rasil. Um país de extensão continental, e de sociedade extremamente fragmentada. Costumamos pensar que seu centro está em São Paulo. Nos consideramos mais economicamente e socialmente desenvolvidos, dizemos ser a força motora que carrega a nação nas costas. Brancos, ricos, culturalmente ligados às grandes metrópoles do mundo. Ingênuos, sem dúvida.
Praticamente todo coberto pela floresta Amazônica – dia mais, dia menos, em chamas –, o estado do Amazonas é o maior da federação. Alvo de disputas cada vez mais acirradas, ali está o futuro. De um lado, porque a mata preservada garante a sobrevivência mundial. Do outro, porque as reservas minerais debaixo do solo tornariam rico quaisquer homens gananciosos em busca de lucros fáceis, à revelia de muitas vidas inocentes, é claro.
Tão distantes que estamos de lá, chamamos os manauaras de atrasados, subdesenvolvidos; confundimos todos com índios, e os índios com selvagens que freiam o sonho de uma nação repleta de progresso. Rejeitamos suas mitologias em nome de um Cristo deturpado, não ouvimos as vozes dos seres que habitam a floresta, parecemos esquecer que a vida é como seu rio, que corre tranquilamente, que tudo passa em um ciclo infinito de paz.
Embora o epicentro de disseminação do coronavírus no Brasil tenha sido em São Paulo, Manaus foi a primeira cidade a sofrer mais duramente com a doença ainda no primeiro semestre desse ano. Tornou-se uma espécie de laboratório macabro para as autoridades de saúde pública entenderem como proceder – ou não proceder, se você quiser observar pela ótica do descaso do governo – com o vírus. Até o fechamento dessa reportagem, 3.505 pessoas haviam morrido de covid-19 na cidade, com apenas três mortes nas últimas 24 horas. Pode não parecer muito, mas a precariedade em infraestrutura pegou a capital amazonense em cheio, causando pânico nos hospitais e tornando cemitérios em grandes valas a céu aberto.
Ao longo dessa semana, a Elástica publicará um especial em cinco partes realizado pelo fotógrafo Caio Guatelli e pela repórter Erika Sallum, retratando com profundidade uma realidade distinta da hiper higienização a qual nos acostumamos a assistir sempre que o noticiário aborda a pandemia. Não espere nada menos do que cenas fortes, como as que apresentamos aqui hoje, de um funeral realizado dentro da casa de uma família que perdeu sua matriarca pelo coronavírus. Se a recomendação e as leis pedem caixão fechado, o cancelamento de velórios e pouca aglomeração, no extrato mais baixo da pirâmide social brasileira a verdade é muito diferente.
A narrativa que você lê a seguir é ficcional, mas inteiramente baseada em relatos e observações que a reportagem colheu durante a visita à capital do Amazonas.