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Sabores e saberes gastronômicos de São Paulo

A comida paulista que nasce entre quilombos, agroflorestas e praias

por Gabriela Rassy Atualizado em 8 set 2023, 13h15 - Publicado em 8 set 2023 09h40

Quando pensamos em comidas típicas brasileiras, muito se fala em clássicos espalhados por diversos estados. Mas São Paulo, em seu posto de ponto de encontro da diversidade, figura muito como receptor de culturas de lugares além e até países, como Japão e Itália. Se engana quem para por aí.

O maior programa de valorização da gastronomia paulista, Sabores de São Paulo, acontece anualmente por realização do governo do Estado para provar que a diversidade vai além de receber culturas variadas. O roteiro, promovido pela Secretaria de Turismo e Viagens, em parceria com o Mundo Mesa, vai da capital ao interior, passando pelo litoral, pantanal e vales para provar que a riqueza alimentar tem muito a oferecer.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

Além do roteiro, são realizados os Festivais Gastronômicos Sabor de São Paulo. Em 2023, eles começaram em Campinas, passaram por Ribeirão Preto e chegaram até Registro, no coração do Vale do Ribeira. Acompanhamos o roteiro e agora te contamos algumas pérolas descobertas na região rica em peixes, frutos do mar, palmito e muita variedade de bananas.

Reserva de Mata Atlântica

Hoje, a estimativa é que restam apenas 12,4% da cobertura original de Mata Atlântica no Brasil, que antes da invasão portuguesa era de aproximadamente 1.31 milhão de quilômetros quadrados (ou 15% do território nacional). O Setor Vale do Ribeira, parte da Grande Reserva Mata Atlântica, abrange 29 municípios, incluindo Registro, e fica em média há 3 horas da capital, São Paulo. Esta região engloba a cordilheira de Paranapiacaba e áreas litorâneas como o Lagamar.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

O trecho é lar de diversas Unidades de Conservação, com infraestrutura para visitantes, passeios para quem ama belezas naturais e aventuras, produção gastronômica poderosa, além da densa presença de Comunidades Quilombolas, da cultura caiçara na costa e da influência japonesa em vários municípios.

De acordo com o Sebrae, uma das grandes características do Vale do Ribeira é a grande concentração de pequenas propriedades. Muitas delas inclusive se unem através de cooperativas para produção e venda de alguns dos principais produtos da região, como a banana, principal cultura da região, chá mate, palmito e atividades de pesca e mariscagem.

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Bananas no Brasil

Apesar de existirem relatos sobre bananas nacionais, a fruta asiática foi trazida nas embarcações portuguesas para as terras tupiniquins. Estima-se que existam quase mil tipos diferentes da fruta pelo mundo, entre cultivadas e selvagens. Mas por aqui, as mais populares são:

🍌 Banana-nanica ou banana-d’água
Popular, mas não é a menor entre as espécies
Doce e macia, típica da primavera
Quando madura, pode ter leve efeito laxante
Ideal para atletas; rica em potássio e magnésio
Pesa aproximadamente 86g e tem 79 calorias.

🍌 Banana-da-terra
Ótima para pratos fritos ou cozidos; rica em vitamina A e C
Ao contrário da nanica, tem um efeito de constipação
Típica do verão, é menos doce e tem menor teor de carboidratos totais
A maior espécie no Brasil, com frutos de até 26 cm e 500g
Uma unidade possui 192 calorias em 150g

🍌 Banana-prata
Durável, consumida até 4 dias após amadurecer.
Muito usada em doces devido à polpa consistente.
Pesa cerca de 70g e contém 68 calorias.

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🍌 Banana-maçã
Aroma lembra maçã
Docinha e macia, ela é perfeita para bebês e idosos
Não recomendada para doces, mas rica em proteínas e fibras
Ótima fonte de manganésio e fósforo

🍌 Banana-ouro
A menor das bananas, com cerca de 40g
Uma das mais calóricas, tem cerca de 44 calorias.
Deliciosa in natura devido à polpa doce e perfumada
Indicada para pessoas com problemas de coração, de pressão alta e nos rins

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Rota Vale do Ribeira

A Rota passa por Regiões Turísticas Caminhos da Mata Atlântica, Cavernas da Mata Atlântica e Lagamar, entre sítios, fazendas, cachaçarias, cooperativas agrícolas, bares e restaurantes. Cada lugar, com suas belezas e desafios, mostram um pouco da diversidade local.

Valem o destaque o Rancho Sertanejo, em Juquiá, localizado em uma área rural com tudo que uma fazenda pode oferecer de melhor, além de atividades como pesca esportiva, trilhas, cavalgadas em grupo. A boa é agendar com antecedência o almoço para provar as delícias que Roseli Cordeiro prepara no fogão a lenha.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

No cardápio, variações preciosas com o palmito da região, como a moqueca sertaneja, o espaguete feito com fios do legume, ou a versão na brasa, adornada com sal grosso. Tem ainda o clássico arroz com feijão fresquinho, farofa e opções de carnes. Tem um espaço para os visitantes passarem a noite, caso queiram ficar mais tempo no clima interiorano.

Outro ponto de hospedagem imperdível é a Pousada Rural Ouro Verde, em Eldorado, onde o casal Arlete de França e Santino de Borba cultivam cerca de 100 mil pés de bananas de diversas espécies. O lugar tem piscina, uma vista linda para o pôr do sol e suítes equipadas. O ponto alto é o café da manhã cheio de pães de fermentação natural, bolos e geleias feitos na casa, além de bons cafés e sucos.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

O palmito é a estrela principal do Vale dos Pupunhas, que ganhou o nome fofíssimo de Palmitolândia. Ali, o casal Anna Gabriela Araújo e Fábio Mayer elevam as potências deste produto local com 100% de aproveitamento, fazendo desde ração até pratos e vassouras com a planta, e receitas inovadoras. “A minha missão é transformar Iporanga na capital dos palmitos, então a gente abriu a fazenda para visitação para grupos de 10, 15 pessoas. Nós andamos na plantação, eu dou um facão na sua mão, você escolhe um palmito para chamar de seu e se aventura a cortar”, conta Gabriela.

Depois tem toda a experiência de degustação, colocando também a mão na massa – ou melhor, no palmito! Da cozinha salta um menu completo explorando todas as possibilidades do palmito: em massas, saladas, churrasco, torta cremosa e ceviche servido na casca do limão siciliano, mas também em quibes, sushis, brigadeiros, cocadas e até queijadinhas (incrível de maravilhosa). O passeio custa R$100 por pessoa.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

Um lugar que vale demais a visita é o Píer Manjuba & Cia, na Ilha Comprida, comandado pela chef Silvana Cristina. Ela vem de uma família de pescadores de Iguape e trabalha com gastronomia há mais de 20 anos. O primeiro restaurante nasceu há 5 anos e agora ela e o marido abriram o novo espaço, às margens do Rio Ribeira de Iguape.

Ali a dupla serve o casadinho de manjuba, carro-chefe da casa, além de uma paella no estilo valenciana, com frutos do mar, frango e arroz da região. Vale ainda provar a paella doce, uma invenção com frutas, creme e chocolate servida na paellera.

Também na região de Iguape, entre casarões do centro histórico, está localizado o Panela Velha. Cris Vanney segue o sonho dos pais, que abriram o restaurante em 1990, mantendo as receitas de família que estão no cardápio desde a inauguração. “Se muda, o pessoal reclama”, conta Cris, que mantém ainda tudo feito com ingredientes locais. Vale provar o filé de robalo a caiçara, com o peixe empanado, grelhado na manteiga, servido com arroz à grega e palmito grelhado.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

A casa tem carinha de museu, abrigando não só fotos que contam a história da família, como telefones antigos, geladeiras e máquinas de escrever. “A gente foi juntando peças e hoje temos um lugar só para aguardar e expor. É um lugar que traz uma nostalgia, todo mundo vê uma peça que fez parte da sua história aqui”.

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Palmitos no Brasil

­­Palmito Pupunha
O mais comum e sustentável: palmeira não morre ao ser cortada. Sabor suave, fibroso com miolo macio e baixo teor calórico
Perfeito para ser consumido cru, assado e nos mais variados tipos de receitas

­­Palmito Juçara
Vistoso e carnudo, típico da Mata Atlântica
Já correu risco de extinção devido à extração massiva ilegal
A palmeira morre ao ser cortada, replantio demora cerca de 10 anos

­­Palmito Açaí
Macio e suculento, parecido com o juçara (inclusive quando se trata da polpa da fruta!)
Surgiu como alternativa ao juçara ameaçado
Extração alternada entre árvores, mais presente no mercado

­­Palmeira Real
Menos comum, mas com sabor brando e delicado.
Textura macia, cor branca e sabor entre doce e amargo.
Originária da Austrália, adaptou-se ao Brasil.

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­­Guariroba
Palmito nativo brasileiro, exótico e peculiar.
Textura firme, precisa ser cozido antes de consumir.
Sabor amargo, excelente com carnes e sabores ácidos.

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Cananéia: do quilombo à cidade histórica

Fundada em 1533, Cananéia é a segunda cidade mais antiga do Brasil. Firmado no turismo litorâneo, o município é um roteiro ecológico e com produção riquíssima de banana, mandioca, palmito e cana de açúcar. Um dos locais mais interessantes para se conhecer está afastado do centro da cidade. O Restaubar Ostras e Cataia é comandado pela família do Quilombo Mandira, que vive ali desde a década de 1800.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

Antigamente, a região era uma fazenda, onde pessoas escravizadas foram levadas para trabalhar na plantação de arroz. Com o passar do tempo, o fazendeiro teve um filho com uma das escravas e esse filho é nosso patriarca, já estamos aqui na nona geração”, conta Sidney Mandira.

Quando a fazenda deixou de funcionar, Francisco Vicente Mandira herdou o terreno e passou a viver da agricultura. Isso até o final da década de 1960, quando foi criado o Parque Estadual de Jacupiranga em cima da comunidade. A partir daí foram estabelecidas restrições para o plantio e extração de todas as espécies vegetais da região e expulsando os quilombolas do Mandira.

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(Fotos do restaubar Ostra e Catataia./Arquivo)

“Meus avós foram pressionados a vender parte do território e viemos parar aqui, na área de encosta da Serra do Mandira, onde tem a restinga e o manguezal. Então na década de 70 começamos a trabalhar com a ostra”, explica Sidney. Depois de muitos perrengues com atravessadores, foi montada uma cooperativa para a venda dos mariscos e a comunidade se estabeleceu com o comércio.

Desde 2015, a família serve para os turistas que passam rumo às cachoeiras e moradores locais, refeições simples a preço justo. Além de comercializar a ostra in natura, são vendidos pratos como a ostra gratinada, a farofa de ostra de Irene, mãe de Sidney, pasteis e pratos.

Chegando de volta à cidade, passamos pelo comércio mais antigo de Cananéia, a Cachaçaria J.Rios. O negócio nasceu e foi tocado por João Rios até o fim de sua vida, hoje, sua filha Perla dá continuidade ao negócio, mas colocando seu toque especial na produção.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)
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Ostras pelo Brasil

­ Ostras da Vila Medeiros (PR) & Cananéia (SP)

Espécie: Crassostrea gigas (estrangeira).

Cultivo: Mangue.

Primeira impressão: Onda de sal que evolui para notas metálicas.

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Detalhe: A ostra de Cananéia apresenta um sabor de iodo mais intenso.

­Ostra de Guaratuba (PR)

Espécie: Crassostrea gasar (nativa).

Cultivo: Baía (mistura de água de rio e mar).

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Característica: Sabor delicado, quase adocicado após chuvas devido ao aumento da água doce nos rios que desaguam na baía. Em períodos de estiagem, são mais salgadas devido à predominância da água do mar.

­Ostras do Ribeirão da Ilha, Florianópolis (SC)

Textura: Macia e tenra.

Sabor: Delicado, com um toque doce que se prolonga na boca.

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O que antes era um bar que servia cachaças infusionadas por João no balcão, hoje é um novo negócio que atrai principalmente o público feminino. Os sucessos do pai seguem: a aguardente com goiaba, banana e outros ingredientes locais, além da bebida infusionada com cataia, planta típica e abundante na região, que deixou o lugar famoso. São mais de 100 sabores vendidos aos litros todos os dias.

Próximo da cachaçaria está o Restaurante Na Canoa, comandado por Patrick San e sua esposa, Rita. Herdando o dom da mãe Bete Pêgo, dona do tradicional restaurante Bacharel, o chef é quem pesca os peixes servidos no restaurante e para que não tenha desperdício, trabalha somente com reservas.

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(Antônio Rodrigues/Arquivo)

Suas criações inovadoras já renderam destaques em diversas revistas e uma forte conexão com o chef Alex Atala, que Patrick tem como amigo e inspiração. Suas criações mais interessantes envolvem ovas de tainha, curadas na casa, e as ovas de bagre. Este último nasceu como forma de aproveitar um peixe de baixo valor comercial, mas que é extremamente umami e casa perfeitamente com as receitas japonesas da casa.

O Sabores de São Paulo deve passar ainda por Araçatuba (23/9), Campos do Jordão (7/10), São Carlos (11/11), Santos (25/11), São Paulo (10/12), Presidente Prudente (27/01), São José do Rio Preto (24/02) e termina em Marília, em março de 2024.

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