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oi no dia 13 de maio, em 1888, que o Brasil substituiu a escravidão pela necropolítica. Até então, o sistema de desumanização e subalternização inventado pela Europa para justificar a exploração dos corpos negros – e que foi a base do capitalismo – instituiu um valor monetário para esses mesmos corpos, que eram vendidos, alugados e deixados como herança – o que estruturou racialmente nossas desigualdades sociais.
A morte, porém, não era algo desejável. Não por qualquer apreço ou dignidade humana, mas exatamente porque significava um prejuízo financeiro, perda de “mercadoria”. Com a abolição oficializada pela Lei Áurea, perdeu-se o senso de valor pecuniário e não se construiu um caminho para a cidadania e restituição da humanidade roubada da população negra. Sem políticas de reparação, inclusão social, educação, empregabilidade e sem uma mudança na cultura e no imaginário social, nós, negras e negros, fomos relegados à marginalização, à abjeção.
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E vemos o retorno – ou a continuidade – desse pensamento quando nos deparamos com situações como as que ocorreram nos últimos dias. Tio e sobrinho torturados e mortos por tentarem furtar carne em um supermercado em Salvador. Vinte e sete pessoas assassinadas em uma operação que nem deveria ter acontecido na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Evidentemente vidas negras não importam. A necropolítica faz isso: elege quais são os corpos descartáveis em cada sociedade; e o Estado se encarrega de matá-los ou deixá-los morrer. Seja pela violência policial, pela falta de atendimento na saúde pública, pelas deficiências da educação formal, pela exclusão do mercado de trabalho, pela não ocupação dos espaços de poder, pela falta de representatividade e por todos os apagamentos históricos.
Nada disso é ignorância ou coincidência. Tudo isso faz parte de uma política de morte contra o povo preto, que começou exatos 133 anos atrás. Nunca foi azar, sempre foi racismo.
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ERIKA HILTON é a primeira mulher trans eleita como vereadora em São Paulo. Nascida em Franco da Rocha e criada em Francisco Morato, periferia de São Paulo, Erika atuou como codeputada estadual no mandato da Bancada Ativista do PSOL em 2018. Mesmo antes de entrar na política, já era ativista em prol dos direitos das travestis, das pessoas negras e das LGBTQIA+.