este gay. Câncer gay. Sarcoma de Kaposi. Sentença de morte. Por muito tempo, não se falou em HIV, mas apenas em AIDS. A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, como a medicina chama, aterrorizou o mundo, estampou a capa dos principais jornais e o horário mais importante de todos os canais de TV no início da década de 1980. Junto com a cobertura da mídia, nasceu também o preconceito e o estigma que envolvia os pacientes: a AIDS sempre foi muito relacionada à população LGBT, que na época nem sonhava em ter uma sigla e um movimento mundialmente forte para chamar de seu, já que as chances de adquirir o vírus são maiores entre homens que fazem sexo com homens. Aqui, vale uma distinção importante, antes de mergulharmos de cabeça no assunto: falar em homens que fazem sexo com homens é completamente diferente de falar “gays”, uma vez que ainda é muito comum homens se considerarem heterossexuais mesmo tendo relações com outros homens. O nome disso? Homofobia. Mas o papo aqui vai além disso.
A ciência avançou muito nos últimos 40 anos e tivemos uma epidemia de AIDS controlada, pessoas vivendo vidas longas e felizes mesmo tendo HIV, além de descobertas que possibilitaram, entre tantas coisas, que a transmissão vertical – ou seja, quando ela acontece de uma mãe soropositiva para seu filho – tenha sido quase zerada em muitos países. Por que, então, ainda é importante falar sobre HIV, especialmente no dia de hoje, 1º de dezembro, em que o mundo celebra o combate à doença?
“Hoje em dia, é só tomar remédio e viver normalmente. Também existe uma ideia de que o vírus está longe da gente, que a gente não precisa se preocupar, e isso dificulta muito as pessoas entenderem a real necessidade da prevenção e que isso pode acontecer com qualquer um”
Giovanna Sapienza, infectologista
“Existem muitos tabus. Aqui no Brasil, a questão religiosa ainda é importante, principalmente porque muito dela envolve o machismo. Já escutei no consultório ‘Como que a mulher ou o casal pegou HIV se ninguém trai?’ Na prática, a gente sabe que não é verdade. Essa questão cultural conservadora, relacionada à família, dificulta o diálogo. Penso também que a geração de jovens, principalmente, não tem muita familiaridade do que foi a AIDS. Hoje em dia, é só tomar remédio e viver normalmente, além de ainda existir uma ideia de que está longe da gente, que a gente não precisa se preocupar, e isso dificulta muito as pessoas entenderem a real necessidade da prevenção e que isso pode acontecer com qualquer um”, explica a Dra. Giovanna Sapienza, infectologista formada pelo Instituto de Infectologia Emilio Ribas, referência nacional na área.
Com qualquer um mesmo. Os dados mais recentes divulgados pela UNAIDS, programa da ONU criado em 1996 para combater a doença, revelam que 38 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV, sendo que 25,4 milhões tem acesso à terapia antirretroviral. Ou seja, cerca de 12,6 milhões dessas pessoas infectadas não tem – ou não faz – uso das medicações que impedem a AIDS de se desenvolver. No Brasil, os números também são altos: dos 900 mil brasileiros com HIV, 766 mil foram diagnosticados, 594 mil fazem tratamento com antirretroviral e 554 mil não transmitem o HIV. Ainda que pareça que estamos no controle dessa epidemia e os números, de fato, sejam bons graças ao programa de HIV/AIDS do SUS, que é referência mundial, existe uma lacuna importante de mencionar: quase 135 mil brasileiros têm HIV e não sabem.
Grupo de risco?
Em um contexto no qual muita gente não tem ideia de seu diagnóstico em relação ao HIV, será que ainda faz sentido falar em grupo de risco? Ainda mais pensando que o próprio termo ajuda a reforçar preconceito e estigma em relação a tantas pessoas, principalmente homens gays e pessoas transsexuais? “Hoje em dia, nem o Ministério da Saúde usa mais esse termo. Falamos em comportamento de risco: qualquer pessoa, seja homem que faz sexo com homem, bissexual, casal hétero, qualquer um que tenha relação desprotegida, tem um comportamento de risco. A gente recomenda ter uma rotina de testagem para todo mundo – talvez não de três em três meses, mas no mínimo uma vez ao ano. Eu falo no consultório que todo mundo tem ou pode ter”, explica Dra. Giovanna.
E se o HIV é, digamos, tão democrático assim, de onde veio tanto preconceito? “Homens que fazem sexo com homens têm mais chance de se contaminar pela relação anal, que proporciona uma maior transmissão viral porque conta das fissuras criadas no ânus. O passivo tem mais chances de se contaminar do que o ativo, mas ambos têm suas chances aumentadas em relação ao sexo vaginal ou oral. Os primeiros casos registrados foram nos homens que fazem sexo com homens por pura estatística. Aí falou-se sobre ‘câncer gay’ e por causa disso se descobriu o HIV. O termo foi usado para associar diretamente a essa população e falar que era um castigo divino, mas isso não tem nada a ver. Mulher que faz sexo anal tem o mesmo risco que o homem que faz sexo anal, e isso é comum entre casais héteros, apesar de pouco se falar sobre isso”, pontua Dra. Giovanna. Ou seja: não importa se você está representado em alguma letra da sigla LGBTQIA+ ou não, o HIV pode chegar até você caso você não se previna.