ocê já deve ter escutado a frase: “nossa, isso é muito Black Mirror, né?” O seriado da Netflix, que imagina futuros distópicos e relações tóxicas entre humanos e a tecnologia, estranhamente, tem parecido cada vez menos ficcional. À medida que o mundo experimenta uma série de avanços, vamos nos adaptando cada vez mais à modernização.
A quarentena causada pela pandemia da covid-19 também foi responsável por acelerar essa evolução digital. Vivemos um período em que grande parte do mundo se viu existindo apenas virtualmente e setores como o da moda, da arte e do entretenimento tiveram que replicar experiências físicas no on-line. Nessa brincadeira, o mundo dos games nadou de braçada.
Stefano Arpassy, consultor da WGSN LatAm, explica que, “pela primeira vez, a coisa inverteu. Se antes em um jogo como The Sims, a pessoa controlava um avatar que está confinado a um espaço virtual, dessa vez os confinados éramos nós e buscamos em jogos como esse a ideia de uma liberdade maior que um dia já desfrutamos mas que graças à pandemia, nos vimos impossibilitados.”
“Pela primeira vez, a coisa inverteu. Se antes em um jogo como The Sims, a pessoa controlava um avatar que está confinado a um espaço virtual, dessa vez os confinados éramos nós e buscamos em jogos como esse a ideia de uma liberdade maior que um dia já desfrutamos mas que graças à pandemia, nos vimos impossibilitados”
Stefano Arpassy, consultor
Jogos e experiências de simulação como The Sims tiveram um crescimento exponencial no número de usuários. Animal Crossing, da Nintendo, que simula um convívio em uma vila de animais, representou mais de 40% das vendas da empresa no Japão, EUA e Europa, se tornando o segundo jogo mais vendido do Nintendo Switch, com 22,4 milhões de unidades.
Estamos, cada vez mais, buscando simular experiências reais no mundo virtual e, ao mesmo tempo, potencializar as experiências reais com adventos do mundo virtual. Por definição, a realidade virtual e a realidade aumentada buscam elevar as experiências físicas e digitais a um nível quase que indistinguível.
Orlando Fonseca, da Imgnation Studios, estúdio de desenvolvimento de jogos especializado em realidade virtual afirma que “as experiências virtuais oferecem hoje um nível de imersão que ainda não tinha sido atingido em nenhuma outra época. Essa linha (entre o real e o virtual) ainda existe, e flutua com frequência. As experiências de realidade aumentada são ainda mais intensas em buscar esse ponto central, em que não se distinga uma realidade de outra.”
O psicanalista e analista de cultura Lucas Liedke pontua que buscar uma separação entre o real e o virtual é um processo um tanto quanto improdutivo, uma “batalha perdida”. Para ele, essa distinção entre real e virtual, ou, ainda, entre o off-line e o on-line é simplista e, portanto, insuficiente. Ele argumenta: “Tem camadas mais complexas do que isso, por exemplo, quando falamos ‘vida real’, como se existisse uma vida real fora do digital. A gente sabe que é cada vez mais impossível fazer essa separação. O real vem de outras formas, a imagem é uma reprodução, se a gente tá passando isso pro outro, já não é real”.
Essa realidade em que já não temos mais uma distinção clara entre o real e o virtual é chamada de hiper-realidade. Esse conceito vem da semiótica e da filosofia, cunhado para designar uma sociedade pós-moderna em que o real e o ficcional estão mesclados, sob influência de uma cultura midiática e de vigilância, mas parece cair perfeitamente na realidade em que vivemos hoje.
Gabriel Massan, 3D artist brasileiro e residente em Berlim, argumenta. “Acho que não se trata mais sobre ser real ou não. A partir do momento que nossas existências também são projeções. O engajamento manipula as sensações.”