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Saúde mental nas eleições

Diante dos conflitos políticos, a saúde mental do eleitorado brasileiro também está em jogo

por Bárbara Poerner Atualizado em 23 nov 2022, 14h59 - Publicado em 30 set 2022 12h46
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(Laís Brevilheri/Redação)

iscussões em grupos de família, polarização política, conflitos nas redes sociais, incertezas sobre o futuro da educação, saúde, cultura, moradia, medo de usar um adesivo do seu candidato e desgaste para conversar. Todos fatores que podem ser intensificados durante o período eleitoral na vida dos cidadãos e cidadãs brasileiros.

Luisa Susin dos Santos explica que isso acontece porque “é um momento que explicita o conflito”. A psicóloga e especialista em saúde mental coletiva diz que, de maneira geral, as eleições podem gerar muita ansiedade, tensão e até rompimento de vínculos entre os eleitores. Não é à toa que quase metade do eleitorado brasileiro (49%) afirma ter deixado de dialogar sobre política com amigos e familiares nos últimos meses para evitar discussões, conforme uma pesquisa recente do Datafolha.

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Ainda, ela destaca que é impossível falar sobre saúde mental em uma perspectiva unicamente individual. “Por mais que a gente viva em uma ideologia neoliberal, a saúde mental não pode ser entendida somente no âmbito privado, porque é sobre como nos relacionamentos com o espaço onde vivemos e está sempre na relação com outro, então tem atravessamentos políticos e estéticos”, continua Luisa, que também atua como psicóloga da política de atenção integral à saúde da população LGBTQIA+.

“Por mais que a gente viva em uma ideologia neoliberal, a saúde mental não pode ser entendida somente no âmbito privado, porque é sobre como nos relacionamentos com o espaço onde vivemos e está sempre na relação com outro”

Luisa Susin dos Santos, psicóloga
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(Feito a caixa de Pandora, as eleições podem ser a fonte de todo mal do país, mas leva consigo também a esperança.Laís Brevilheri/Ilustração)

Discursos de ódio

Pessoas LGBTQIA+ são uma das comunidades alvo de insultos e perseguições políticas, ao lado das mulheres, pessoas negras e indígenas. No cotidiano, a situação só se agrava: conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os crimes de racismo e homofobia cresceram exponencialmente desde 2018. Luisa acredita que isso também acontece porque, “historicamente, no país tivemos o regime de colonização, escravização, e esses grupos carregam mais esse [passado]. O governo Bolsonaro explicitamente ataca esses grupos, por mais que às vezes finja que não”.

Brenna Galtierrez Fortes Pessoa, pesquisadora e mestra em políticas públicas pela Universidade Federal do Piauí, é uma das autoras da pesquisa “A mão do carrasco: o impacto na saúde mental da população LGBT+ após o período eleitoral de 2018 no Brasil”. Ela relata que durante a elaboração do artigo, “vimos um sobressalto de muito medo [da comunidade LGBTQIA+], de perder as conquistas, de ser agredido. Há um discurso de ódio, que é fomentado”.

Tudo isso afeta a construção de sujeito e subjetividade, já que são ataques diretos às subjetividades das mulheres, pessoas não-brancas e pessoas LGBTQIA+. “Se a gente se constitui na relação com outro, a partir da linguagem, o tempo todo a gente pega algo que é do mundo pra gente. Então, em grupos [socialmente] minoritários, que sofrem machismo, racismo, LGBTfobia, é como se houvesse um não reconhecimento”, continua Luisa.

“As fake news passam por um ressentimento, desse país que se viu lidando com corrupção, golpe de estado. Isso tem a ver com o fato da gente não historicizar as coisas, no país e na nossa vida pessoal”

Luisa Susin dos Santos, psiquiatra
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Algo mudou desde 2018?

Brenna acredita que “a Covid foi um pontapé para perceber a figura desumanizadora que ele [Bolsonaro] é”. A diferença é que se antes o medo pairava para muitos grupos minoritários, com a crise sanitária e econômica, eles foram evidenciados. “O que estava antes no discurso da linguagem e ideologia ficou colocado em forma de ato”, complementa Luisa. “Estamos em um momento de questionar o que fazemos com esse luto? Qual espaço temos para elaborar esses lutos?”, diz.

Além disso, mentiras e propagandas enganosas na política não são inéditas, mas o fenômeno das notícias falsas têm se expandido desde o último período eleitoral. Deturpar a realidade pode ser outro impacto das eleições na saúde mental da população. Para Luisa, Freud dá pistas do porquê em seu texto Análise das Massas, no qual o psicanalista discorre sobre supor um ‘falso amor’ de uma liderança – neste caso, política.

“As fake news passam por um ressentimento, desse país que se viu lidando com corrupção, golpe de estado. Isso tem a ver com o fato da gente não historicizar as coisas, no país e na nossa vida pessoal”, diz ela, que acredita que esse fenômeno produz muitas perguntas sobre o que está acontecendo socialmente no país.

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

A psicóloga vê esse cenário como um agravante para o aumento dos diagnósticos de depressão, ansiedade e outros sofrimentos psíquicos. Isso porque a falta de acesso a direitos básicos e a prática do discurso de ódio podem ser percebidos na “vida material, no dia a dia, com [a comida] mais cara, a preocupação em como pagar uma conta. Não é apenas sobre desigualdade social, mas o que estamos fazendo com a desigualdade social, é sobre os recursos que a gente tem para lidar com as situações”, completa.

Como forma de aliviar os impactos negativos que as eleições podem ter na saúde mental da população, Luisa acredita que é importante criar vínculos com espaços coletivos. “Estar com os seus, e não no sentido de polarizar, mas no sentido de poder fortalecer uma perspectiva em comum”, finaliza.

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