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A educação sentimental de Antonio Kuschnir

O carioca de 21 anos transformou seu choro em uma mostra de 73 pinturas exibidas no salão principal do MAC-Niterói – é o artista mais novo a expor ali

por Humberto Maruchel 10 Maio 2022 01h51
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(Clube Lambada/Ilustração)

em vezes que questões pessoais ficam tanto tempo nos remoendo que, em determinado momento, transbordam de nós. Quase como uma catarse. E ganham forma de lágrimas que vêm sem aviso, de infinitas conversas com amigos e em terapia, ou até mesmo através da arte. O jovem carioca Antonio Kuschnir, de 21 anos, é um dos privilegiados que consegue expressar suas angústias (e felicidades) pela última delas. Com tinta, pincéis e telas – algumas que ultrapassam o dobro de sua altura – ele dá forma a sentimentos, inclusive aqueles que ainda não sabe nomear, mas que precisam encontrar o caminho para fora, para o mundo. 

Antonio vive um momento excepcional, histórico, diga-se de passagem: é o mais jovem artista a expor no salão principal do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no Rio de Janeiro, o famoso prédio circular projetado por um dos maiores arquitetos do Brasil, Oscar Niemeyer. 

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Nos primeiros dias de setembro de 2018, numa época em que o significado de pandemia, para a maioria, era ainda limitado aos livros de história, Antonio plantava a semente da exposição. Estava no terceiro ano do Ensino Médio e havia terminado uma prova de treino para o Enem. Enquanto esperava o fim da aula, desenhava no canto do caderno. Naquela circunstância, se debatia com alguns pensamentos. Um deles o deixava aflito.

No dia anterior, em 2 de setembro, o Museu Nacional do Rio de Janeiro havia sido destruído pelas chamas. Uma parte considerável dos momentos da sua infância foram ali. Havia uma história pessoal com o museu. Sua mãe, Karina, trabalhou 13 anos no local como pesquisadora no setor de Antropologia. E assim como 90% do acervo que virou cinzas, suas memórias pareciam entrar em colapso. Seu choro ganhava os primeiros rabiscos. 

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Toda arte é um pouco de uma mistura da nossa vida pessoal com as impressões do mundo em que vivemos”, diz ao lembrar.

No ano seguinte, as lágrimas se desdobraram em outras pinturas. Suas aflições, seus medos permearam as telas, dezenas delas. Traduzia, incansavelmente, o que sentia e o que via ao seu redor, mas ainda não enxergava uma coesão naquilo que criara. Até que veio a pandemia. Então, as aflições ganharam rosto. “O sentimento era de angústia somado ao isolamento da pandemia, com as figuras meio que presas e sem poder se mexer. Eu fui percebendo que tinha ali um fio condutor.”

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Os sentimentos já não eram tão enigmáticos, pois o mundo todo compartilhava as mesmas angústias. “Parece que tudo começou a fazer sentido porque eu não estava apenas explorando questões minhas, mas questões da internet, do isolamento, da ansiedade e do medo.”

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(Antonio Kuschnir/Arquivo)

Quem sou eu agora?

Três anos se passaram desde aquela prova e Antonio está prestes a completar a graduação na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e inaugurou no último sábado, 30 de abril, a exposição no MAC. 

A mostra “Choro”, que permanece em cartaz até 26 de junho, compõe a programação da agenda “Modernismo(s): A Semana de 22 e Depois” e do programa Cultura é um Direito, e tem curadoria de Victor Valery, que hoje é seu representante. O espaço de cerca de 300 m² é ocupado por 73 telas, de diversos tamanhos, produzidas entre 2019 e 2022. Mas ficou de fora aquele pequeno rascunho, o esboço da exposição, que ficou perdido em seus papéis. 

Pergunto o motivo de tantas pinturas. “Porque eu sou doido”, ele brinca. Mas, há também, por outro lado, o desejo de explorar ao máximo essa oportunidade. 

A arte não surge como uma coisa que eu faço porque estou sem mais nada para fazer, ela é uma necessidade, ela é a minha vida. Senti que era uma coisa que eu precisava fazer e tive a oportunidade de ter um espaço que abrigasse uma grande quantidade de telas.”

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“O choro vai desde mim, do que eu estou sentindo, dos meus amigos, minha família, até o conceito mais abstrato, histórico e mitológico do que é o sofrimento”

Apesar da pouca idade, Antonio já encontrou um estilo bem definido. Seus quadros retratam figuras contorcidas em gestos melodramáticos. Não por coincidência, o choro é muito presente. Muitos são corpos gigantescos, desfigurados, que se debulham em lágrimas. Alguns segurando celulares. Há algumas referências diretas. Suas figuras remetem às imagens de Candido Portinari, de Francisco Goya, ao popular “Abaporu”, de Tarsila de Amaral. Portinari é sua maior inspiração na arte, justamente pela preocupação com o contexto social. 

Não é apenas o seu choro nas telas. “O choro vai desde mim, do que eu estou sentindo, dos meus amigos, minha família, até o conceito mais abstrato, histórico e mitológico do que é o sofrimento.”

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(Choro com espada e celular (2021). Antonio Kuschnir/Reprodução)

Arte é a minha vida

É em um ateliê no bairro Botafogo, na zona sul do Rio, que Antonio passa uma grande parcela do seu dia, ou melhor, de sua vida. Acorda entre 6h e 7h, caminha até o prédio que dá vista privilegiada ao Cristo Redentor e se põe a pintar. “É o lugar mais importante para mim, tem sido o centro da minha vida.” 

A propriedade é apinhada de cavaletes e de telas, muitas penduradas e outras tantas encostadas pelos cantos. É necessária muita atenção para não derrubar nenhuma delas ao visitar o espaço. No quarto dos fundos, em meio às pinturas, há um colchão, que vez ou outra o jovem usa para dormir – algo que tem sido frequente nos últimos meses. Esse parece ser o coração do ateliê, onde Antonio monta as maiores pinturas. Uma delas, que foi para a exposição, estava dividida em várias telas nas esquinas do estúdio.

Apesar de não ter apego a um método fechado, ele gosta da rotina e busca manter uma disciplina. Dificilmente pula um dia de trabalho, ainda que seja ele seu próprio gerente. Há um motivo: ele acredita que não existe tal coisa de inspiração inata. A criatividade vem com muito suor e a disciplina parece ser sua maior aliada há muito tempo. “A musa da inspiração vai te encontrar se você estiver trabalhando sempre no mesmo lugar.”

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Quando começa a trabalhar em uma nova pintura, ele gosta de se deixar surpreender com o resultado. Na maioria das vezes, não chega com uma ideia pronta ou algo que gostaria de reproduzir a partir de um esboço. Exceto quando há uma grande tela a ser produzida, como foi o caso de um painel de 12 metros.  

Antonio convidou a irmã e os melhores amigos, alugou um espaço maior do que o ateliê, e colocou todos para pintar. Poucos ali tinham experiência ou habilidade com a pintura. A obra deve ocupar o centro do salão. O seu objetivo maior era a experiência coletiva, pois “a pintura é uma arte bastante solitária.”

Igual à escrita, eu digo a ele.

No entanto, para o artista, há um momento em que a solidão se encerra: quando a obra é apresentada ao público ou compartilhada com outros, como é o caso de um jornalista enxerido que visita seu espaço.

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(Antonio Kuschnir/Divulgação)

Há uma relação entre pintar e escrever, volto a dizer. Exceto pelo fato de que na escrita é mais fácil retificar uma ideia. Enquanto que na pintura, o improviso e a descoberta são centrais, ao menos no estilo que o jovem desenvolve. Na escrita, especialmente a jornalística, estamos sempre em busca de respostas. Já na pintura, não é tanto uma resposta que ele busca, mas um ponto de partida, que pode ser qualquer coisa.

“Costumo partir de algum sentimento, de alguma memória de alguma emoção ou referência que me desperta vontade de produzir. Mas acho que a graça vem do mistério que é a criação.” 

“A musa da inspiração vai te encontrar se você estiver trabalhando sempre no mesmo lugar”

Muitas vezes, acontece de se reconhecer na tela após terminá-la. Recorda uma situação em que havia terminado um namoro e, concluído o trabalho, se viu retratado nela. “Nosso inconsciente trabalha pela gente. Tem coisas que fiz sem qualquer intenção.”

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(Quando eu te vi no celular quando você me viu no celular (2019). Antonio Kuschnir/Reprodução)

O que une tudo é a vida

É lógico pensar que, para um artista, ser convidado a expor em um dos museus mais importantes do país é a conjunção de uma série de fatores. Por um lado, há o aspecto do privilégio de poder se dedicar integralmente ao seu ofício, mas por outro, há uma vocação amadurecida desde muito pequeno.

Antonio começou a pintar muito novo. Era o tipo de criança que estava sempre com um giz ou lápis na mão. Sua mãe lembra que as tias de creche pediam para guardar suas pinturas. E, aos seis anos, deu um passo fundamental para desenvolver por completo sua paixão: participou de uma aula aberta no Parque Lage de pintura. E nunca mais parou. 

Quando conversei com Antonio pela primeira vez, imaginei um jovem introvertido e com pouca disponibilidade para socializar e viver sua juventude. Mas não é bem assim. Ele tem interesses parecidos com os de outros jovens de sua idade. Gosta de ir à praia, ouvir música pop, de se dedicar aos amigos e namorar. 

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Escutar ele falar sobre suas obras me convence de que a maneira como vive é imprescindível para sua criação. “O que une tudo é a vida, é a emoção humana”, ele resume.

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