o cinema, quando uma pessoa está paralisada diante do perigo iminente, e precisa recobrar a razão para enfrentar a encrenca na qual está metida, geralmente leva um chacoalhão. Ou mais de um, né? É aquela medida drástica, mas que salva vidas. A Elástica será a sua parceira nesta cena de documentário, e pede a gentileza de você deixar que ativistas, defensores dos direitos humanos e especialistas chacoalhem nossa realidade agora, para não ter choro depois. A pandemia vai passar, mas e aí? E depois do vírus?
Expulsões em massa?
Ruben Siqueira é coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização criada na ditadura militar como resposta às violações de direitos humanos dos trabalhadores rurais da Amazônia. A CPT era vinculada só à Igreja Católica, mas hoje é plural, ecumênica e está no país todo. Desde 1985, monitora a violência no campo e, adivinhem só, qual foi o pior ano da década para quem mora longe das capitais? Justamente, 2019.
Cinco conflitos no campo por dia, foi a triste marca que o Brasil obteve ano passado. No total, 1.833 – um aumento de 23% de 2018 para 2019. A maior parte, 60%, na Amazônia, onde 27 dos 32 assassinatos contra minorias foram registrados. “A violência no campo percorre toda a história, desde a chegada dos portugueses, porque concentrar [em poucas mãos] o controle da terra sempre foi um eixo do poder no Brasil. Não é diferente com Bolsonaro no governo federal”, testemunha Siqueira.
Para a CPT, conflito no campo é quando trabalhadores da terra são violentados na posse, uso e propriedade de onde tiram seu sustento. Pode ser agressão verbal e constrangimento psicológico, mas é comum que haja danos contra as povoações, chegando às raias da agressão e assassinatos. Em 2019, os conflitos atingiram comunidades onde vivem 859 mil pessoas – 35% dessas famílias, indígenas.
“Comunidades camponesas e tradicionais continuam enfrentando a violência, que não parou com a pandemia. Porém, sem poder contar com a ação favorável do Estado, mesma limitada e insuficiente, tornaram-se mais vulneráveis que antes”, alerta Siqueira. Ele está preocupado com as expulsões em massa que podem vir depois do vírus. No momento, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Fundação Nacional do Índio não reveja demarcações de terras indígenas como tudo indicava que faria, após a Advocacia-Geral da União sacar um parecer jurídico nesse sentido.
“Comunidades camponesas e tradicionais continuam enfrentando a violência, que não parou com a pandemia”
Ruben Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra
Para o coordenador da CPT, se a sociedade não estiver ligada nisso, e o revisionismo da Reforma Agrária e das demarcações de terras indígenas avançar, o Brasil enfrentará uma grave crise humanitária quando a pandemia passar: “As comunidades respondem à violência como podem e sabem, com redes de solidariedade. Fecham estradas de acesso, protegem as fronteiras de seus territórios, tomando a si o que o Estado não faz. Porém, não conseguem conter a violência armada de seus inimigos, dos ‘jagunços de CNPJ’, as tais empresas de segurança contratadas por fazendeiros e empresários do agronegócio”.