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Legaliza, STF!

Porfavorzinho

por Gabriela Rassy Atualizado em 28 jul 2023, 11h42 - Publicado em 28 jul 2023 11h33

Todo ano um parabéns às drogas por terem mais uma vez vencido a guerra às drogas. O falido sistema de opressão está novamente na pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar em breve a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

A Lei das Drogas (Lei 11.343) nasceu em 2006 aplaudida como revolucionária. O usuário não seria mais penalizado com prisão em regime fechado e restariam apenas penas administrativas, como pagar multas, comparecer em curso educativo ou doar cesta básica. O que aconteceu, na prática, foi um aumento significativo do número de pessoas presas arbitrariamente e enquadradas como traficantes. Não, calma, pessoas é muita gente. Tem um perfil muito claro que é visto pela polícia como usuário e vendedor.

Não é de hoje que o Brasil sustenta o posto de 3ª maior população carcerária do mundo. Atrás somente da China e dos EUA, na pandemia chegamos a ter mais de 900 mil pessoas privadas da liberdade. Desse total, 44,5% sequer foram condenados – estão apenas aguardando julgamento.

Segundo o advogado cannabista Leonardo Padilha, 40% dos encarcerados estão ali por tráfico de drogas e grande parte desses condenados por posse de até 100 gramas. “É uma quantidade muito pequena para se causar essa tragédia que a gente vem enfrentando ao longo de tantas décadas”.

Só um detalhe aqui. A mesma lei de 2006, que chegou parecendo um avanço lá atrás, tem o artigo 36 que fala sobre financiadores do crime organizado. E nessa lei não tem nenhuma pessoa processada no Brasil. Zero. Diferenciado, não?

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“A guerra às drogas tem sido vencida pelas drogas desde que houve a criminalização do consumo, no começo do século 20, pontua Leonardo.

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Bora Xandão!

A análise do artigo 28 da Lei das Drogas aguarda por uma nova resolução desde 2015, quando o ministro Teori Zavascki, que morreu em 2017 vítima da queda de um avião, pediu uma vista do processo. Hoje nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, o tema voltou para a pauta e aguarda para ser votado. Sim, apenas aguarda, já que o julgamento é empurrado para frente toda vez que chega perto de acontecer.

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O que está em jogo neste processo é a inconstitucionalidade do artigo que trata do consumo pessoal. Como não existe uma quantidade especificada na lei que diferencie traficante de usuário, o que vale mesmo é a interpretação do policial em campo, do delegado e do promotor de justiça – e há deturpações.

“Quem determina o que é droga é o Ministério da Saúde e a lei diz que o consumo pessoal de drogas é proibido. Esse artigo sendo declarado inconstitucional, torna-se uma letra morta de lei. E o que não é proibido por lei é permitido o cidadão fazer. Então, em tese, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 descriminaliza o uso pessoal de todas as drogas”, explica Leonardo Padilha.

Até o momento, três ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes – votaram, todos a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas.

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Para Leonardo, a maior chance é que não haja uma liberação total, mas sim modulada. Ele cita o voto de Luís Roberto Barroso, que apesar de favorável à descriminalização, foi uma decisão voltada apenas para a cannabis.

O ministro delimitou ainda o número de plantas que a pessoa poderia cultivar: 6 fêmeas, que são as plantas que produzem flores com propriedades tanto medicinais quanto recreativas. Para o porte, Barroso estipula 20g.

“Em tese, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 descriminaliza o uso pessoal de todas as drogas”

Leonardo Padilha, advogado
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“Para que isso valha, os outros ministros têm que aderir ao voto do Barroso. Então não se sabe o que vai acontecer. Pode ser que se descriminalizem o consumo pessoal de todas as drogas, pode ser que seja só cannabis, ou pode ser que nem haja essa descriminalização”, explica Leonardo.

Apesar do placar estar três a zero, os três ministros que votaram adotaram posicionamentos mais progressistas– e o são, na comparação com o terrivelmente evangélico André Mendonça e de Kassio Nunes Marques. Ainda esperamos por mais oito votos. Não há nada ganho.

Para Renato Filev, Diretor Executivo da CANAPSE (Associação de Canabiologia, Pesquisa e Serviço) e doutor em neurociência, os votos dos ministros Fachin e Barroso são uma covardia. “Eles entendem que o pequeno traficante – como podemos chamar ou distinguir uma pessoa que vende para manter o seu padrão de consumo ou para manejar sua sobrevivência –, também não deveria ser punido na mesma dimensão de uma pessoa que carrega 290 quilos de maconha dentro de um avião”.

Em maio de 2023, um avião da igreja Quadrangular do Pará, grupo religioso liderado pelo pastor Josué Bergston, tio da senadora Damares Alves, e ex-deputado federal, foi apreendido com quase 300 quilos de maconha pela Polícia Federal. Um homem não identificado foi preso na operação.

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O consumo e o alvo

A partir dos anos 1930 a guerra foi se intensificando até que, em 1970, Richard Nixon cunhou o termo “War on Drugs”, que a gente vem falando desde então. Mas hoje é uma guerra totalmente perdida porque o consumo e comercialização nunca cessam. Pelo contrário, só aumentam.

O Relatório Mundial sobre Drogas 2022, divulgado neste 2023 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), revelou que o consumo de drogas aumentou em todo o mundo. O número cresceu 26% em relação à década passada.

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2022, divulgado neste 2023 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, revelou que o consumo de drogas aumentou 26% na última década em todo o mundo

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Desde que o mundo é mundo, o ser humano busca por substâncias que alterem a mente, a percepção. Faz parte dos nossos anseios, das nossas necessidades. Não à toa, é uma política eletiva, porque nós podemos usar diversas substâncias muito mais perigosas do que a maconha, como o álcool e o açúcar.

“Independente se a gente vai descriminalizar ou manter proibida, o fato é que as pessoas vão continuar usando. Precisa ter educação e redução de danos. Um passo importante para o consumo responsável de drogas no Brasil seria nossos governantes se atentarem a quais programas a juventude negra e periférica tem acesso”, pontua Diva Sativa, ativista canábica e integrante do coletivo Marcha da Maconha.

Diversos estudos de neurocientistas importantes mostram que o álcool é uma das drogas que mais causa prejuízos físicos e sociais. De acordo com o estudo “Desenvolvimento de uma escala racional para avaliar o dano de drogas de potencial uso indevido“, dos pesquisadores David Nutt, Leslie A King, William Saulsbury e Colin Blakemore, num ranking das 10 drogas mais perigosas do mundo, o álcool está em 5º lugar, atrás apenas da heroína, cocaína, barbitúricos (sedativos) e da Metadona. O tabaco aparece em 9º lugar.

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“Independente se a gente vai descriminalizar ou manter proibida, o fato é que as pessoas vão continuar usando. Precisa ter educação e redução de danos”

Diva Sativa, integrante do coletivo Marcha da Maconha

“De primeira, pode parecer que vão diminuir os casos de prisão, só que vai ter uma reparação para quem foi preso? Vai ter uma anistia? O que a gente vai fazer com as pessoas que foram uma vez afetadas por essa guerra? A gente fica ressabiado porque parece uma política solta da realidade. Eu diria que a descriminalização é insuficiente e atrasada para o nível de agressão que a guerra às drogas gera para a sociedade civil”, questiona Diva.

Quem também concorda com a descriminalização é o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida. “Pautado na experiência, na experiência de outros países, temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição. Eu acho que as pesquisas mostram isso”, disse em entrevista à BBC Brasil.

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Uma questão política

Para Leonardo, é meramente uma questão política. Afinal, o que iremos eleger politicamente como criminoso então? “Essa é a nossa batalha nesse momento. Mostrar que a substância em si, seja ela qual for, não tem nem de perto o poder destrutivo, mortal, caótico que a criminalização das drogas tem. As drogas, sim, podem causar problemas pontuais de abusos, de dependências como sempre houve. Mas esse investimento bilionário dos Estados em forças policiais, em sistemas de justiça, essa matança, esse encarceramento em massa, que recai principalmente sobre a nossa juventude preta e pobre, é uma loucura”, enfatiza o advogado.

De acordo com a pesquisa do IPEA que avalia os critérios objetivos de drogas apreendidas em processos criminais, o sistema judiciário decide arbitrariamente a quantidade de droga que leva uma pessoa a cumprir pena em regime fechado. O documento mostra que a cocaína é a droga mais encontrada nos registros de pessoas encarceradas (70,2% dos processos), mas a quantidade mediana é de 24 gramas, sendo que 34,5% dos processos envolviam até 10,9 gramas da droga.

A segunda droga que mais aparece é a cannabis (67,1% dos processos). No caso da planta, a média é de 85 gramas, sendo que 58,7% dos processos envolviam menos de 150g e em 27,3% entre 151g e 2kg. Isso tudo variando absurdamente de Estado para Estado dentro do país. Logo, se a sugestão do Barroso valesse hoje, quase 30% dos presos por tráfico estariam liberados.

Renato Filev entende que essa regulamentação da descriminalização precisa ser feita com cautela, estabelecendo critérios objetivos que a gente identifique a traficância de fato e não apenas uma quantidade de substância. “Dependendo da quantidade, qualquer usuário ainda pode ser confundido com traficante. E a polícia que tem o kit flagrante também pode institucionalizar isso como uma forma de criminalizar sobretudo pessoas jovens, negras e periféricas, que é o que ela já faz”, alerta Filev.

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Ele acredita que a situação pode inclusive piorar, visto que aconteceu no México. O país colocou um critério objetivo de 5g e transformou todo mundo em traficante. “Meu balizamento seria a partir do estudo do IPEA. Até 150 gramas é uso pessoal e, acima disso, é preciso ter uma investigação para que se comprove que a pessoa estava vendendo, que ela não era um possível usuário com mais quantidade do que o permitido, e aí sim poderia aplicar uma infração administrativa”, pondera Filev.

“O estado legisla sobre algo que é íntimo da gente, desacredita tanto do próprio sistema de atenção psicossocial quanto da nossa capacidade como indivíduo de lidar com nossos conflitos. Será que a Constituição está sendo respeitada? Porque a nossa autonomia não está. Nosso direito de manifestação, nosso direito de saúde não está sendo atendido. Qual é essa constituição que o governo defende que não prevê a nossa liberdade?”, argumenta Diva.

“Meu balizamento seria a partir do estudo do IPEA. Até 150 gramas é uso pessoal e, acima disso, é preciso ter uma investigação para que se comprove que a pessoa estava vendendo, que ela não era um possível usuário com mais quantidade do que o permitido”

Renato Filev, Diretor Executivo da CANAPSE
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Leonardo se mantém esperançoso. “Eu acho que vai legalizar tudo em algum momento, as pessoas vão ver que tem dinheiro”.

“Hoje a gente já vê que existem condições bem favoráveis à legalização na bancada ruralista porque já sabem o potencial e tem muita gente querendo cultivar. E até na bancada da bala porque tem muito policial ali e eles sabem que ninguém precisa ficar metendo mão em saco de suspeito pra ver se tem buchinha de maconha, nem perder o dia inteiro no flagrante por causa disso. A criminalização de todas as drogas é um atraso de vida”, conclui.

Para o advogado, tratar as drogas como produtos é uma alternativa viável para o debate: “Por uma eleição louca lá atrás, escolheram proibir esse comércio, enquanto todos os outros são liberados. Olha que loucura! Já que a gente vive na sociedade capitalista, gostemos ou não, que as drogas estejam inseridas nesse contexto mercantil e que a gente possa lidar bem com isso”, Leonardo.

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“Só o crime organizado consegue vender. Então a violência é quem cria o Estado a partir da lei e quem gera violência nas comunidades também é o Estado. Não tem como não denunciá-lo”, reforça Filev.

Diva concorda e enfatiza que precisamos de investimento desses lucros que a cannabis pode gerar nas comunidades que foram atingidas pela guerra às drogas e nas comunidades negras que até hoje não têm direito à terra. “Somos a favor dessa soberania nacional e dessa distribuição de renda que a cannabis pode gerar no país. Por isso a gente é a favor da legalização”.

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Proibição é atraso de vida

Mas por que, mesmo com todos os estudos e argumentos, ainda seguimos com a proibição? Por um lado porque porque tem muita lucrando com isso, por outro tem a desinformação espalhada ao longo dos anos. “A gente vem de um século de proibicionismo pesado. Fomos totalmente doutrinados a manter a cabeça engessada. Todos nós. Agora a gente tá começando a virar a chavinha”, acredita Leonardo.

“Quando a gente fala em legalização não é um liberou geral, um oba oba. Até porque hoje uma criança de oito, dez anos de idade tem muito mais dificuldade de comprar cigarro e cerveja do que maconha ou crack porque na boca de fumo ninguém pega identidade, na biqueira ninguém quer saber quem é quem”, completa Leonardo.

As palavras de ordem são regulamentação e reparação. Todas as substâncias são regulamentadas, por que com as drogas seria diferente? E depois de regulamentada, como reparar quem foi agredido por essa política mal feita?

“Espero que o governo ouça essa camada anti-proibicionista da sociedade e possa fazer políticas públicas que sejam realmente inclusivas, reparativas e pautadas em justiça social. O que não dá é a gente ser da esquerda progressista, a favor da classe trabalhadora, mas só olhar para temáticas brancas que estão há 400 anos sendo discutidas”, reforça Diva.

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“O Brasil teve um pioneirismo quando da proibição da maconha, então que a gente possa ter essa vanguarda também voltada para uma política restaurativa nesta pauta”, conclui Diva Sativa.

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(Laís Brevilheri/Ilustração)
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