos. Uma analogia comum para entender o sistema é a “chave-fechadura”, em que o SEC é a fechadura e compostos da cannabis são as chaves.

“Os terpenos interagem com as enzimas do sistema endocanabinoide, mas também com proteínas que ficam montando e desmontando as moléculas. Quando eu ponho terpenos no óleo, também otimizo a relação dessas proteínas. Então você fica com mais CBD e THC disponíveis para ligar em algumas fechaduras. O terpeno entra numa espécie de gestão das moléculas que estão na cannabis”

Mariana Muniz

As espécies de cannabis têm mais de 100 terpenos diferentes, e a combinação deles com os canabinoides, como o THC e o CBD, é responsável pelo que é conhecido como “efeito de entourage” ou “efeito de comitiva”, com efeitos sinérgicos ocorrendo quando vários compostos da planta são consumidos juntos. “Os terpenos interagem com as enzimas do sistema endocanabinoide, mas também com proteínas que ficam montando e desmontando as moléculas. Quando eu ponho terpenos no óleo, também otimizo a relação dessas proteínas. Então você fica com mais CBD e THC disponíveis para ligar em algumas fechaduras. O terpeno entra numa espécie de gestão das moléculas que estão na cannabis”, explica a psiquiatra e pesquisadora do Instituto do Cerebro/UFRN, Mariana Muniz.

Mariana conta ainda que “o cheiro e o gosto tem a ver com os terpenos serem moléculas voláteis. Eles evaporam facilmente e por isso chegam aos nossos receptores do nariz, que é um sistema diretamente ligado com a memória afetiva, o processamento de emoções. Por isso que o cheiro pra nós é tão importante. Ele tem esse fundo biológico.”

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Alguns terpenos comuns encontrados na cannabis incluem o limoneno, o linalol, o mirceno, o pineno e o beta-cariofileno – sim, os mesmos encontrados no limão, na lavanda e em outras plantas.

Como já falei aqui, cada um desses terpenos têm seus próprios efeitos terapêuticos potenciais. E alguns estudos preliminares sugerem que os terpenos da cannabis podem ter efeitos terapêuticos independentes dos canabinoides. Por exemplo, um estudo de 2011 publicado na revista British Journal of Pharmacology descobriu que o beta-cariofileno tem efeitos anti-inflamatórios potentes e pode ser útil no tratamento de doenças inflamatórias como a artrite.

“Cada strain produz um perfil de terpenos. Quando fazemos o óleo com essa strain, os terpenos vêm junto. Percebemos que strains com mais terpenos funcionam melhor do que sem terpenos, e que a quantidade e tipo de terpeno também produz efeitos diferentes nos óleos”

Mariana Muniz

“Cada strain produz um perfil de terpenos. Quando fazemos o óleo com essa strain, os terpenos vêm junto. Percebemos que strains com mais terpenos funcionam melhor do que sem terpenos, e que a quantidade e tipo de terpeno também produz efeitos diferentes nos óleos”, explica Mariana Muniz.

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Outro exemplo mais palpável é o da Associação Acolher Macaé, projeto que nasceu a partir de Denise Fogel Soares, que precisava dar qualidade de vida à sua filha Gabi, que tinha epilepsia refratária ainda bebê e usava vários anticonvulsivos. Os altos preços dos óleos importados levaram Denise e o marido a plantarem cannabis para produzir o óleo. “Aquilo ali que a gente aprende que é droga, não é nada daquilo, é um medicamento”, ela diz.

Depois de conseguir autorização, ela foi procurada por outras famílias e fundou a Acolher para ajudar outras pessoas da região com a mesma necessidade. Hoje são quase mil associados que usam os óleos produzidos pela associação. “Temos produção própria, laboratório, responsável farmacêuticos. Mas no geral atendemos crianças e para elas o sabor do óleo fica um pouquinho mais forte, então fomos buscar essa alternativa”, conta Denise. Foi assim que os terpenos entraram em cena.

Depois de ouvir de mães que os filhos rejeitavam o sabor de planta do óleo, ela passou a usar os terpenos naturais que dentro de um blend simulam sabores mais suaves de cannabis, para torná-lo mais aromático e palatável. E funcionou perfeitamente.

Existem ainda estudos em andamento que mostram a capacidade anti-inflamatória da combinação canabinoides + terpenos. Uma pesquisa publicada na revista científica Food and Chemical Toxicology mostra que os compostos encontrados na planta foram capazes de reduzir a produção de substâncias inflamatórias por células imunes humanas. Além disso, o estudo mostrou que a combinação de canabinoides e terpenos produziu efeitos mais significativos do que quando usados isoladamente. Os resultados são promissores para o uso terapêutico da cannabis em condições inflamatórias, como artrite.

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Terpenos na Gastronomia

Enquanto os terpenos atuam para dar aroma mais suave nos óleos medicinais, vem rolando uma explosão do uso desses aromas canábicos na gastronomia. Já andamos falando disso por aqui em 2020 e o cenário só evoluiu.

A cervejaria carioca Hocus Pocus produziu recentemente 5 tipos de cervejas aromatizadas com blends da Cool Terps que imitam strains famosas, como Amnesia Haze, Lavender Kush e Berry White. O sucesso foi tamanho que os lotes esgotaram em poucas semanas. O mesmo caminho foi trilhado pela Planta & Raiz, que lançou IPAs turbinadas com terpenos para comemorar os 25 anos de estrada da banda.

Já a Café Blends do Brasil faz uma linha de cafés sensoriais, produzidos em micro lotes, também aromatizados com blends naturais de terpenos idênticos aos que compõem diversas cepas de cannabis.

Novidade no Brasil, mas nos EUA já existe há tempos uma infinidade de restaurantes, chefs, cafés e até sorveterias que trabalham com aromas maconhísticos. Para crianças, um disfarce perfeito. Para adultos, um prazer a ser buscado. Será que estamos vivendo ou apenas procurando a maconhesidade em tudo?

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