Simony dos Anjos diz que é “evangélica desde sempre”. Seus pais se conheceram na igreja. Mas “feminista” é um sufixo que ela começou a usar só depois, em meados de 2016. Ela faz parte da comunidade de mulheres que questionam as estruturas patriarcais e reivindicam pautas feministas à luz da religião cristã e dentro de suas igrejas, na esteira da teologia feminista.
O posicionamento ainda é minoria nas instituições religiosas, mas isso não reprime sua articulação junto às outras evangélicas, como Camila Mantovani. Apesar do feminismo ainda ser amplamente rechaçado nos púlpitos, segundo ela, isso não impede a pauta de circular no dia a dia das igrejas, entre as fiéis sentadas nos bancos. “Tem a liderança religiosa, aquilo que é o serviço do patriarcado, e tem o que é a realidade da igreja e das pessoas que sustentam a base, que são inclusive mulheres. Isso coloca como necessidade de se fazer esses debates, que o banco faz, mas o púlpito não aceita”, afirma.
Em meados de 2016 e 2017, Camila ajudou a fundar o Frente Evangélica pela Legalização do Aborto (FEPLA), em um momento no qual ela e outras mulheres feministas decidiram que precisavam “se articular enquanto evangélicas para mostrar politicamente que existe uma fé que se posiciona de outro jeito, e também porque existia um grande vácuo na realidade das igrejas em acolher as mulheres, porque mulheres evangélicas também abortam”, explica ela.
Ainda, existe uma “experiência de mobilidade”, segundo Simony, que faz com que muitas mulheres cristãs não se organizem necessariamente em movimentos religiosos, mas sim em movimentos sociais. “Em um país com mais de 80% da população cristã, não tem movimento social sem pessoas religiosas dessa matriz”, afirma a doutoranda em antropologia e integrante da Rede de Mulheres Negras Evangélicas. Para ela, as pautas do feminismo podem aparecer por meio de mulheres pastoras ou em grupos paraclesiais.
O Brasil é, de fato, um país com maioria declaradamente cristã. Dados do Datafolha de 2020 mostram que são 50% de católicos e 31% de evangélicos, sendo que o último cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Isso também significa que as igrejas e suas vertentes são diversas e plurais, mesmo que partilhem de diretrizes semelhantes.
Desse contingente, mulheres e pessoas negras são a maioria – dentre católicos, mulheres são 51%; entre os evangélicos, são 58%. Contudo, elas são a minoria entre as lideranças religiosas “e raramente tem direito a voz, voto e ocupam os cargos de decisão”, explica Romi Márcia Bencke, pastora luterana, teológa feminista e a primeira secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. “Muitas vezes, elas até estão em cargos da hierarquia, mas isso não significa que consigam desenvolver sua governança a partir da sua perspectiva; normalmente continua tudo patriarcal”, completa.
São comuns encontros e núcleos de mulheres nos espaços religiosos, por exemplo, já que a igreja é um espaço de convivência para além do culto ou missa. Mas Romi afirma que isso não significa que sejam grupos que conseguem problematizar esse papel secundário que é dado pras mulheres nas igrejas. “Muitas vezes, falam em ‘teologia feminina’ justamente porque o termo feminista vem sendo desmantelado e invisibilizado publicamente há anos, não só pela igreja ou movimentos de direita, mas também por parte da ala progressista.”
“Muitas vezes, falam em ‘teologia feminina’ porque o termo feminista vem sendo desmantelado e invisibilizado publicamente há anos, não só pela igreja ou movimentos de direita, mas também por parte da ala progressista”
Romi Márcia Bencke