computação em nuvem virou uma facilidade de uso tão comum no nosso dia a dia que tem até gente se lembrando com nostalgia da “época do pendrive”. Mas, no campo dos negócios, segundo especialistas, sem precisar voltar muito no tempo, a migração ainda seguia em ritmo de lentidão, embora crescente. Daí veio o surto do novo coronavírus, que bateu de tal modo no mercado que exigiu das empresas um aceleramento no passo de sua transformação digital. Um estudo recente da ISG aponta que, nesta nova realidade de isolamento social, as empresas outrora resistentes em aderir à nuvem acabaram tendo prejuízos no primeiro semestre do ano. Muitas precisaram levar ao menos parte de seus sistemas para rodar em nuvem pública a fim de garantir, no mínimo, a mudança do escritório para home office. Com isso, algumas das organizações pesquisadas admitiram a automatização de até 70% das solicitações de serviços e resolução de incidentes.
Já segundo avaliação da Canalys, analista global do mercado de tecnologia, só no primeiro trimestre houve um aumento na demanda por ferramentas de colaboração online, comércio eletrônico e serviços em nuvem para consumidores que levou a um crescimento de 34% no consumo de infraestrutura. Um recorde que fez o segmento faturar US$ 31 bilhões no período. “O e-commerce e o home office forçado e repentino sustentaram até agora os data centers”, informa Pedro L. Bicudo Maschio, autor da pesquisa da ISG e Analista da TGT Consult.
» LEIA MAIS: Como os robôs andam a passos largos para dominar a mão de obra humana
Em paralelo a isso, embora um estudo do Gartner estime redução de gastos com TI em até 8% até o final deste ano, o mesmo instituto levanta que os investimentos em nuvem, especialmente na nuvem pública, continuarão a subir mundialmente, podendo alcançar um crescimento de até 19% em 2020. No Brasil, o Gartner assinala ainda que tais investimentos vão seguir em curva ascendente – e a estimativa é de poder até mais que dobrar. Outra estimativa pertinente é da IDC Latam, de acordo com a qual mais da metade das empresas na América Latina utilizarão soluções de nuvem, por meio de nuvens públicas e privadas, com a implementação de tecnologias e soluções híbridas ou multicloud (uso de diferentes provedores atendendo a uma mesma empresa), até 2022.
“Uma dificuldade durante esse processo de pandemia é justamente a limitação da quantidade de processamento dentro da infraestrutura que as empresas possuem”, comenta Adolfo Abreu, gerente de Customer Engineer do Google Cloud Brasil. “Mas, ao contratar um provedor de cloud, o cliente deixa de se preocupar com as muitas variáveis que o serviço normalmente já resolveu. O poder de processamento acaba acontecendo em escala, então a necessidade de recursos está sempre ali sendo atendida porque são muitos os recursos computacionais desenvolvidos. As necessidades do business vão mudando, ainda mais numa situação de crise. O e-commerce, por exemplo, se tornou prioritário em relação a projetos em lojas físicas, com toda a limitação e o isolamento social. E nossos dados mais atualizados mostram que, em abril, cerca de três milhões de novos usuários passaram a se conectar ao Google Meet diariamente”, completa.
“O e-commerce se tornou prioritário em relação a projetos em lojas físicas e nossos dados mais atualizados mostram que, em abril, cerca de três milhões de novos usuários passaram a se conectar ao Google Meet diariamente”
Adolfo Abreu
A nuvem revolucionou a internet porque deu solução ao seu principal entrave para tornar as coisas mais práticas desde que saímos da conexão discada. Foi a partir da integração da computação em nuvem, afinal, que a internet pôde realizar todo o seu potencial e atingir popularidade massiva, de uma vez por todas, garantindo agilidade a ações que antes eram penosas. Hoje, não precisamos instalar programas contidos num CD-Rom para fazer uma compra virtual, assistir ou jogar qualquer coisa diante de uma tela. E basta estar conectado para acessar ferramentas de armazenamento, texto, fotos e vídeos.
Mas o que é a nuvem?
Apesar do nome, os nossos dados armazenados fora dos disquetes, CDs, pendrives e HDs externos em geral não ficam flutuando no ar, mas em data centers remotos ultra secretos e de alta segurança. São servidores físicos que acessamos de modo virtual e online. Segundo a Raconteur, as informações armazenadas no ambiente digital até o final de 2020 excederão 44 zettabytes, em comparação com 4,4 zettabytes gerados em 2019 – isso mesmo, um crescimento de 1.000%. Nos próximos anos, a evolução da internet das coisas, big data e outras tendências acarretarão uma produção de conteúdo e troca de dados ainda maior, o que demandará mais capacidade dos data centers. Em 2025, a projeção é de que haverá 463 exabytes de dados no cosmos virtual.
Uma das maiores vantagens da nuvem é poder fazer tudo a partir de um computador com configurações básicas, visto que os servidores garantem a execução das mídias a partir de qualquer dispositivo. Exemplos são os serviços de streaming. A computação em nuvem possibilita o uso de diferentes tipos de serviços pela internet com o benefício de que os data centers são constantemente atualizados com as tecnologias mais recentes. Temos a opção de aderir a recursos flexíveis e pagar apenas pelo que contratamos. Para as empresas, a economia chega na redução de custos com compra de equipamento, backup, recuperação de dados e expansão das operações e projetos.
AWS, Microsoft Azure, Google Cloud, Alibaba Cloud e, na América Latina, a Ascenty são alguns dos mais destacados provedores de infraestrutura em nuvem atualmente. Para tocar esse tipo de negócio, as empresas de data centers necessitam manter sigilo sobre a localização de suas unidades e acesso restrito de funcionários. Entre outros requisitos está a atenção constante à refrigeração dos equipamentos, alocados em salas específicas que controlam temperatura e umidade para que os servidores funcionem plenamente. Isso porque o superaquecimento dos equipamentos pode ocasionar o desligamento automático e, nesse ramo, não é tolerável qualquer mínimo nível de indisponibilidade.
“Outro ponto é ter energia disponível em grande quantidade. E o crucial é a questão de conectividade, para prover o acesso aos dados”, detalha Marcos Siqueira, vice-presidente de Operações da Ascenty. “Temos profissionais trabalhando 24 horas todos os dias da semana, treinados para medidas de prevenção a incidentes e habilitados para lidar com qualquer eventualidade e contingência. A arquitetura de um data center é toda resiliente, é toda redundante. Se um equipamento falha, temos que ter outros equipamentos que cumpram com a função daquele que falhou.”
“Temos profissionais trabalhando 24 horas todos os dias da semana, treinados para medidas de prevenção a incidentes e habilitados para lidar com qualquer eventualidade e contingência. A arquitetura de um data center é toda resiliente”
Marcos Siqueira
Os data centers são gerenciados globalmente por grandes grupos econômicos dentro de um protocolo tão hermético que os provedores raramente comentam sobre sua cartela de clientes, a não ser como cases para elencar as inúmeras soluções de que dispõem. Mas apuramos que os maiores provedores de serviços de tecnologia em geral, o segmento financeiro, e-commerce (varejo) e integradoras de serviços (brokers) impulsionam o setor. Entre as organizações de grande magnitude, apenas algumas empresas governamentais ainda têm data centers próprios.
Como é o mercado
Existem três tipos de nuvem: pública, privada e híbrida. A nuvem é pública quando o cliente contrata serviços de cloud de grandes provedores que oferecem recursos de computação via internet para serem administrados diretamente de um navegador web. A nuvem privada pertence a uma única empresa e fica alocada em seu próprio data center. E a nuvem híbrida faz uso das duas soluções mencionadas, com parte dos dados e informações em nuvem privada, parte em pública, de modo a flexibilizar e otimizar a infraestrutura.
Os serviços de nuvem podem ser classificados em infraestrutura como serviço (IaaS), que permite alugar a infraestrutura e pagar apenas pelo que for usado (“pay as you go”); plataforma como serviço (PaaS), que oferece um ambiente sob demanda para desenvolvimento, teste, fornecimento e gerenciamento de aplicativos; software como serviço (SaaS), em que os usuários se conectam a um aplicativo que disponibiliza soluções customizadas pela internet; e computação sem servidor, por meio da qual toda a infraestrutura é administrada pelo provedor.
“As tecnologias evoluem, e aí novos tipos de componentes vão surgindo”, observa Adolfo Abreu, porta-voz do Google Cloud. “Até então, estávamos falando de ter um hardware físico por detrás suportando esses processamentos. Só que já existe uma série de serviços chamados de serverless, ou seja, sem servidor. Eu tenho ali softwares que vão ser capazes de construir interfaces, que nós chamamos de APIs, para poder fazer todo esse tipo de processamento. E, olha que legal, quando está incluso esse tipo de serviço na nuvem, o cliente escolhe o que quer utilizar e depois simplesmente descarta. Ele também, consequentemente, não precisa pagar mais por aquilo que estava utilizando.”
Há alguns anos, surgiu o termo “lago de dados”, ou data lake, em referência à capacidade de se consolidar grandes volumes de informação estruturada e não estruturada. Informação estruturada é uma tabela, com linhas e colunas, por exemplo; informação não estruturada seria uma imagem, áudio ou vídeo. Um data lake, ensina Abreu, consegue consolidar os dois tipos de informações para que seja possível fazer análises sobre esses dados. “No passado, criávamos, em uma estrutura privada, um data lake e o dado ficava ali ad eternum. Com a tecnologia de nuvem, eu simplesmente submeto, carrego os meus dados, e, neste mesmo conceito de data lake, processo a informação e descarto.”
Algumas marcas que já contam com os serviços do Google Cloud e estão à frente, segundo Adolfo Abreu, na transformação digital, são a B2W, a Natura, a Tim Brasil e o Grupo Renault. “O que é determinante nesse segmento é o foco no negócio do cliente. Muito mais do que você oferecer uma tecnologia, por mais avançada que seja, é importante entender qual é o propósito, onde o cliente quer chegar com aquela tecnologia. A tecnologia não deve ser o fim, ela deve ser o meio, uma habilitadora para que essa transformação do negócio aconteça. É aí onde a gente investe bastante. Para poder facilitar o dia a dia das empresas.”
“Por mais avançada que seja, é importante entender qual é o propósito, onde o cliente quer chegar com aquela tecnologia. A tecnologia não deve ser o fim, ela deve ser o meio, uma habilitadora para que essa transformação do negócio aconteça”
Adolfo Abreu
Com quase todas as empresas de tecnologia da atualidade pagando para terceirizar seus serviços de armazenamento e computação, total ou parcialmente, à nuvem, essa configuração acaba por permitir que as startups surjam com muito pouca sobrecarga e que grandes firmas, ao eliminar investimentos em hardware físico, executem com mais eficiência. Nesse contexto, veio à tona uma geração de empresas que planejam usar a nuvem para oferecer tudo como um serviço, e curiosamente as corporações que realmente construíram e operam a nuvem estão, na prática, incubando e hospedando seus concorrentes. A Netflix, por exemplo, executa seu produto de streaming de vídeo no Amazon Web Services, baseado na nuvem, que por sua vez iniciou o próprio serviço de streaming em 2011.
Seria isso algo problemático? Estudiosos alertam que, quando se trata de armazenamento e transmissão de dados, sempre haverá riscos, ainda que minimizados. O maior risco nessa praia, de acordo com o canadense Neil Rerup, autor e palestrante sobre ameaças cibernéticas, fundador da Enterprise Cyber Security Architects (ECSA) e conhecido por antecipar as próximas ameaças à segurança de TI, é que as ações dos hackers evoluem assim como as estratégias protetivas das empresas. “A nuvem tem muitos recursos, mas ainda está em seus estágios iniciais quando se trata de segurança”, relativiza ele. “Como com tudo o que já veio antes, surge uma nova capacidade e todos correm em sua direção. E, então, percebem que talvez haja algumas pegadinhas no meio do caminho. A melhor maneira de lidar com isso é examinar os padrões de arquitetura antigos para ver se há um jeito de proteger o novo ambiente. Mas, ao contrário de antigamente, as fronteiras do empreendimento estão mudando. E, se mudam, como você lida com a falta de fronteiras? Significa deixar de proteger as caixas [como servidores, roteadores, firewalls e assim por diante] para proteger as informações. Afinal, é a informação que é importante.”
Marcos Siqueira, da Ascenty, considera a coexistência em nuvem de grupos como a Netflix e a Amazon algo natural. “A Amazon viu oportunidade de expandir seus serviços para o streaming e resolveu investir nisso, mas como uma outra empresa – a área de streaming da Amazon é como se fosse um outro cliente dela mesma. Já a Netflix estabelece o streaming como seu negócio principal – core business – e não tem interesse de investir em data centers ou serviço de cloud, por questão estratégica. Não há potencial de abuso nessa relação por conta das camadas de segurança serem muitas e invioláveis.” Os provedores garantem atuar sob rígidas políticas de segurança para a proteção do patrimônio digital de seus clientes e usuários. “Existe uma coisa chamada Lei Geral de Proteção de Dados. São regulamentações determinadas em cada um dos países. E todos os provedores de cloud têm obrigação em relação à segurança e privacidade das informações. Assim, contamos com as melhores soluções de armazenamento e as melhores ferramentas de segurança”, diz Siqueira.
“Todos os provedores de cloud têm obrigação em relação à segurança e privacidade das informações. Assim, contamos com as melhores soluções de armazenamento e as melhores ferramentas de segurança”
Marcos Siqueira
Ilustrativo de como se dá o esquema de blindagem informativa é o novo portfólio de soluções divulgado pelo Google Cloud, chamado de “confidential computing”. Trata-se de uma tecnologia que criptografa os dados enquanto eles estão sendo processados, seja na memória ou outros dispositivos dentro da estrutura dos data centers. “Como muitas das tecnologias em nuvem são baseadas em desenvolvimento de software, ou seja, através do software a gente consegue criar processos e critérios, essa é mais uma tecnologia de software que temos disponível dentro da infraestrutura”, explica Adolfo Abreu, do Google Cloud.
“Em nossa plataforma, o cliente tem total controle da informação. É ele quem administra”, acrescenta Abreu. “Nós criptografamos essa informação de ponta a ponta, e inclusive não conseguimos ter acesso a esse dado, em nenhum momento. Então o cliente acaba sendo responsável por criar as políticas de acesso, controles de usuários e uma série de outras técnicas que essa cultura de segurança vem trazendo nos últimos anos. Em nenhum momento tenho necessidade de acessar a informação do cliente”, afirma.
____
As imagens que você viu nessa reportagem foram feitas por Filipe Redondo. Confira mais de seu trabalho aqui