e tradição puder ser interpretada como preservação e transmissão de conhecimento, Joana Lira diria que é ela quem a leva a um lugar de conexão com raízes, verdades, histórias, essências, afetos e tantas outras coisas de naturezas similares. Designer gráfica de formação, essa pernambucana caminha pari passu com o universo da sensibilidade, dos sentidos. Todos eles: cheiro, gosto, escuta, palavra e visão. É nesse estado amplificado que a tradição assume a importância de pontapé na trajetória dessa artista. É referência. Esteio. Mas nada disso aprende, jamais. Porque, atenta ao presente, deixa que a contemporaneidade esteja sempre na ponta do pincel. Aos 43 anos – e 1,52m de altura –, Joana necessita de espaço para expandir, testar, inovar, desfazer e refazer. E, a partir daí, afirmar-se, sintetizar, dar corpo e voz.
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Forjada em uma família na qual o fazer criativo é muito valorizado – pai arquiteto, mãe design têxtil e ex-padrasto multiartista que brinca com arte, design e ilustração –, seja ele erudito ou popular, ela logo sacou que a chave para o reconhecimento se encontrava na expressão artística e inventiva. “Para mim, no entanto, o valor não está na obra apenas, mas também no artista”, afirma. “Gosto de saber de sentimento, de dor, de amor. Gosto de gente.” Essa quase bisbilhotice em relação ao afeto a fez se embrenhar, recentemente, em um Brasil profundo e verdadeiro. Aquele onde se vê pessoas em cadeiras de balanço, de bate papo sentadas na calçada, que abraçam forte e contam histórias, onde há rios e céu em abundância.
Contratada pelo Governo de Pernambuco, em julho do ano passado, para criar a nova identidade visual para a Secretaria de Turismo de sua terra natal, Joana “se picou” para o sertão pernambucano. “Fui conhecer o meu estado de um jeito que nunca havia feito”, diz ela, que há 21 anos mora em São Paulo. Cerca de um mês depois de perambular por cidades como Buique, Pesqueira, Floresta, Tacaratu, Goiana, Bonito e Petrolândia, a artista entregou em setembro seu trabalho, construído a partir de uma família de ícones representativos do estado. Desde então, outras secretarias têm adotado a mesma identidade, compilada em um manual de mais cem páginas e aplicada em todas as peças de comunicação nas redes sociais, festivais, cenários, brindes e calendários entre outras plataformas.
Para mim, no entanto, o valor não está na obra apenas, mas também no artista. Gosto de saber de sentimento, de dor, de amor. Gosto de gente.
No processo de tradução de Pernambuco em linguagem gráfica, Joana lançou mão de ícones representativos da diversidade, história, vegetação e cultura pernambucanas: “Em Floresta, que é conhecida como a terra dos tamarindos, as pessoas são conversadeiras, têm deboche. Lá, há pureza em cenas corriqueiras da vida como o uso em algumas casas ainda de fogão a lenha”, conta a artista. Atribuir novas formas de se olhar para heranças de suas raízes culturais é uma de suas habilidades – mais do que isso, tornou-se uma espécie de cartão de visita – desde quando, principalmente, Joana aceitou o convite para conferir novos significados à cenografia do Carnaval de Recife.
Entre 2001 e 2011, durante o período de Momo, os desenhos dela vestiram pontes, ruas, avenidas, igrejas, monumentos, órgãos municipais e estaduais, e instituíram novas maneiras de interação entre a rua e os foliões. Um privilégio que, como pontua o arquiteto e colecionador de arte Carlos Augusto Lira, pai da artista, nem Brennand ou Picasso tiveram. Desde então, na mesma proporção em que caboclos, foliões, passistas e rainhas se transformaram em estruturas de dimensões monumentais, Joana se agigantou no concorrido mercado de São Paulo, para onde havia se mudado aos 23 anos. “Em Recife, antes de eu me enfurnar no ateliê e passar horas trabalhando, como em São Paulo, eu podia acordar mais cedo, andar na praia, trazer um frescor de natureza para a vida. A cidade estava efervescendo com o manguebeat e a gente bebeu muito nessa mistura da tradição com a contemporaneidade.”