Todo ano um parabéns às drogas por terem mais uma vez vencido a guerra às drogas. O falido sistema de opressão está novamente na pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar em breve a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
A Lei das Drogas (Lei 11.343) nasceu em 2006 aplaudida como revolucionária. O usuário não seria mais penalizado com prisão em regime fechado e restariam apenas penas administrativas, como pagar multas, comparecer em curso educativo ou doar cesta básica. O que aconteceu, na prática, foi um aumento significativo do número de pessoas presas arbitrariamente e enquadradas como traficantes. Não, calma, pessoas é muita gente. Tem um perfil muito claro que é visto pela polícia como usuário e vendedor.
Não é de hoje que o Brasil sustenta o posto de 3ª maior população carcerária do mundo. Atrás somente da China e dos EUA, na pandemia chegamos a ter mais de 900 mil pessoas privadas da liberdade. Desse total, 44,5% sequer foram condenados – estão apenas aguardando julgamento.
Segundo o advogado cannabista Leonardo Padilha, 40% dos encarcerados estão ali por tráfico de drogas e grande parte desses condenados por posse de até 100 gramas. “É uma quantidade muito pequena para se causar essa tragédia que a gente vem enfrentando ao longo de tantas décadas”.
Só um detalhe aqui. A mesma lei de 2006, que chegou parecendo um avanço lá atrás, tem o artigo 36 que fala sobre financiadores do crime organizado. E nessa lei não tem nenhuma pessoa processada no Brasil. Zero. Diferenciado, não?
“A guerra às drogas tem sido vencida pelas drogas desde que houve a criminalização do consumo, no começo do século 20“, pontua Leonardo.
Bora Xandão!
A análise do artigo 28 da Lei das Drogas aguarda por uma nova resolução desde 2015, quando o ministro Teori Zavascki, que morreu em 2017 vítima da queda de um avião, pediu uma vista do processo. Hoje nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, o tema voltou para a pauta e aguarda para ser votado. Sim, apenas aguarda, já que o julgamento é empurrado para frente toda vez que chega perto de acontecer.
O que está em jogo neste processo é a inconstitucionalidade do artigo que trata do consumo pessoal. Como não existe uma quantidade especificada na lei que diferencie traficante de usuário, o que vale mesmo é a interpretação do policial em campo, do delegado e do promotor de justiça – e há deturpações.
“Quem determina o que é droga é o Ministério da Saúde e a lei diz que o consumo pessoal de drogas é proibido. Esse artigo sendo declarado inconstitucional, torna-se uma letra morta de lei. E o que não é proibido por lei é permitido o cidadão fazer. Então, em tese, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 descriminaliza o uso pessoal de todas as drogas”, explica Leonardo Padilha.
Até o momento, três ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes – votaram, todos a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas.
Para Leonardo, a maior chance é que não haja uma liberação total, mas sim modulada. Ele cita o voto de Luís Roberto Barroso, que apesar de favorável à descriminalização, foi uma decisão voltada apenas para a cannabis.
O ministro delimitou ainda o número de plantas que a pessoa poderia cultivar: 6 fêmeas, que são as plantas que produzem flores com propriedades tanto medicinais quanto recreativas. Para o porte, Barroso estipula 20g.
“Em tese, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 descriminaliza o uso pessoal de todas as drogas”
Leonardo Padilha, advogado
“Para que isso valha, os outros ministros têm que aderir ao voto do Barroso. Então não se sabe o que vai acontecer. Pode ser que se descriminalizem o consumo pessoal de todas as drogas, pode ser que seja só cannabis, ou pode ser que nem haja essa descriminalização”, explica Leonardo.
Apesar do placar estar três a zero, os três ministros que votaram adotaram posicionamentos mais progressistas– e o são, na comparação com o terrivelmente evangélico André Mendonça e de Kassio Nunes Marques. Ainda esperamos por mais oito votos. Não há nada ganho.
Para Renato Filev, Diretor Executivo da CANAPSE (Associação de Canabiologia, Pesquisa e Serviço) e doutor em neurociência, os votos dos ministros Fachin e Barroso são uma covardia. “Eles entendem que o pequeno traficante – como podemos chamar ou distinguir uma pessoa que vende para manter o seu padrão de consumo ou para manejar sua sobrevivência –, também não deveria ser punido na mesma dimensão de uma pessoa que carrega 290 quilos de maconha dentro de um avião”.
Em maio de 2023, um avião da igreja Quadrangular do Pará, grupo religioso liderado pelo pastor Josué Bergston, tio da senadora Damares Alves, e ex-deputado federal, foi apreendido com quase 300 quilos de maconha pela Polícia Federal. Um homem não identificado foi preso na operação.