abe aquela frase conhecida que diz “seja gentil com as pessoas, cada uma delas está passando por algo que você nem imagina” ou algo do tipo? Além de ser uma grande verdade, ela é especialmente precisa quando falamos de pessoas LGBTQIA+. Ser uma pessoa pertencente à sigla é muito mais do que olhar para uma bandeira colorida e buscar identificação. É passar por momentos difíceis de autocompreensão, que vão de sair do armário a perceber que seu gênero talvez não seja condizente com o corpo em que você nasceu. Passa por bullying nas escolas, primeiros beijos tardios – o primeiro beijo mesmo, muitas vezes, é com alguém com quem você não se interessava de verdade –, uma solidão difícil de expressar para quem não é queer. Sentir-se sozinho é, talvez, uma das poucas coisas que une todas as pessoas LGBTQIA+, que possuem uma infinidade de vivências, histórias e características diferentes, mas nunca se sentirão 100% parte da nossa sociedade atual: machista, patriarcal, binária.
Mas ao abrir o site Queering The Map, o sentimento de solidão se abranda por alguns momentos e até um sorriso de canto de boca se abre. Bom, pelo menos foi assim comigo. O site é um mapa online em que você, pessoa queer que acessa, pode clicar em qualquer ponto e adicionar uma história sua anonimamente. Qualquer história: de amor, de dor, de primeiro beijo, de paquera, de simplesmente ter visto alguém que você achou gato ou gata ou gate e não teve coragem pra ir puxar um assunto porque não sabia se ele também “era do babado”, como diria minha mãe. De se assumir, de não ter coragem para se assumir, de ter transado loucamente e querer contar cada detalhe, de ter terminado com quem você achou que poderia ser o amor da sua vida.
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(“Primeira vez nadando como uma mulher trans. Biquini preto de cintura alta com bolinhas brancas”)
O site não é novo – ele existe desde 2017 e foi relançado em 2018 –, mas descobri-lo recentemente me tocou de uma forma que eu não esperava. Passei horas navegando pelo mundo à procura de histórias de amor entre pessoas LGBTQIA+. Encontrei muitas, é verdade – são mais de 86 mil histórias em 23 línguas diferentes. Mas também encontrei muitas histórias de dor. E, por incrível que pareça, me senti menos sozinho ao saber que um homem no interior dos Estados Unidos já sentiu a mesma coisa que eu ao ter seu coração partido. Ou ao perceber que uma mulher na Inglaterra escolheu marcar ali, num mapa para todo mundo ver, o lugar onde se despediu da ex-namorada/ex-mulher, sabendo que ela para sempre seria o amor de sua vida.
“Por incrível que pareça, me senti menos sozinho ao saber que um homem no interior dos Estados Unidos já sentiu a mesma coisa que eu ao ter seu coração partido. Ou ao perceber que uma mulher na Inglaterra escolheu marcar no mapa o lugar onde se despediu da ex-namorada/ex-mulher, sabendo que ela para sempre seria o amor de sua vida”
Não acho que todo esse encantamento e esse acolhimento por uma experiência queer, colaborativa e totalmente digital seja apenas meu lado romântico. Muitos de nós, pessoas LBGTQIA+, passamos a vida em busca daquela sensação de pertencimento, de comunidade, de olhar para a solidão e poder considerá-la passado. Não sou porta-voz das pessoas queer do mundo, mas praticamente todas com quem já tive contato e conversei um pouco mais profundamente revelaram partilhar desse sentimento.
Há nem tanto tempo assim, sem smartphones, aplicativos exclusivos para relacionamentos LGBTQIA+ e internet, criamos outros símbolos e códigos para nos relacionarmos e nos reconhecermos uns nos outros. Hoje, muitos estabelecimentos aqui e fora do país usam a bandeira do arco-íris para deixar claro para o mundo que somos bem-vindos da porta pra dentro, mas nem sempre foi possível ostentar esse orgulho. Na década de 1970 nos Estados Unidos, um círculo verde com um triângulo rosa invertido dentro marcava os safe spaces, espaços seguros para quem era LGBTQIA+. O símbolo é uma reapropriação dos triângulos coloridos usados pelos nazistas para marcar diferentes prisioneiros dos campos de concentração – os da cor rosas eram costurados no macacão de homens e mulheres homossexuais.