No país em que o governo federal desconsidera essa população, escolhemos contar histórias de quem resiste, sobrevive e faz história sendo diferente
por Alexandre Makhlouf
30 dez 2020
02h19
Ser uma pessoa LGBTQIA+ no Brasil nunca foi fácil. Somos o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo pela 12º ano consecutivo, de acordo com dados do Trans Murder Monitoring (“Observatório de Assassinatos Trans”, em inglês), e também o que maior consome conteúdo pornô protagonizado por mulheres trans, o que reforça o preconceito, a estigmatização e a objetificação que muitas pessoas pertencentes à sigla sofrem todos os dias.
Em um contexto de Jair Bolsonaro na presidência, governante historicamente contra os direitos dessa população, e de uma pandemia que afetou a todos, mas, como sempre, pesou mais para quem já era minorizado pela sociedade, ser LGBTQIA+ no Brasil foi especialmente foda neste ano. Manobras na Câmara e no Senado tentaram, mais uma vez, revogar direitos adquiridos como o nome social. O programa de HIV/AIDS do SUS, referência mundial no combate ao vírus e à doença, sofreu cortes e mais cortes – e isso afeta, em sua maioria, pessoas LGBTQIA+. A falta de grana e de oportunidades de trabalho obrigou muita gente a voltar para a casa dos pais – o que significou, muitas vezes, voltar para o armário.
Mas não foram só más notícias. Este ano, tivemos o recorde de pessoas trans eleitas no Brasil. Recentemente, vimos o Ceará nomear, pela primeira vez, uma rua com o nome de uma travesti. Aqui na Elástica, os direitos das pessoas LGBTQIA+ são pautas urgentes não só no mês de junho, quando o mercado comemora o Mês do Orgulho, mas o ano inteiro. Falamos muito de bichas, travestis, sapatonas, bissexuais, pessoas que não se enquadram em um único gênero e tentamos ouvir uma pluralidade grande de histórias para mostrar que diversidade, seja o terreno fértil ou árido, vai ser sempre prioridade por aqui. Confira abaixo nossas reportagens mais importantes desse ano sobre a temática LGBTQIA+.
Ficar trancado em casa foi ruim para todo mundo – e ainda é, pois a pandemia não acabou. Mas, para quem é LGBTQIA+ e precisou voltar para a casa dos pais por falta de dinheiro e de trabalho, a situação foi ainda pior. Conversamos com pessoas que voltaram a sofrer violência familiar ao reprimir suas identidades no dia a dia.
“Mas existe índio gay?” Foi para responder a essa pergunta que a rapper e atriz Katú Mirim se juntou a amigos de outras etnias para criar o Coletivo Tibira, que mostra que pensar a sexualidade não é uma exclusividade branca e reúne indígenas LGBT+ que são artistas, ativistas, acadêmicos ou que só querem dar close como forma de afirmação.
Falar sobre sociologia, filosofia, política e outros temas densos e cabeçudos com humor e desenvoltura. O feito, que beira o milagre, é a especialidade de Rita Von Hunty, a drag queen fenômeno da internet que torna os estudos de ciências humanas mais gentis para uma grande audiência – grande mesmo: só no Instagram, já são mais de 521 mil pessoas interessados na palavra de Rita. Fora os 681 mil do YouTube…
Alguma coisa está diferente na música brasileira desde mais ou menos 2010. A nova geração de cantores e cantoras que vem ganhando espaço no mercado não admite mais ficar dentro do armário. Thiago Pethit, Filipe Catto, Silva, Almério, Johnny Hooker, Jaloo, Rico Dalasam e muitos outros falam abertamente sobre serem gays e/ou fluidos. Com as mulheres, não é diferente: Ellen Oléria, Linn da Quebrada, Jup do Bairro, Mahmundi, Ludmilla e tantas outras, lésbicas ou bissexuais e orgulhosas.
Ela é uma das 30 pessoas trans eleitas em 2020, número quatro vezes maior do que vimos em 2016, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Transexuais e Travestis). Da infância à ALESP, Erika conversou conosco sobre a candidatura a vereadora em São Paulo dias antes de ganhar seu espaço na Câmara e reflete sobre política representativa, morte, prostituição e família.
Conhecido historicamente por ser dominado por homens heterossexuais, o cenário do rap no Brasil vem mudando e abraçando cada vez mais os cantores que fogem a esse padrão. Esse movimento, que começou com Rico Dalasam, agora tem rappers como Jup do Bairro, Lucas Boombeat e outras pessoas nada normativas que cantam sobre suas vivências na periferia e suas experiências por pertencerem a duas minorias sociais – ser negro e ser LGBTQIA+.
E se a arte fosse travesti? A frase faz parte de um dos muitos trabalhos da artista, rapper e ativista trans Rosa Luz, que foi alvo de ameaças de morte virtuais e precisou sair das redes por um tempo, em maio deste ano. Os autores? A “bancada do ódio” e a parte mais exaltada dos bolsonaristas.
Chega de achar que sertanejo é música de hétero. A verdade é que sertanejo é um gênero que veio do sertão, é muito comum no interior de quase todos os estados do Brasil e, como em qualquer outro lugar, tem muita gente LGBTQIA+. Gabeu, Alice Marcone e Reddy Allor fazem parte de uma nova geração de artistas que apostam no queernejo, esse novo estilo musical que mistura pop com moda de viola, sofrência, chapéus de cowboy e tudo mais que o sertanejo permite.
Pode não fazer parte da sua realidade, mas apesar de estarmos chegando ao fim de 2020, muita gente ainda é expulsa de casa simplesmente por ser gay, lésbica, travesti ou transexual. Como remédio para o preconceito e o moralismo que separa famílias, pessoas por todo o Brasil se mobilizam para criar casas de acolhimento e receber essas pessoas que ficaram sem lar.
Um dos artistas mais inventivos dos últimos tempos, Getúlio mistura influências de forró com pop e brega para criar um ritmo só seu. Com ele, o papo é reto, sempre. Não quer falar apenas com os LGBTQIA+, pois não acredita em pregar pra convertido, e não gosta de se rotular gay, porque gosta de gente. Detesta ficar preso a uma pessoa só, inclusive. A gente poderia continuar listando suas particularidades, mas é melhor ler na íntegra.
Ginecologista é o médico que cuida do que? Se você pensou em responder “mulher”, pense novamente. O preconceito que marca a experiência de homens trans em consultas no ginecologista faz com que muitos sejam privados de acompanhamento médico adequado. Acompanhamos um homem transexual e conversamos com pessoas que sofreram violência e transfobia dentro do consultório para mostrar essa realidade.
A rede que permitia apenas 140 caracteres ampliou mais do que o volume de texto nos últimos tempos. Para muita gente, o Twitter virou também site pornô, com milhares de perfis com conteúdo sexual explícito. É ali o canal em que muitos usuários do OnlyFans divulgam seus vídeos e angariam milhares de seguidores. Abre uma janela anônima aí e vem conferir os detalhes!
Daniela Andrade batalhou durante anos para realizar um sonho: fazer a cirurgia de transgenitalização. Em um depoimento emocionante, ela relata as dificuldades e burocracias do pré-operatório, a nova rotina e a transformação de sua autoestima.
“Se a mão não furar a bolha, ninguém mais vai.” É isso que diz Maju Giorgi, advogada e mãe de um filho gay que, após uma declaração homofóbica do então deputado Jair Bolsonaro, que afirmou que “nenhum pai tem orgulho de um filho gay”, entendeu que a militância seria sua vocação para transformar o mundo com luta, respeito e (muito) amor.
O ano de 2020 foi marcado por milhares de mortes por conta da covid-19. Não foi o vírus, mas o câncer que levou Brunna Valin, ativista que teve uma história de luta nos movimentos trans e HIV/AIDS, distribuindo camisinhas de madrugada ou fervendo na Parada LGBTQIA+. Uma história pouco conhecida, mas uma memória travesti que precisa ser mantida viva.
O que define a paternidade? É o órgão que você tem entre as pernas ou é seu papel na criação de um filho ou uma filha? No país em que mais de 5 milhões de crianças possuem um espaço em branco no lugar do pai, homens trans compartilham suas histórias para provar que paternar vai muito além do gênero.
Com uma conta bombada no Instagram, o jovem artista ELOI ressignifica as identidades de gênero e corpos dos super-heróis. Todos mesmo: da Tempestade e do Wolverine, dos X-Men, à Mulher Maravilha e personagens do filme Pantera Negra, da Marvel, passando por alguns personagens de anime, como Pokémon.