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Vote pelo Clima 

Clima de Eleição, organização de advocacy climático, busca transformar a política brasileira pautando a agenda climática em todos os níveis de governo

por Bárbara Poerner 26 set 2022 11h33
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(João Barreto/Ilustração)

De porta em porta no Congresso Nacional, João Cerqueira busca dialogar sobre candidaturas e propostas de justiça climática para as eleições federais de 2022. O engenheiro ambiental é um dos fundadores do Clima de Eleição, organização de advocacy que insere a agenda socioambiental nas políticas institucionais do Brasil, em todos os níveis de governo.

O Clima de Eleição surgiu em 2020, motivado por João e um grupo de amigos ativistas indignados com a carência de políticas públicas climáticas para sua cidade natal, Curitiba. O que começou como uma proposta para candidatos municipais apenas da capital paranaense escalonou-se em um grande movimento nacional. Naquele ano, a organização chegou a mais de 250 municípios de Norte a Sul do país, lançando uma campanha independente para qualificar o debate climático.

Dentre os resultados da mobilização há dois anos, surgiu o estudo Os Planos de Governo para as eleições municipais consideram a crise climática?, que traça uma comparação entre os ciclos eleitorais de 2016 e 2020 nas capitais brasileiras quando referentes às propostas climáticas, e o Clima no Palanque, um guia prático de como votar pelo clima. 

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Hoje, a atuação do Clima de Eleição é diversa. A organização criou a plataforma Vote Pelo Clima, que reúne lideranças do assunto, promove formações e treinamentos para tomadores de decisão e ainda faz incidência e articulação política não só com candidatos e parlamentares, mas com partidos e outras instituições parceiras. 

“É importante que as lideranças em período eleitoral, mesmo se não eleitas, falem para a sociedade da importância da agenda climática. Que a crise climática não é um fenômeno distante da realidade, mas está na inflação do preço dos alimentos, nos alagamentos, numa série de eventos rotineiros”

Para João, alavancar essas candidaturas tem potencial para mostrar como os impactos no meio ambiente são transversais e implicam no cotidiano dos cidadãos brasileiros. “É importante que as lideranças em período eleitoral, mesmo se não eleitas, falem para a sociedade da importância da agenda climática, relacionando com eventos tangíveis da realidade das pessoas. Isso tende a fazer a população entender que é importante. Que a crise climática não é um fenômeno distante da realidade, mas está na inflação do preço dos alimentos, nos alagamentos do mês passado, e numa série de eventos rotineiros”, defende.

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Essa correlação, contudo, não é evidente para a maioria das pessoas, tampouco decide o rumo do eleitorado. Embora sete em cada dez brasileiros (72%) considerem o aquecimento global um problema que afeta muito a sua família, o fator clima, “olhando para a média da população, ainda não é, e talvez não venha a ser considerando a desigualdade do nosso país, o que determina o voto”, explica João. 

Conversamos com o ativista para entender a importância de votar pelo clima e compreender o que falta para a agenda climática ser realmente incluída na ordem do dia das candidaturas e tomadores de decisões. 

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(João Barreto/Ilustração)
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“Apesar de nunca termos tido uma boa agenda ambiental, nunca foi de legitimidade esse lugar da autofagia. O Bolsonaro [enquanto presidente] vai passar, mas isso, culturalmente, não passa rápido”

O que é o Clima de Eleição? Como tudo começou?
A iniciativa começa como um incômodo entre um grupo de colegas de ativismo climático, muito ligados a movimentos de juventude. Tínhamos essa leitura: apesar de estarmos vivendo uma crise climática, nossas lideranças eleitas não estavam debatendo sobre o assunto. Isso com o recorte de Curitiba, cidade de onde sou. Aqui, a gente está vivendo há uns quatro anos um período de estiagem prolongada e nenhum dos parlamentares estava discutindo a necessidade de pensar políticas para a crise climática. E isso não é uma realidade de Curitiba, é nacional. Com base nesse incômodo, sendo 2020 um ano eleitoral, decidimos fazer alguma coisa para impulsionar as candidaturas pelo clima. Acabou que chegamos em mais de 450 candidaturas no Brasil todo.

Por que precisamos de candidaturas pelo clima?
É urgente, considerando a crise climática como um processo interseccional que potencializa as violências que já acontecem de forma rotineira no nosso país. Se você olhar um retrato de composição do Congresso Nacional, existem menos de 50 parlamentares que trabalham com isso [agenda pelo clima] ativamente. Os que protagonizam, são quase dez. Em um universo com mais de 500 parlamentares.

Está consolidado na academia e literatura científica que esse é o maior desafio que nossa espécie já lidou. Então, na nossa leitura, ter mais candidaturas traz uma série de benefícios para nós, na sociedade. Acreditamos que pode melhorar a composição do parlamento, mas ajuda a engrossar uma mudança cultural no assunto. 

Se mais candidaturas estiverem falando disso, talvez mais partidos falem e tragam isso para suas diretrizes partidárias, que se internalizam nas fundações partidárias [que atuam com as pessoas filiadas], e que isso seja comum. É importante que as lideranças em período eleitoral, mesmo se não eleitas, falem para a sociedade da importância da agenda climática, relacionando com eventos tangíveis da realidade das pessoas. Isso tende a fazer a população entender que é importante. Que a crise climática não é um fenômeno distante da realidade, mas está na inflação do preço dos alimentos, nos alagamentos do mês passado, e numa série de eventos rotineiros. 

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“Se você olhar um retrato de composição do Congresso Nacional, existem menos de 50 parlamentares que trabalham com isso [agenda pelo clima] ativamente. Os que protagonizam, são quase dez. Em um universo com mais de 500 parlamentares”

O eleitorado leva em conta votar em candidatos que atuam pelo clima?
As pesquisas apontam que é relevante, mas não determinante. Claro que se olhar para grupos focais e ativistas, obviamente isso vai ser a prioridade. Mas olhando para a média da população, isso não é ainda, e talvez não venha a ser considerando a desigualdade do nosso país. Isso está de alguma forma presente na percepção, mas não é o suficiente, o que determina o voto. 

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Você está batendo em várias portas de gabinetes, dialogando com parlamentares, candidatos e partidos [não todos], sobre a importância da agenda climática no Congresso. Como tem sido sua recepção?
A recepção tem sido boa, no geral. Isso não necessariamente vai se transmitir e se tornar uma melhor postura e protagonismo maior, mas todas essas pessoas e lideranças conseguem compreender a necessidade, a urgência e o valor de capital eleitoral de se pautar esse assunto. Também vai da minha abordagem, então é melhor que, ao invés de eu falar em Rondônia de degelo da calota polar, eu falar das chuvas que recentemente impactaram aquele território. Acho que toda liderança política, dependendo dos argumentos que você usar, tende a se sensibilizar. 

E nos partidos políticos, existe alguma diretriz sobre a agenda do clima para seus candidatos?
Alguns veem a importância, mas de formas diferentes. Na minha leitura, os partidos mais de centro entendem essa importância muito em relação ao mercado. Mas isso ainda é uma agenda ‘de esquerda’.

“Apesar de nunca termos tido uma boa agenda ambiental, nunca foi de legitimidade esse lugar da autofagia. O Bolsonaro [enquanto presidente] vai passar, mas isso, culturalmente, não passa rápido”

Você analisa que a crise climática tem sido vista como uma ideologia partidária, de ‘esquerda’ ou ‘direita’?
Falar de clima automaticamente fere valores de um campo ideológico. Eles não necessariamente negam; sempre vão falar isso, que sabem que é importante, mas na leitura deles a maior parte das medidas da ação climática conflitam com esse modelo atual de extrativismo predatório, no qual esses grupos se beneficiam. Automaticamente, eles vão vetar. Na leitura dessas pessoas, o clima é: impedir desmatamento, garantir direitos das comunidades tradicionais e povos originários, multas ambientais… Tudo que eles são contra, pois estão aliados a esses setores. 

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Esse cenário piorou nos últimos quatro anos, com uma governança negacionista climática?
Agravou-se de certa forma porque essas pessoas foram legitimadas. Apesar de nunca termos tido uma boa agenda ambiental, nunca foi de legitimidade esse lugar da autofagia. O Bolsonaro [enquanto presidente] vai passar, mas isso, culturalmente, não passa rápido.

Ao mesmo tempo, a agenda climática está mais evidente se comparada há dez anos?
Acho que tem conseguido mais espaço. O próprio Clima de Eleição existir é um sinal que tem sido demandado. Mas quando a gente olha para planos de governos há dez anos e agora, isso está mais presente. Por parte do eleitorado, políticas internacionais, diplomacia. Um sinal relevante disso é um debate presidencial ter falado sobre mudança climática pela primeira vez na história. Claro que é tímido e muito pouco, mas na minha leitura tem avançado.

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Isso não significa que o negacionismo climática diminua, não é? É sempre uma grande disputa?
Total. De fato tem sido uma disputa bem acirrada. Mas, como sou otimista e teimoso, acho que isso tende a passar. Esse argumento do desenvolvimento a qualquer custo é falacioso. Quando, por exemplo, você chega em regiões dos estados do Norte do país – e não só no Norte, mas todo o Brasil, na Amazônia Legal –, você tem Hilux, soja e desigualdade. Isso não trouxe um desenvolvimento coletivo, trouxe o que o capital traz: concentração de renda. E o impacto ambiental é o coletivo, já que as pessoas estão tomando água com mercúrio e contaminadas por agrotóxicos. 

Existem experiências de políticas públicas que você cita como promissoras na hora de pensar na agenda climática nos governos?
Temos mais proximidade com as políticas municipais. Existe a política de merenda escolar com base na produção orgânica da reforma agrária. Isso é um super exemplo, porque tem todo um processo de incentivo à produção agroecológica, a permanência da família de agricultores de território, manutenção dos vínculos culturais, ao mesmo tempo você promove um processo de mitigação da insegurança nutricional.

Existe a política de compostagem municipal, de Florianópolis. É uma usina de compostagem; a cada ano, vai reduzindo a quantidade de resíduo orgânico que vai pro aterro sanitário. Ao mesmo tempo aumenta a vida útil do aterro e diminui as emissões de metano enquanto você produz insumo. 

Existem ainda aquelas olhando para os tributos. IPTU verde, IPTU amarelo. Olhando para pessoas impactadas por eventos extremos, pensando em mitigação, têm a política de abono dos impostos municipais em Rio Branco, feita depois do alagamentos. É temporária, mas que vem a apoiar as pessoas impactadas para que não precisem pagar impostos até comporem suas residências. 

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A nível nacional, existe uma política de apoio financeiro para agricultores familiares que foram impactados por perda de safra mas também por redução na produção em comparação aos últimos anos, por causa da crise. 

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(João Barreto/Ilustração)

“Nos estados do Norte do país, você encontra Hilux, soja e desigualdade. Isso não trouxe um desenvolvimento coletivo, trouxe o que o capital traz: concentração de renda. E o impacto ambiental é o coletivo, já que as pessoas estão tomando água com mercúrio e contaminadas por agrotóxicos”

O que realmente falta para avançarmos com a agenda climática nas governanças?
A leitura que precisamos ter, a mais importante, é que já temos a tecnologia, os exemplos e a necessidade. O que não temos é governança e vontade política. E isso é um sintoma da falta de engajamento das pessoas eleitas, mas também em menor instância, da falta de capacidade técnica de quem trabalha dentro da política institucional. Não falo no sentido pejorativo, tem profissionais incríveis que trabalham com o assunto, mas muitas secretarias nunca ouviram ou tiveram o fortalecimento de suas capacidades para pensar em políticas climáticas. 

Existe ainda a necessidade de engajamento para além das eleições. Sinceramente, não acho que o resultado [desse ano] vai ser bom, a nível de legislativo. A forma como o bolsonarismo esvaziou as instituições e passou a competência de orçamentos pro legislativo, uma forma muito pouco transparente, vai gerar parlamentos semelhantes ao que temos agora.

Apesar de trabalharmos com isso, de tentar estimular o voto pelo clima, isso só vai acontecer a nível necessário quando houver uma mudança cultural no brasil, que o clima se torne uma das prioridades. Isso não está acontecendo agora, então, no dia 2 [dia após as eleições] a gente precisa de mais pessoas cobrando e impondo políticas climáticas. 

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