uando você olha para uma pessoa com deficiência, o que pensa primeiro? Como a vida dela deve ser mais difícil do que a sua? Ou se ela consegue se virar sozinha? Ou se ela consegue fazer coisas básicas, como trocar de roupa, cozinhar, se comunicar? Claro, é natural existir um certo nível de curiosidade a respeito de pessoas que vivem com algum tipo de limitação, como não enxergar, não ouvir, não ter uma perna ou um braço, precisar de uma cadeira de rodas. Porque a vida parece, à primeira vista, muito mais complicada mesmo para elas. Mas, para o bem da nossa santa ignorância, vale fazer outra pergunta: por que nunca nos damos o trabalho de olhar para além da deficiência?
“Eu não tenho problema em ser cega. Sou cega como sou mulher, como sou negra, como sou periférica”, diz a jornalista Nathalia Santos. “Só enxergo de uma outra maneira, mas a sociedade desde cedo me mostrou que não estava preparada para o diferente, seja qual for a diferença que as pessoas têm.”
Fato é que viver em um mundo que marca essa diferença o tempo todo, que te exclui da sociedade, da cultura, do mercado de trabalho, representa um desafio maior do que lidar com as limitações que a deficiência impõe. E a gente nunca fala disso. O discurso da diversidade está aí, mas o quanto realmente aceitamos essas diferenças? Principalmente quando muita gente ignora que o “diferente” vai além das minorias raciais e LGBTs.
“A sua capacidade está totalmente vinculada ao seu corpo e, se esse corpo não responde ao padrão, você é vista como menos capaz. As pessoas acham que tudo o que você faz é ‘inspirador’, sem se darem conta do quanto isso é ofensivo. Como se conseguir cortar uma cebola fosse como subir o Everest”
Mariana Torquato
Essa é uma briga que Nathalia, Mariana, Matteus, Lorrayne e Kitana compram diariamente. Seja produzindo conteúdo que informe e eduque as pessoas sobre as PcDs (sigla para pessoas com deficiência), seja para compartilhar suas paixões, rotinas, angústias e alegrias, esses cinco influenciadores mostram que a vida deles não é tão diferente assim das nossas – e que eles não são suas deficiências. “As pessoas com deficiência estão tentando ganhar voz na internet, utilizando plataformas para falar sobre suas questões, ou então para não falar sobre suas questões, mas para mostrar que elas sabem fazer make, cozinhar, que são boas no que fazem, e isso é muito bom para desmistificar toda essa ideia preconceituosa que existe em torno das PcDs”, diz Mariana Torquato.
Lorrayne Carolyne está no segundo time: cadeirante, ela nasceu com uma doença rara, chamada Osteogênise Imperfecta, mas a atenção da paulista de Franca mora, principalmente, em seus cabelos: entre os posts da influenciadora de beleza, se destacam os de looks do dia, testes de produtos para os cachos e valorização da beleza da mulher negra. “Fico muito feliz de ver tanta gente com deficiência nesse universo de influenciador, mostrando que temos nosso lugar e que isso independe da nossa condição”, diz.
Há também quem atue nas duas frentes, como a drag queen Kitana Dreams, que, surda de nascença, faz sucesso entre surdos e ouvintes com seus vídeos divertidos de montação e make. A carioca grava em LIBRAS e legenda seus vídeos. Para ela, a internet é uma forte aliada contra a invisibilidade. “As redes são meios que permitem a nós, pessoas com deficiência, transformarmos esse problema, é uma ferramenta poderosa na nossa luta por um espaço na sociedade e para mostrar que não somos coitadinhos, somos pessoas normais com algumas limitações.”
Para o economista Matteus Baptistella, trabalhar a própria imagem, usar sua voz e achar seu público foi fundamental para se aceitar e mudar o olhar sobre sua deficiência. “Hoje sei que meu nanismo não me define, ele é apenas uma parte minha. Mas a gente ainda têm que viver o tempo todo com o preconceito e a exclusão. Então, trabalhar a aceitação é importante porque o mundo não facilita”, diz. “Se eu não me aceitar como anão, vou ficar mal de ter que pedir para alguém pegar um produto em uma prateleira mais alta no mercado, por exemplo. E ninguém tem que sentir vergonha por isso. É apenas uma limitação física, não é nada demais.”