a letra de Estranho amor, Caetano Veloso canta que “não importa com quem você se deite / que você se deleite seja com quem for”. E, se apertar o coração e for ciúme, a canção sugere: “deixa o ciúme passar e sigamos juntos”. Ao final, ele termina para que “lutemos, mas só pelo direito / ao nosso estranho amor”. A música de um dos maiores artistas brasileiros nada mais é do que uma poesia sobre liberdade de ser quem é e de se relacionar, com respeito e diálogo. Amar sem posse, sem exclusividade e sem restrição. Ao seguir o padrão enraizado da monogamia – ter apenas um parceiro ou parceira –, a maior parte de nós ainda se priva de discutir e experienciar as muitas outras possibilidades de relacionamentos. Sim, é normal gostar ou se atrair por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
A monogamia é um sistema determinado e mantido por uma sociedade heteronormativa e patriarcal, em que os casais são compostos por homens e mulheres cisgêneros, como indica a própria definição da palavra no dicionário. “Sistema ou costume que, durante a vigência do casamento, impõe ao homem ter uma única esposa, e à mulher ter um único marido”, diz a referência ao termo no Michaelis, consultada em julho de 2020. Quando iniciamos a vida afetiva e/ou sexual, somos levados a reproduzir um modelo culturalmente aceito, baseado nos princípios do amor romântico, muitas vezes sem ao menos questionar o quanto aquilo faz sentido para a nossa essência e os nossos desejos.
O problema da monogamia é o fato de ela ser compulsória e existir a partir de estruturas de poder, controle, possessão e ciúme exacerbado, o que pode vir a desencadear abusos. Outra questão é que, apesar de o tema ser tabu, uma parcela significativa dos casais já passou por traições, o que se dá de maneira extremamente naturalizada. Não se enquadrar dentro de uma lógica monogâmica de relacionamento não pressupõe que a pessoa queira ter um companheiro ou companheira por dia, ou que deseje só se divertir a qualquer custo. Muito pelo contrário. A não monogamia não é uma caixinha fechada, pois dentro dela há múltiplas formas de se relacionar, e com responsabilidade afetiva, como o relacionamento aberto, o poliamor e o amor livre.
O que poucas pessoas param para pensar é que a base de um relacionamento não monogâmico é a mesma que deveria existir no monogâmico: o diálogo. Talvez a grande diferença entre os dois tipos de “contratos” seja a facilidade de criar novas conexões, no caso do primeiro, sem determinar limites prévios. Dentro ou não de um namoro ou casamento, o indivíduo que segue a vida sob uma ótica monogâmica, ao investir em qualquer relação, acaba por escolher abrir mão das demais para estar naquela atual. Além de todos os pontos questionáveis, isso instaura uma pressão no relacionamento, como se ele tivesse de ser definitivo.
Assim como a monogamia não deveria ser imposta, a não monogamia também não pode ocorrer desse mesmo modo. Não há certo ou errado e muito menos superioridade em termos de relacionamento, mas é essencial que cada um possa pensar e refletir sobre o que faz mais sentido em sua vida e na de seus parceiros. Elástica conversou com três mulheres não monogâmicas e LGBTQI+ para entender suas histórias, experiências e tudo mais que há dentro dessas outras maneiras de amar, de ser amado e de se conectar.