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Inimigo íntimo

Dores nas mamas, perda de memória e fadiga extrema são sintomas da "doença do silicone" – a ciência já comprovou; ainda assim, é difícil realizar o explante

por Alana Della Nina Atualizado em 3 dez 2020, 16h01 - Publicado em 3 dez 2020 00h58
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(Clube Lambada/Ilustração)

ma mulher nasce e cresce com um entendimento confuso de que seu corpo não lhe pertence. Seu corpo é território aberto: para tocarem, educarem, comentarem, falarem como ele deve ser. Seu corpo é livre para todos, menos para ela. A batalha para defender esse território é secular. Resistimos ao espartilho, queimamos sutiãs, cada vez mais assumimos nossos cabelos, corpos, peles, nos rebelamos inúmeras vezes, ao longo da história, contra as torturas inventadas para nos tornar (supostamente) mais belas. Ainda assim, essa batalha continua longa. 

Marco estético dos anos 1990 e do início do milênio no Brasil, o implante de silicone nos seios já entrou e saiu algumas vezes do centro desse debate. Um intruso no corpo feminino apoiado por muitas e rechaçado por tantas outras. Apesar de estar, mais uma vez, no centro de uma polêmica, a invenção não é nova: registra-se que o primeiro procedimento aconteceu em 1962, nos Estados Unidos, país dos peitões artificiais.

Por aqui, as próteses chegaram por volta de 1980, mas só estouraram de vez alguns anos depois. O silicone virou febre, sonho de consumo, novo padrão de beleza. Rechear a parte de cima dos biquínis com duas próteses fartas virou projeto de vida de muitas brasileiras. E continua sendo: a cirurgia para implante de silicone está entre as mais procuradas no Brasil. Segundo último levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), com dados de 2017 a 2018, a cirurgia de implante de silicone nas mamas representa 18,8% de todas as operações plásticas realizadas no Brasil – isso equivale à colocação de mais de 319 mil próteses de silicone em um ano. O nosso país também responsável por 12,9% do total de cirurgias do tipo no mundo. 

Inimigo íntimo

No entanto, há um movimento ainda sem número oficial, mas definitivamente crescendo, que corre contra essa onda: o das mulheres que querem explantar suas próteses. Claro, vale dizer desde já: não há problema nenhum em querer aumentar os seios. O problema é quando você decide retirar o silicone e encontra resistência de todos os tipos.

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Para a professora Larissa de Almeida, de Fortaleza, o implante era um desejo antigo, que, ao longo dos anos, virou um pesadelo. E, quando ela decidiu se livrar das próteses, precisou passar por outro processo difícil. “Implantei em 2012, quando estava com 29 anos. Pesquisei muito antes de tomar a decisão, até porque pensava em engravidar dali um tempo. Tudo o que li indicava que os riscos eram baixíssimos, então me convenci. Ninguém te conta o mal que o silicone pode fazer a você”, ela diz. Larissa conta que os problemas começaram logo depois de dar à luz seu filho – ela teve uma mastite severa e enfrentou enorme dificuldade em amamentar. Ainda assim, não relacionou o problema ao silicone, já que a mastite é relativamente comum em mulheres que estão amamentando. 

“Descobri a doença do silicone, o fenômeno do gel bleeding, que é literalmente o vazamento do gel da prótese. Mesmo que não estoure, ela ‘sua’ e seu corpo vai absorvendo essa substância tóxica”

Larissa de Almeida

O drama maior chegou dois anos mais tarde, quando a professora começou a sentir um endurecimento da mama direita. “Marquei uma consulta urgente e o médico me disse que eu estava dentro daqueles raros 5% de mulheres que desenvolvem contratura capsular”, conta. Nunca nenhum especialista recomendou à Larissa o explante das próteses. Em 2017, a contratura surgiu do lado esquerdo e, a essa altura, a professora já apresentava uma série de sintomas inespecíficos que ela, até então, não associava ao silicone, como fadiga, falhas de memória, sonolência extrema, dor de cabeça, olho seco, secura vaginal, boca seca, além da dor nos seios – àquela altura, ela relata, insuportável. Larissa mergulhou em uma pesquisa intensa sobre os prejuízos que as próteses de silicone podiam oferecer. E se assustou com o teor do material que encontrou: “Descobri a doença do silicone, o fenômeno do gel bleeding, que é literalmente o vazamento do gel da prótese. Mesmo que não estoure, ela ‘sua’ e seu corpo vai absorvendo essa substância tóxica”, ela conta. Outra descoberta da professora, ao conectar os sintomas, foi a Síndrome ASIA (sigla para Autoimmune [Auto-inflammatory] Syndrome Induced by Adjuvants), uma doença autoimune causada por elementos externos introduzidos no organismo que podem estimular os anticorpos de pacientes geneticamente propensos a terem doenças autoimunes, atacando o próprio corpo. Estudos mais antigos já apontavam a relação entre o silicone e a doença

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Larissa decidiu, enfim, tirar o silicone em fevereiro de 2019. Dali, já enfrentou duas barreiras: o valor, uma vez que a cirurgia de explante é ainda mais cara que a de implante; e a falta de cirurgiões dispostos a realizar o procedimento. “Além de ser uma cirurgia muito cara, poucos médicos fazem. Muitas pacientes escutam que o cirurgião não quer ‘sujar o nome’. É um absurdo, a gente ouve todo tipo de coisa: você vai ficar com um ovo frito no lugar do seio, seu peito vai ficar horroroso, seu marido sabe disso? Eles falam essas coisas na nossa cara, e a maioria dos cirurgiões é homem. Homens que estão lá, ditando a forma do corpo feminino. Falando se a gente vai ficar feia ou não, com um determinado tamanho, com ou sem prótese. São eles que estão mandando no nosso corpo. É muito triste.”

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(Cottonbro/Pexels)

A luta pelo explante

Hoje, Larissa administra duas páginas na internet que foram, na época, suas principais fontes de informação: o perfil no Instagram Explante de Silicone, que reúne histórias de mulheres que passaram pelas mesmas coisas que ela – algumas já explantadas, outras na luta para conseguir realizar a cirurgia –, além de dados sobre o silicone e os malefícios que podem estar relacionados a ele. Em um dos posts, ela compartilha as frases machistas mais escutadas por mulheres que querem retirar o silicone (veja abaixo). A outra página é a Doença do Silicone, no Facebook, que também funciona como um grupo de apoio.

Com quase 150 mil seguidores, o perfil Explante de Silicone virou uma espécie de refúgio para mulheres que lidam com os sintomas e as dores e não sabem para onde correr, justamente por serem desencorajadas por seus cirurgiões a seguir com o explante ou por não possuírem recursos para fazer o procedimento. Os grupos acolhem essas mulheres, que podem compartilhar suas histórias pessoais e ouvir inúmeros relatos que confirmam: “você não está louca.”

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Uma dessas mulheres é Linda Raryane Pontes da Silva, também de Fortaleza. A empresária de 26 anos colocou suas próteses em 2015, quando tinha 21. “Decidi colocar silicone porque achava meus peitos muito pequenos e separados. Eu tinha mesmo o sonho do peitão. Lembro de crescer em uma época em que o programa Pânico! bombava e me sentir mal por estar tão fora daquele padrão”, ela conta. “Uns 6 meses depois da cirurgia, já sentia muitas dores na mama esquerda, mas como eu já tinha gastado todo o dinheiro nessa cirurgia, escolhi ignorar, os dias foram passando e fui me acostumando com aquela dor, achando que seria normal. Depois de um tempo, fui obrigada a olhar para isso, porque o seio inchava muito, eu tinha muita febre, dor de cabeça e muita dor nos seios. Descobri que tinha desenvolvido contratura capsular, mas não tinha dinheiro para trocar as próteses. Na época, nem passava pela minha cabeça tirar. Foram três anos de muito sofrimento. Além de todas as dores, não podia fazer exercício que movimentasse o peitoral, correr, pular, dormir de bruços, ficar sem sutiã, até um simples abraço era a pior coisa do mundo! Além da contratura, tinha muita queda de cabelo, baixíssima imunidade, vivia gripada ou com dor de garganta, uma fadiga extrema e um sono incontrolável.” 

“Meus seios inchavam muito, eu tinha muita febre, dor de cabeça e muita dor. Descobri que tinha desenvolvido contratura capsular, mas não tinha dinheiro para trocar as próteses. Foram três anos de muito sofrimento. Além de todas as dores, não podia fazer exercício que movimentasse o peitoral, correr, pular, dormir de bruços, ficar sem sutiã. Um simples abraço era a pior coisa do mundo!”

Linda da Silva

Linda buscou outro cirurgião para trocar as próteses. Pouco tempo depois, uma nova contratura. A empresária decidiu, então, pesquisar mais sobre o assunto e chegou às mesmas descobertas de Larissa e de tantas outras mulheres. “Vi coisas que me impressionaram muito e resolvi retirar as próteses. Consultei vários cirurgiões e fui muito mal atendida, ninguém quis lidar com o ‘problema’. Acabei operando com o médico que fez a troca das próteses”, ela conta.

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(Cottonbro/Pexels)

O que a ciência diz

Até agosto de 2020, as afirmações de Larissa e de tantas outras mulheres poderiam ser (mal) interpretadas – e foram, diversas vezes – como um punhado de casos com relatos parecidos, mas sem evidências científicas que comprovassem os possíveis malefícios do silicone. 

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No entanto, em meados do mês, o Dr. Eduardo Fleury, médico radiologista e coordenador da equipe de Imaginologia Mamária do IBCC Oncologia, anunciou a descoberta de uma doença associada aos implantes mamários, a SIGBIC (granuloma induzido por silicone na cápsula). “Os nossos estudos, bem como os da literatura internacional, apontam que as próteses mamárias têm vida útil de 7 a 10 anos e, com o passar do tempo, ocorre a degradação e o aumento da permeabilidade na superfície mamária. A partir disso, acontece a liberação microscópica de resíduos do próprio silicone. Pelos nossos estudos, pudemos comprovar que o escoamento do produto foi o responsável por todas as alterações relatadas. Essas micropartículas de silicone livres e em contato com o organismo podem causar danos locais e sistêmicos pela ativação imunológica”, ele explica. “A prótese pode ser prejudicial não apenas pelo seu conteúdo, mas porque sua superfície também é feita com silicone, o que vai levar à liberação de resíduos. Há também com o tempo a perda da permeabilidade da superfície dos implantes, o que favorece o extravasamento de gel, o chamado ‘gel bleeding'”, finaliza ele, destacando que o extravasamento do silicone foi o responsável por todas as alterações relatadas no seu trabalho. “Todo esse mecanismo, que é extremamente complexo, teve abordagem multidisciplinar no IBCC Oncologia para que pudéssemos desenvolver a nossa linha de pesquisa.” 

“A prótese pode ser prejudicial não apenas pelo seu conteúdo, mas porque sua superfície também é feita com silicone, o que vai levar à liberação de resíduos. Há também com o tempo a perda da permeabilidade da superfície dos implantes, o que favorece o extravasamento de gel, o chamado ‘gel bleeding'”

Dr. Eduardo Fleury

Dentro de sua área médica de atuação, a Oncologia, muitas mulheres implantam próteses de silicone na cirurgia de reconstrução mamária, após a mastectomia, procedimento de remoção de parte ou de todo o seio. Nesses casos, suas descobertas relatam que os sintomas podem aparecer ainda mais cedo. “O que vimos é que especialmente após a realização de radioterapia em pacientes oncológicas, a vida útil do implante ficou reduzida e as complicações podem ser mais precoces.”

Já sobre a Síndrome ASIA, na opinião do Dr. Fleury, uma hipótese é a de que os sintomas do gel bleeding são similares aos relatados na doença. “A ASIA é muito controversa na literatura mundial. Mantenho relacionamento com grupos de médicos que apoiam e outros que refutam a síndrome. No final, os sintomas são os mesmos, o que muda são as possíveis causas. O SIGBIC permite realizar o diagnóstico de extravasamento de silicone para o interior da cápsula fibrosa. Essa liberação deveria ser contida. No entanto, como o implante é um potente gerador desses corpos estranhos, o silicone começa a vencer a barreira de proteção e passa a ser depositado pelo corpo. Existem trabalhos que confirmam essa migração. Quando há inflamação da cápsula fibrosa, como contratura capsular, as pacientes apresentam sintomas relacionados aos órgãos em que o silicone está depositado. Por isso, creio muito mais em uma doença imunológica do que em autoimune”, explica o médico, que acredita que, com a retirada total da prótese, a paciente deve se livrar dos sintomas. “Geralmente, com a retirada do gerador de silicone extravasado, a paciente não vai mais apresentar a reação inflamatória da cápsula fibrosa e não haverá ativação do sistema imunológico. Com isso, mesmo tendo resíduos de silicone pelo corpo, a possibilidade de apresentar os sintomas ficam bastante reduzidas.”  

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Para ele, além de aliviar a angústia de milhares de mulheres que não sabiam de onde vinham tantos sintomas desconexos, a descoberta também é importante para levantar mais questionamentos sobre a utilização indiscriminada do silicone em cirurgias de implante de próteses mamárias. “O impacto certamente é positivo tanto no aspecto da cirurgia em si como na chamada cultura do silicone, uma vez que conhecer detalhes do que pode acontecer após a realização do procedimento oferece transparência e mais segurança às pacientes. Nós, como médicos, devemos estar cientes sobre tudo o que envolve a realização de um procedimento, seja estético ou não, e precisamos estar cercados de conhecimentos e evidências sobre os potenciais malefícios e benefícios de qualquer intervenção.”

“O impacto certamente é positivo também na chamada cultura do silicone, já que conhecer detalhes do que pode acontecer após a realização do procedimento oferece transparência e mais segurança às pacientes”

Dr. Eduardo Fleury

Na opinião do Dr. Luís Felipe Maatz, cirurgião plástico e especialista em reconstrução mamária pelo Hospital Sírio-Libanês, a avaliação criteriosa e individual de cada paciente é fundamental. “É preciso excluir outras doenças que podem causar os mesmos sintomas. A cirurgia de retirada das próteses pode ser considerada como opção, em conformidade com o desejo da paciente”, ele diz.

Para quem, ainda assim, deseja colocar as próteses, o Dr. Maatz recomenda uma pesquisa minuciosa. “A mulher deve sempre procurar um cirurgião plástico habilitado, com boa formação, que possua boas recomendações e tenha experiência naquele tipo de procedimento. Conversar abertamente com o cirurgião sobre os riscos e benefícios dessa cirurgia e esclarecer suas dúvidas na consulta são as melhores maneiras de a paciente definir se deve ou não ser operada.”

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(Alina Blumberg/Pexels)

Nova velha vida

Larissa conta que demorou muito tempo para conseguir decidir pela retirada das próteses. “É uma mudança física e emocional enorme. É você se enxergar, se aceitar, voltar à sua forma anterior, todo um processo de autoaceitação. Envolve um guarda-roupa, uma identificação visual. Tudo isso mexe com nossa autoimagem feminina, então neguei muito essa realidade e fui aceitando aos poucos.” 

Um fator importante para a decisão de Larissa foi a suspeita de que o silicone poderia ter intoxicado seu filho durante a amamentação, problema que ela acreditou que jamais aconteceria. “É constante o número de mulheres que chegam lá no Explante perguntando: ‘Estou pensando em engravidar, você acha que devo tirar a prótese só depois de amamentar?’ Sempre recomendo que tire antes, porque ninguém quer carregar a culpa de envenenar o filho por uma vaidade.” 

“É uma mudança física e emocional enorme. É você se enxergar, voltar à sua forma anterior, todo um processo de autoaceitação. Envolve um guarda-roupa, uma identificação visual. Tudo isso mexe com nossa autoimagem feminina”

Larissa de Almeida

Explantar ou não as próteses diante do aparecimento dos sintomas é um dilema comum. O silicone representa, para muitas, um sonho que demanda planejamento e investimento de tempo e (muito) dinheiro. Para as muitas mulheres felizes com o resultado estético, o explante pode significar o fim desse sonho, o que pode ser uma experiência emocional muito dolorosa. A psicóloga Marcia Dolores Resende afirma que é importante trabalhar a decisão com calma, conversar com o cirurgião e, se for o caso, com um terapeuta especializado. “O impacto pode ser enorme quando há pouca consistência na decisão. Depois de um determinado tempo, a prótese passa a fazer parte não só do corpo e da imagem da mulher, mas também de sua personalidade. Sem uma adequação da sua autoimagem, essa alteração pode gerar um desencaixe na sua identidade”, ela explica. “O mais indicado é consultar um psicólogo e o cirurgião, dedicando uma atenção especial para definir o objetivo com a intervenção, considerando autoimagem, autoestima, confiança, assim como os devidos impactos.”

O impacto, além da nova figura, pode também vir com uma nova cicatriz, além de um pós-operatório sensível. “Após o explante, em praticamente todos os casos há necessidade de realização de uma mastopexia, que é a retirada de pele e o reposicionamento  dos tecidos mamários, para o melhor resultado estético. Haverá também a necessidade de cicatrizes maiores do que a da cirurgia anterior de aumento mamário. O período pós-operatório será um pouco mais prolongado e com mais cuidados em relação ao processo de cicatrização”, enumera o Dr. Maatz.

Mesmo com todos os possíveis percalços, mulheres explantadas como Larissa, Linda e outras milhares garantem que estão satisfeitas com o resultado – livres de sintomas e com qualidade de vida. “Por mais que eu tenha todas essas cicatrizes e meus seios não estejam do tamanho que eu gostava, explantar foi a melhor decisão que tomei na vida”, conta Linda. “Hoje, me sinto como eu nem lembrava que um dia já tinha sido, saudável e sem dores. Às mulheres que pensam em tirar, digo: não tenham dúvidas. Nossa saúde vale mais do que qualquer coisa.”

“Explantar foi a melhor decisão que tomei na vida. Hoje, me sinto como eu nem lembrava que um dia tinha sido, saudável e sem dores. Às mulheres que pensam em tirar, digo: não tenham dúvidas. Nossa saúde vale mais do que qualquer coisa”

Linda Pontes da Silva

Embora ainda relativamente recente, o crescimento de mulheres que aderem ao explante também pode trazer um impacto social e cultural interessante, já que movimentos como esse têm, historicamente, potência para transformar os padrões de beleza, nos permitindo olhar de novas maneiras para o nosso próprio corpo. “Basta revermos os padrões estéticos ao longo da história e notar as grandes transformações que ocorreram. Mudanças são naturais e inevitáveis”, diz a psicóloga Marcia. “O que hoje existe de muito favorável é que temos maior liberdade e muitas possibilidades para assumir uma beleza de forma singular, escolhendo e se encaixando nessa escolha com autenticidade.”

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(Cottonbro/Pexels)

Um breve relato sobre implantes mamários

Leia abaixo o relato do Dr. Eduardo Fleury sobre as descobertas que o levaram a pesquisar sobre a “doença do silicone”

“O implante de silicone mamário começou a ser utilizado em 1962. Foi usado de forma indiscriminada até metade da década de 1990, quando ocorreu a primeira suspensão dos implantes. Na época, foram proibidos implantes com conteúdo de silicone e liberados aqueles feitos com líquido salino. Havia pacientes que falavam sobre sintomas característicos, os quais as próprias correlacionavam aos implantes. Existiam também relatos sobre a formação de granuloma quando era realizado o explante. No entanto, não era possível fazer o diagnóstico. 

Em 2006, o Food and Drug Administration (FDA), agência federal de saúde dos Estados Unidos, determinou o fim da suspensão dos implantes e, com isso, implantes com conteúdo de silicone para cirurgias plásticas, tanto estéticas como oncológicas, passaram a ser liberados. Quase dez anos depois, em 2015, comecei a observar que algumas das minhas pacientes apresentavam alterações de imagem, pela ressonância magnética das mamas, que eram comuns. Os achados me intrigaram e resolvi montar um protocolo de pesquisa no IBCC Oncologia.

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Em 2016, começavam a surgir informações sobre o Linfoma Anaplásico de Grandes Células (BIA-ALCL), ainda com poucos relatos na literatura internacional. Com isso, passei a analisar os artigos de (BIA-ALCL) e observei que as imagens que via eram muito semelhantes aos casos publicados na literatura. Então, comecei a fazer diagnóstico de possíveis BIA-ALCL e realizar biópsias. 

A primeira biópsia de um caso típico pela ressonância magnética veio com o resultado normal. Intrigado, solicitei a pesquisa por silicone livre, o que acabou acontecendo e foram encontradas micropartículas de silicone nas lâminas. Ainda no ano de 2016, comecei a ter contato com pacientes que relatavam sintomas comuns, como dores articulares, edema das mamas, colite e lapsos de memória. Na época, ainda não se falava da doença do silicone (breast implant illness).

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(Cottonbro/Pexels)
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O grande problema é que, apesar dos sintomas muito característicos, essas pacientes eram atendidas por dermatologistas, reumatologistas, imunologistas e acabavam por não ter um diagnóstico fechado. Muitas vezes, era tratado como doença da mente. Isso gerava muita depressão e perda da confiança. Descobrimos, com o passar do tempo, que todos os implantes mamários apresentaram deterioração ou sangramento do conteúdo interno, e que isso formava um tecido de granulação na cápsula fibrosa do implante.

Descrevemos essa alteração como granuloma induzido por silicone (SIGBIC – silicone induced granuloma of breast implant capsule). Descrevemos ainda o grau de comprometimento que havia no interior das cápsulas fibrosas. O nosso grupo, do IBCC Oncologia, descreveu três achados de ressonância magnética que permitiram o diagnóstico do extravasamento de gel, o SIGBIC. Ou seja, demonstrou que a cápsula fibrosa está doente. O diagnóstico de certa forma conforta as mulheres, já que as tiram do cenário de sintomas inespecíficos, subjetivos e de causa desconhecida, para sintomas objetivos, específicos e de causa conhecida. Com o diagnóstico, as pacientes deixam de ser tratadas como tendo sintomas de causa psicológica para um tratamento específico.  

Ainda hoje, existe pouco acesso a informações sobre o tema. Neste primeiro momento, deve haver ampla conscientização tanto do médico quanto da paciente em relação aos riscos dessas cirurgias. Os riscos devem ser compartilhados de forma transparente e clara no momento anterior a realização da cirurgia. 

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No nosso estudo, avaliamos mais de 3 mil pacientes, encontramos sinais de SIGBIC em 40% delas por meio da ressonância magnética. Vale ressaltar que, se a paciente tem o implante e não tem sintomas, o recomendável, inclusive pelo FDA, é que se realize exames de ressonância magnética após 5 anos da colocação dos implantes, seguido de exames a cada dois anos para avaliar possíveis complicações. Pela nossa experiência, quando há alteração, elas demoram muito tempo para progredir, já que estão restritas ao interior da cápsula fibrosa.

Já as pacientes sintomáticas, com aumento e inflamação das mamas, devem realizar a ressonância magnética para melhor entendimento do que está ocorrendo. Essas pacientes devem retirar a prótese e, na minha opinião, não devem colocar uma nova no local. 

Tudo o que foi falado aqui está amparado em 13 artigos científicos produzidos pelo IBCC oncologia sobre o tema. A principal mensagem que tenho para passar é que é possível realizar o diagnóstico do SIGBIC de forma simples e acurada. Vejo como minha função atualmente informar e disseminar o nosso trabalho para que seja replicado, e ajudar muitas mulheres que estão sofrendo com seus implantes.” 

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*O Dr. Eduardo Fleury escreve em seu blog sobre a SIGBIC, além de compartilhar dados em seu perfil no Instagram: @edufleury.

Seu livro A voz do silêncio: quando a ciência é a inimiga está disponível aqui.

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