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Amar sem possuir

Contra a lógica heteronormativa, há muitas outras possibilidades de relacionamentos. Conheça as histórias de três mulheres não monogâmicas e LGBTQIA+

por Heloisa Aun Atualizado em 9 set 2020, 18h00 - Publicado em 7 set 2020 01h34
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(Clube Lambada/Ilustração)

a letra de Estranho amor, Caetano Veloso canta que “não importa com quem você se deite / que você se deleite seja com quem for”. E, se apertar o coração e for ciúme, a canção sugere: “deixa o ciúme passar e sigamos juntos”. Ao final, ele termina para que “lutemos, mas só pelo direito / ao nosso estranho amor”. A música de um dos maiores artistas brasileiros nada mais é do que uma poesia sobre liberdade de ser quem é e de se relacionar, com respeito e diálogo. Amar sem posse, sem exclusividade e sem restrição. Ao seguir o padrão enraizado da monogamia ter apenas um parceiro ou parceira , a maior parte de nós ainda se priva de discutir e experienciar as muitas outras possibilidades de relacionamentos. Sim, é normal gostar ou se atrair por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

A monogamia é um sistema determinado e mantido por uma sociedade heteronormativa e patriarcal, em que os casais são compostos por homens e mulheres cisgêneros, como indica a própria definição da palavra no dicionário. “Sistema ou costume que, durante a vigência do casamento, impõe ao homem ter uma única esposa, e à mulher ter um único marido”, diz a referência ao termo no Michaelis, consultada em julho de 2020. Quando iniciamos a vida afetiva e/ou sexual, somos levados a reproduzir um modelo culturalmente aceito, baseado nos princípios do amor romântico, muitas vezes sem ao menos questionar o quanto aquilo faz sentido para a nossa essência e os nossos desejos.

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(Gustav Klimt/Reprodução)

O problema da monogamia é o fato de ela ser compulsória e existir a partir de estruturas de poder, controle, possessão e ciúme exacerbado, o que pode vir a desencadear abusos. Outra questão é que, apesar de o tema ser tabu, uma parcela significativa dos casais já passou por traições, o que se dá de maneira extremamente naturalizada. Não se enquadrar dentro de uma lógica monogâmica de relacionamento não pressupõe que a pessoa queira ter um companheiro ou companheira por dia, ou que deseje só se divertir a qualquer custo. Muito pelo contrário. A não monogamia não é uma caixinha fechada, pois dentro dela há múltiplas formas de se relacionar, e com responsabilidade afetiva, como o relacionamento aberto, o poliamor e o amor livre.

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O que poucas pessoas param para pensar é que a base de um relacionamento não monogâmico é a mesma que deveria existir no monogâmico: o diálogo. Talvez a grande diferença entre os dois tipos de “contratos” seja a facilidade de criar novas conexões, no caso do primeiro, sem determinar limites prévios. Dentro ou não de um namoro ou casamento, o indivíduo que segue a vida sob uma ótica monogâmica, ao investir em qualquer relação, acaba por escolher abrir mão das demais para estar naquela atual. Além de todos os pontos questionáveis, isso instaura uma pressão no relacionamento, como se ele tivesse de ser definitivo.

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(Gustav Klimt/Reprodução)

Assim como a monogamia não deveria ser imposta, a não monogamia também não pode ocorrer desse mesmo modo. Não há certo ou errado e muito menos superioridade em termos de relacionamento, mas é essencial que cada um possa pensar e refletir sobre o que faz mais sentido em sua vida e na de seus parceiros. Elástica conversou com três mulheres não monogâmicas e LGBTQI+ para entender suas histórias, experiências e tudo mais que há dentro dessas outras maneiras de amar, de ser amado e de se conectar.

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Evelyn Falcão

24 anos, designer de joias e maquiadora (Rio de Janeiro)

“Sempre fui muito livre. Nunca me apoiei nessa base de relacionamento com uma pessoa só, tanto é que só fui ter meu primeiro namoro mais tarde, aos 19 anos. Nessa época, conheci o Theo, com quem já estou há mais de quatro anos, e depois o Arthur. Os dois, meus atuais maridos, são homens trans, e começamos a nos relacionar quando eles se identificavam com o gênero feminino. Hoje, moramos juntos e até pouco tempo atrás vivíamos em uma casa com minha mãe e meu irmão. Minha mãe estranhou quando falei sobre o trisal, mas ela sempre me deu muita liberdade de escolha. O ponto principal para a aceitação de toda a família foi a conversa. No fim, todos nós nos dávamos bem e convivíamos no dia a dia.

Me apaixonei pelo Arthur em um período que estava separada do Theo. Mesmo terminados, continuamos a nos relacionar, e, quando você tem contato com uma pessoa que ama, o vínculo persiste estabelecido. Os dois já se conheciam pela internet e, nesse período, ficaram amigos, mas eu comecei a me apaixonar pelo Arthur e o Theo também passou a sentir o mesmo. Foi assim que restabelecemos a relação e meu segundo marido entrou no trisal. Estamos há 10 meses juntos.

Quando passei a me relacionar com ambos, eles se identificavam como mulheres e acreditavam que fossem lésbicas. Com a transição e o nosso relacionamento a três, hoje se assumiram como bissexuais. O namoro mudou a forma como eu me enxergo. Desde nova, tinha um olhar diferente, mais ligado às mulheres, e para mim era super normal ter interesse nelas. O tempo passou e não me envolvia tanto com as pessoas, pois quando criança não acreditava no amor e achava que ele atrapalharia minha carreira profissional, além da estabilidade emocional. Aos 18, me apaixonei por uma menina e me assumi lésbica, já que não tinha tido contato com homens, nem cis e nem trans. Agora, ao me apaixonar pelo Theo e pelo Arthur, vi que realmente sou bissexual. Negar isso é invisibilizar toda uma existência deles.

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“Aos 18, me apaixonei por uma menina e me assumi lésbica, já que não tinha tido contato com homens, nem cis e nem trans. Agora, ao me apaixonar pelo Theo e pelo Arthur, vi que realmente sou bissexual. Negar isso é invisibilizar toda uma existência deles”

Evelyn Falcão

Aos 19 ou 20 anos, não tinha tido contato com a militância. Isso aconteceu quando entrei para a escola de artes e me envolvi com questões sociais. Por esse motivo, acabava mais centrada apenas no que dizia respeito a minha vivência. O Theo, que ainda usava o nome de batismo e se dizia não-binário, ficou pensativo sobre me contar que se identificava como homem e apenas me dava pistas, pois tinha medo que eu, como mulher lésbica até então, não o aceitaria. Foi aí que comecei a pesquisar e a entender junto com ele. Nesse início da transição do meu marido, evoluí muito mentalmente para as questões comigo mesma e em sociedade. Como já tinha vivido uma experiência similar, fui a primeira a saber sobre o Arthur, que iniciou a transição pouco tempo atrás, depois que começamos a morar os três juntos. Tudo fluiu bem mais leve dessa vez e esse apoio facilitou o processo para ele também.

No geral, as famílias dos dois não reprimem a identidade de gênero deles, pelo menos nunca ouvi nada de ruim. Já sobre o trisal, eu percebi que, quando as pessoas passam a participar e a olhar de perto, elas veem que realmente existe o amor e que um cuida do outro. É comum perguntarem se eles se relacionam mais comigo apenas, e não entre eles, porque o tabu é maior ao falar que somos um trisal. Outra questão é sempre acharem que, por causa do nosso tipo de relação, podemos ficar com quem quisermos. Hoje em dia, nosso casamento está fechado. Eu, particularmente, tenho preocupação com o fato de rolar algo para além do sexual e fico com medo de doenças.

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A poligamia ainda é muito restrita, uma vez que não faz parte do cotidiano das pessoas por inúmeros motivos, seja pelo machismo, pela autoestima ou pela insegurança. Ao contrário do que pensam, quando o Arthur entrou na relação, o meu amor e do Theo se fortaleceu, em especial individualmente. Isso prova que não existe essa ideia de “dividir” o amor e a atenção. Antes de lidarmos a três, a gente lida um com o outro. Hoje, o que mais levo em consideração é que não estou me relacionando só com uma pessoa, mas sim, com duas, e elas tiveram vivências e criações diferentes, então, é óbvio que terei um jeito diferente de tratar, conversar e cuidar de cada uma.

Isso tudo ocorre quando você tem de lidar com mais de um amigo ou vive com vários familiares. Relações são nada mais nada menos do que relações. O que muda nelas é o convívio diário, mas o sentimento é o mesmo: amor é amor e ele não muda. Sou apenas eu lidando com duas pessoas, ao invés de uma. Por isso, a base do nosso relacionamento é sempre a conversa. Nesse tempo, aprendi a ouvir e a entender a vivência do outro, porque, se eu não tivesse uma relação com eles, nunca iria entender o que uma pessoa trans e o que um corpo negro passa no mundo, vivências que não acontecem comigo. Vivencio frente a frente o que eles passam e só assim, de fato, consegui me colocar no lugar deles. Essa relação evoluiu não só o meu pensamento, mas principalmente minha relação de pessoa com pessoa.”

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Raquel*

33 anos, artista plástica e confeiteira (Brasília)

“Conheci meu marido quando tinha 17 anos e ele, 18. Namoramos à distância por um ano e meio até que fui morar com ele. Eu fui a primeira vez dele e ele, a minha. Depois de cinco anos juntos, casamos. Sempre fomos muito abertos em compartilhar um com o outro se havia alguém interessante por perto, e ambos tinham a fantasia de ficar com outras pessoas, mas servia mais como brincadeira entre nós para alimentar a nossa paixão. Para mim, sempre foi muito claro que sexo é só um apetite como qualquer outro, e nunca tive nenhuma dúvida do amor dele por mim, então não consideraria uma coisa tão importante se ele transasse com outra pessoa, contanto que fosse verdadeiro comigo em todas as etapas do processo. Nessa época, eu achava que não tinha necessidade de me relacionar com outros parceiros e parceiras, mas hoje percebo que, na verdade, meu medo me impedia de construir conexões novas, e era muito mais confortável para mim não correr esse risco.

Em alguns momentos, consideramos nosso relacionamento como aberto, mas nunca rolava nada com ninguém, com exceção de alguns “amassos”. E, mesmo antes até de termos a experiência prática do sexo fora do casamento, começamos a perceber as implicações morais de buscar sexo casual. Acredito que, assim como qualquer outro apetite, não podemos nos deixar controlar pelo desejo sexual, pois podemos cair em comportamentos autodestrutivos. Não é minha intenção julgar o comportamento de ninguém, mas, para nós, não parecia coerente com nossos valores – por isso, decidimos fechar totalmente o casamento. Nos comprometemos a ser ainda mais verdadeiros sobre tudo o que sentíamos e o que nos incomodava. Abrimos várias caixinhas de sombras que escondíamos um do outro, de motivações, desejos, medos, carências… Isso fez a gente se conectar mais sexualmente e emocionalmente.

“Para nós, o poliamorismo não surgiu de um lugar de carência, mas, sim, como uma expressão de expansão do nosso amor. Amamos tanto um ao outro, e nos fazemos tão bem, que queremos cultivar esse amor com outras pessoas”

Raquel*

Até que, quando estávamos vivendo o que considerávamos o auge da nossa conexão, ambos extremamente felizes, realizados e completando 14 anos juntos, o meu marido conheceu uma mulher incrível no trabalho. Eles se encantaram muito um com o outro em vários sentidos. Demonstrei interesse em conhecê-la e, depois de duas semanas, nós dois estávamos apaixonados por ela. Durante mais ou menos um ano, vivemos uma amizade e, em seguida, um romance lindo, embora desafiador, que nos fez questionar várias questões de relacionamento que cultivávamos como casal e nos fez perceber que não queremos mais voltar à monogamia. Muitos justificam a lógica da não monogamia em um sentido de desafiar a expectativa de que uma só pessoa vai nos completar, e concordo que esse fato é pouco realista e causa muitos danos. Mas, para nós, o poliamorismo não surgiu de um lugar de carência, mas, sim, como uma expressão de expansão do nosso amor. Amamos tanto um ao outro, e nos fazemos tão bem, que queremos cultivar esse amor com outras pessoas.

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Na fase em que estávamos namorando a mesma pessoa, já tínhamos nossas filhas, o que atrapalhou um pouco no sentido logístico. Só conseguíamos sair os três juntos quando as avós ou tios estavam disponíveis para ficar com as crianças, pois pagar uma babá à noite ficava muito caro e, no início de namoro, a vontade era sair quase todo dia. Muitas vezes, tivemos que revezar entre os dois ou recebê-la aqui em casa após as meninas dormirem. Também há a dificuldade em relação ao julgamento das pessoas sobre a influência que esse tipo de estrutura relacional pode ter nas nossas filhas. Há uma presunção de que estaríamos expondo elas à imoralidade, mas isso parte da premissa de que a não monogamia é imoral, então o problema não é o fato de termos crianças e, sim, a não aceitação do poliamorismo como vivência válida e aceitável. Se acreditamos que toda forma de amor é válida e vivemos de acordo com isso, expondo as meninas de acordo com a idade que consideramos correta, não estamos as corrompendo, mas ensinando esses valores a partir do nosso exemplo.

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(Gustav Klimt/Reprodução)

Em todos esses anos, tive muitos aprendizados. Primeiro, que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. O amor não é material: ele não se perde quando se compartilha. Entendemos isso perfeitamente no caso de amor filial, paternal ou fraternal. Não se perde nada do amor que se tem pelo primeiro filho quando nasce o segundo. Isso também é verdade no amor romântico. Amar outra pessoa, inclusive, aprofundou e fortaleceu o amor pelo meu marido. E essa vivência nos trouxe um novo sentimento, chamado de compersão, que é sentir prazer por saber que o seu parceiro está feliz com outra pessoa. Basicamente, é o oposto do ciúme – e é muito maravilhoso.

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A segunda é que só podemos ser verdadeiros com nossos parceiros se somos verdadeiros com nós mesmos. Muitas vezes, criamos narrativas falsas sobre quem somos ou o que queremos e, ao continuar sustentando essas inverdades para nós mesmos e para os outros, isso vai nos corroendo e destruindo. É muito melhor se confrontar com quem a gente é de verdade, mesmo que não gostemos disso, e, assim, tentar mudar o que queremos que seja diferente. É claro que isso vale para a monogamia. O poliamorismo tem favorecido muito esse autoconhecimento, porque cada pessoa que entra na minha vida íntima é um novo universo de experiências e conhecimentos que só ela poderia proporcionar, e eu não preciso abrir mão do compromisso que já tenho formado no meu casamento para isso.

Os desafios que senti no relacionamento não monogâmico são os mesmos de um relacionamento monogâmico, mas ampliados no sentido da quantidade de indivíduos que têm de ser contemplados. Manter qualquer relacionamento saudável pressupõe aprender a se comunicar de maneira construtiva, harmonizar os desejos e deveres de todos os envolvidos, planejar o tempo, conciliar as expectativas e sonhos de todos, e lidar com emoções negativas presentes em qualquer relacionamento, como frustração, insegurança, ciúme, carência etc. Claro que há o desafio adicional do julgamento e do preconceito da sociedade, pois há um estigma que é inescapável quando se vive isso abertamente. De qualquer forma, é preciso muita coragem, porque viver isso traz à tona muitas sombras. Tudo que não está bem resolvido aparece rapidinho, tanto individualmente quanto nas relações.”

*O sobrenome foi preservado a pedido da entrevistada

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(Gustav Klimt/Reprodução)

Michelly Cristine Rosa

23 anos, escritora (Curitiba)

Comecei a pensar sobre a não monogamia no começo de 2019, embora os meus relacionamentos anteriores já não seguissem a lógica tradicional, pois nunca me importei pelo fato de a pessoa com quem me relaciono ficar com outras. Esse tipo de relacionamento [monogâmico] foi imposto para mim: eu sempre era a outra, a preterida, uma vez que sou uma mulher negra e gorda, então já fui muito fetichizada. Como fico com mulheres, acredito que a monogamia traz essa raiz da heteronormatividade. Claro que você pode reproduzir esse modelo em relacionamentos homoafetivos, mas isso não aconteceu em grande escala comigo.

O meu primeiro namoro aberto aconteceu no final de 2019, com minha ex-companheira, com quem me relaciono até hoje, mas não de uma forma romântica. Nós fizemos um teste na base do acerto e erro, já que era algo totalmente novo para ela também, mas estávamos muito dispostas e sempre conversamos muito. Isso deveria ser o principal pilar de qualquer relacionamento, seja ele monogâmico ou não monogâmico. A não monogamia explora a questão do desejo, do querer, tanto físico, quanto emocional, tendo a liberdade de falar sobre tudo isso com seu parceiro ou parceira. Não é sobre a quantidade de pessoas que você fica, pois poliamor sem responsabilidade afetiva é “policonsumo”. É você conhecer com quem se relaciona e criar vínculos honestos.

Conheci minha atual parceira enquanto namorava a minha ex. Na época, eu e minha antiga companheira não estávamos mais nos relacionando de forma romântica, mas a gente não tinha terminado porque nos damos muito bem e foi difícil entender isso. Minha namorada de hoje já sabia desde o início que eu não sou monogâmica. Quando você conversa, não dá espaço para mal-entendidos, e acompanha como a outra pessoa está se sentindo na relação e se continua confortável com esse formato. Ela acompanhou o meu término anterior e, depois dessa fase, começamos a namorar e moramos juntas agora. Tem sido uma experiência muito boa, principalmente porque temos muita abertura para diálogo. Isso é o mais importante.

As pessoas, de modo geral, têm dificuldade de entender uma outra noção de companheirismo e isso vem do sistema que vivemos. O capitalismo está ligado à monogamia, porque propaga esse sentimento de posse e poder de um sobre o outro. O preconceito surge pelo fato de ser algo novo, diferente do normal, e somos levados a não questionar essa imposição. Também tem o fato de muita gente olhar para a não monogamia e estereotipar como se fossem pessoas que só querem diversão, que não desejam compromisso. Claro que há uma parcela que usa essa forma de relacionamento para isso, mas não é a maioria. Eu compreendo meu tipo de relacionamento como algo ligado à responsabilidade: ser responsável com você mesmo e com a outra pessoa e seus sentimentos, e, a partir disso, lidar com as demandas que aparecem.

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“Não é sobre a quantidade de pessoas que você fica, pois poliamor sem responsabilidade afetiva é “policonsumo”. É você conhecer com quem se relaciona e criar vínculos honestos”

Michelly Cristine Rosa

Todo o percurso de ir contra o esperado socialmente me fez aprender muitas coisas. Aprendi sobre diálogo, respeito às necessidades do outro, e, acima de tudo, a entendê-lo. Aprendi a olhar para a outra pessoa sem o sentimento de posse, como se fosse “minha”. Hoje, olho para ela como uma pessoa com quem me relaciono e que tem suas vontades, quereres e necessidades. Aprendi, ainda, que tanto eu como a minha parceira não estamos ali para atender expectativa alguma, mas sim, para ser quem realmente somos. Entendi que você não precisa ficar, necessariamente, com várias mulheres, e está tudo bem. Pode se relacionar com mais uma pessoa ou mesmo ninguém. Cada um tem seu tempo e seus processos, pois não é certo tratar [a não monogamia] apenas como consumo de outros corpos, mas sim, como relação com seres humanos.

Antes de lidar com o outro, a não monogamia me forçou a lidar com a minha essência. Depois, juntas, tivemos de lidar com as demandas que aparecem na relação. Estar em um relacionamento aberto não significa que o ciúme não existe, pois é normal senti-lo. Nesse caso, procuro sentar e conversar, deixando aberto o canal de diálogo. Um dos maiores desafios é você ser responsável consigo mesma e com as demais parceiras. É muita honestidade, conversa e tempo. Este é o segredo: todos nós temos vulnerabilidades e podemos falar sobre isso.

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(Gustav Klimt/Reprodução)

Já o processo até me assumir como lésbica foi muito difícil. Eu vivia numa cidade muito pequena, chamada Aurora, em Santa Catarina, com 5 ou 6 mil habitantes, e meus pais eram pastores. Passei a sentir atração por mulheres por volta dos 13 anos, quando comecei a entender sobre minha sexualidade. Era difícil assumir porque vivi com essa base cristã, em que a heterossexualidade é a norma e não há outra possibilidade. Por isso, reprimi isso o máximo possível, achava que era errado e até mesmo que iria para o inferno. Aos 18 anos, beijei uma mulher pela primeira vez e aquilo foi revolucionário. Não consigo descrever em palavras o que senti. A partir daí, passei a me afirmar como bissexual, mas nesse processo entendi que não tinha mais qualquer atração física e emocional por homens.

Eu venho lidando com isso desde então, em meio à imposição de uma lógica heteronormativa. Quando você se relaciona com uma mulher e reproduz o padrão, é bem complicado, e eu fiz muito dessa forma até entender o quão errado era. Junto disso, descobri a não monogamia. Foi uma loucura vivenciar tantas descobertas, mas, hoje em dia, me orgulho muito disso. Minha família me aceita enquanto mulher lésbica, atualmente, mas também respeito que há o tempo deles, decorrente da diferença entre as realidades. Já sobre a não monogamia, ainda não contei porque vou aos poucos apresentando a minha vida, conforme eles me dão liberdade para isso. Não quero impor nada e acredito que não tenha espaço agora.

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As imagens que ilustram essa matéria são do artista austríaco Gustav Klimt, cuja obra está em domínio público.

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