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Mussum, o Filmis

Depois de fazer a rapa no festival de Gramado, longa sobre este ícone da arte brasileira tem maior estreia do cinema nacional em 2023
por Gabriela Rassy Atualizado em 29 nov 2023, 12h40 - Publicado em
29.11.2023
12h10
Mussum, o Filmis/Divulgação
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Dos Originais do Samba a Os Trapalhões, passando pela Mangueira e pelos corações de todos neste Brasilzão, Mussum não pode ser considerado outra coisa senão um ícone. Em cartaz nos cinemas de todo o país, “Mussum, o filmis” narra a trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes.  Desde a infância, passando pela carreira militar, pela relação com o Carnaval e o samba carioca, até chegar na televisão.

Baseado no livro “Mussum – uma história de Humor e Samba”, de Juliano Barreto, o filme reúne momentos menos conhecidos e explorados da vida do artista, trazendo para a tela (e para o set de filmagem) um elenco majoritariamente negro.

“Eu acho que faz parte de uma construção da nossa pauta, de reafirmação da nossa pauta, que eu acho que vai render muitos frutos”, acredita Ailton Graça, protagonista – ou melhor, prEtagonista, como ele mesmo diz – da fase em que Mussum integra Os Trapalhões. 

cena-do-filme-mussum-o-filmis-dirigido-por-sílvio-guindane-e-roteirizado-por-paulo-cursino
(Mussum, o Filmis/Divulgação)

“Nada sobre nós, sem nós. É o lugar da fala, eu acho que esse lugar é legítimo, nós temos que construir isso. Mas eu, como ator, também quero fazer outros personagens, tá? Não só viver de protagonista, eu quero fazer pessoas”, argumentou o ator. “Posso fazer futuramente o presidente da nação brasileira, o Yuri pode fazer o presidente da nação americana, e está tudo certo. A gente tem que fazer esses personagens. Quando você escreve, você não define a cor. E esse personagem, que é papel, ele só vai virar verdade se ele tiver atores para poder desenvolver”, disse. 

Já a também veterana Neusa Borges diz nunca ter trabalhado tanto como nos últimos dois anos e que está na “moda” chamar atores negros. “Eu sempre tive uma implicância muito grande com diretores, autores, produtores, que vêm com essa conversa de que não existe atores negros no Brasil. Isso já doeu para muitos, até para aqueles que se foram. Eu sempre pensei: não existia para nós oportunidade e nem continuidade, sequência de trabalho”.

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Cinnara Leal concorda em partes. “Mais do que na moda, uma luta que a senhora [Neusa Borges] construiu, que muitos construíram, como Grande Otelo, muito antes de nós. E a gente continua lutando, porque é um filme entre milhares. Você precisa manter aquela pessoa. Ela só se torna grande se tem constância”, pontua. 

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No Festival de Gramado não teve para ninguém. Os atores Thawan Lucas Bandeira, Yuri Marçal (que ganhou melhor ator coadjuvante no Festival de Gramado) e Ailton Graça (melhor ator) interpretam Mussum em 3 fases diferentes de sua trajetória. A veterana Neusa Borges também foi premiada como melhor atriz coadjuvante por interpretar Dona Malvina, mãe de Mussum, papel que divide com a atriz Cacau Protásio. “Mussum, o filmis” ainda levou o prêmio de Melhor Trilha Musical e Menção Honrosa pela caracterização feita por Martin Macias Trujillo. 

E não foi só para a crítica que “Mussum” chegou chegando. Segundo dados da Comscore, o longa arrecadou R$2 milhões somente no primeiro fim de semana de exibição, nos dias 4 e 5 de novembro.

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Confira a entrevista completa com Ailton Graça, Yuri Marçal, Neusa Borges e Cinnara Leal:

E como foi para vocês, Ailton e Yuri, representarem o Mussum? Qual é a inspiração que o Mussum traz para a carreira de vocês? 

Yuri Marçal: Nossa, é total! Eu acho que tem muito da própria referência dentro da arte, de ser um artista incrível, de ter sido muito bem sucedido em tudo que ele se propôs a fazer. Então, desde antes da arte, já na aeronáutica, todo mundo fala que ele era um excelente ??, super sério no militarismo, e conforme foi migrando para o samba, um excelente percussionista, um excelente músico. E dentro da comédia, dentro do humor em si, é muito forte, já era uma referência muito forte. Depois de pesquisar mais, aprender mais sobre a história, poder interpretar e entender muito das coisas que o Mussum viveu, que o Mussum pensou, que o Mussum conheceu e aprendeu, ficou mais referência ainda.

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Neusa Borges: Gente, eu sou uma nega-véia, 82 anos, 66 anos de carreira. Fui vizinha do Mussum, dos Originais do Samba, vi tudo quando começou, mas isso não me levou a fazer o filme. Eu sou uma atriz, fui convidada para fazer e tentei dar o meu melhor. Parece que deu certo e eu fico muito feliz com isso. Fomos muito bem dirigidas por um cara que não tem nada de diferente do Mussum, que é o Silvio Guindane. Quando a gente vai fazer um trabalho, não vai fazer o que a gente quer, vai fazer o que o personagem quer. Esse filme é um trabalho de atores conscientes do que estavam fazendo, a começar por Ailton Graça. Esse levou o filme e o Mussum nas costas com uma dignidade, com um amor, com um brilho, com tudo. E, sendo o Mussum ali, meu amor, você acha que esse aí não estava se vendo? Essa coisa enlouquecedora, linda, que está acontecendo? 

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Silvio Guindane, diretor de “Mussum, o Filmis” (Mussum, o Filmis/Divulgação)

E vocês chegaram em Gramado rapelando, né? Levaram tudo! E eu queria saber como foi isso para vocês. Vocês esperavam esse sucesso todo depois de tanto tempo de gestação do filme, que durou 10 anos?

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Neusa Borges: Cheguei. Cheguei e vou ficar. E vocês vão ter que me engolir! (risos)

Ailton Graça: Confesso que nunca tinha ido para Gramado, mas, gente, que cidade linda, que povo acolhedor, e que respira cinema. É um festival mega importante, eu não tinha ideia de tudo que eu ia encontrar lá. Então, eu já estava feliz de estar em Gramado, participando com o filme, junto com os meus pares. Tudo foi acontecendo e quando eu vi as premiações começando dentro do trabalho. Primeiro que a plateia se emocionava, sorria e eu estava ali do lado. Era a primeira vez que eu estava vendo o filme, o Yuri também. Foi emocionante. Acho que estou vivendo isso até agora, com todo o resultado que está acontecendo, toda essa movimentação, entrevista o tempo todo, falando do filme, enfim. 

Yuri Marçal: Às vezes, o Kikito fica em cima da minha televisão. Na prateleira, coloquei alguns prêmios, alguns troféus. Às vezes, eu estou deitado na sala, eu olho e penso ‘caramba, isso aconteceu mesmo’. 

Ailton Graça: Eu tenho um altar (em casa), que tem minhas imagens, meus santos lá, e eu tenho muita Nossa Senhora, meus orixás no cantinho. E aí, eu não tinha onde colocar, e coloquei o Kikito junto com a Nossa Senhora. Aí, minha esposa passou e falou ‘pronto, agora tem um Santo Kikito em casa’ (risos).

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Yuri Marçal: Foi muito legal, a gente estava numa energia muito linda ali, desde o dia que a gente chegou em Gramado, aí tá, a gente se encontra, hoje vai ser a exibição do filme, beleza. Combinamos de nos encontrar antes ali, pra entrar no Tapete Vermelho junto. Então, quando a gente se encontrou num quartinho, festejando, e cantando, e a gente não fazia ideia, eu não fazia ideia nem que eu estava concorrendo a ator coadjuvante! Na hora que falaram o meu nome, eu falei, ‘peraí, Yuri Marçal sou eu!’

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Ailton Graça: Ele tentando entender o que estava acontecendo, e a gente pulando, celebrando junto, gritando. O clima de festa, de ter um filme, que a gente tem, pô, tanto carinho já, tanto tempo, e ali já estava o Tapete Vermelho, já estava muito legal, poder assistir o filme, que a maioria do elenco, ou quase todos, assistiram o filme pela primeira vez ali, foi um outro êxtase, e depois a premiação para a Coroar, tudo isso aí.

 E lá você falou, Ailton, sobre ser o primeiro “pretagonista” da sua carreira, certo? 

Ailton Graça: É o primeiro protagonista, é o primeiro “pretagonista”, já estreia como no filme do Mussum. Dentro das nossas pautas, é importante que a gente fale da gente, né? Nada sobre nós, sem nós. É o lugar da fala, eu acho que esse lugar é legítimo, nós temos que construir isso. Mas eu, como ator, também quero fazer outros personagens, tá? Não só viver de protagonista, eu quero fazer pessoas, eu quero interpretar pessoas. Eu acho que posso fazer futuramente o presidente da nação brasileira, o Yuri pode fazer o presidente da nação americana, e está tudo certo. A gente tem que fazer esses personagens. A gente pode fazer o médico, a gente pode fazer o trabalhador comum, pessoas. Porque quando você escreve um personagem, você não define a cor, você define que ele é um personagem. E esse personagem, que é papel, ele só vai virar personagem se ele tiver atores para poder desenvolver. 

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

É não resguardar pessoas pretas para papéis tidos como “de preto”, né? 

Ailton Graça: Até porque é horrível, porque, assim, dentro de um pensamento da branquitude, do racismo estrutural, da construção da nossa cidadania, as pessoas ainda não estão habituadas, quando vêem que, ah, o Fred Nicácio é o médico! As pessoas ainda não estão habituadas a ver essas pessoas como um psicólogo, um médico obstetra. Então é bom que a gente também crie filmes onde está lá escrito que é um médico, e esse médico seja interpretado por uma pessoa trans, negra. O mundo precisa disso, precisa desse encaminhamento para que a gente crie um mundo melhor para todos. 

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É um filme muito emocionante, de um ícone da nossa cultura e de um elenco majoritariamente negro. E como é ter isso finalmente numa grande produção de cinema? 

Ailton Graça: É muito legal, gente. Eu já tive uma oportunidade anterior de vivenciar isso, no “Correndo Atrás”, então, tinha a direção também, tinha o Jefferson Leite. Mas viver esse filme, fazer a construção, o peso que é vivenciar esse ícone, que é o Mussum, que é o Antônio Carlos Bernays, dentro da filmografia dele, dentro de tudo que ele construiu. E a gente rodar isso num período finalzinho já da pandemia, fazendo o nosso aquilombamento para construir essa história. Teve um sentido muito especial. Teve o Silvinho Vidani dirigindo esse trabalho, a primeira direção dele também. Eu acho que faz parte de uma construção da nossa pauta, de reafirmação da nossa pauta, que eu acho que vai render muitos frutos.

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Neusa Borges: Eu sempre tive uma implicância muito grande com diretores, autores, produtores, que vêm com essa conversa de que não existe atores negros no Brasil. Isso já doeu para muitos, até para aqueles que se foram. Não existia para nós oportunidade e nem continuidade, sequência de trabalho. Como você vai querer encontrar um fulano, um maioral se você não tem uma sequência de trabalho? Se não te dão um trabalho? Porque, quando reclamavam: ‘ah, dá um trabalho por negro, tem que ser escravo, tem que ser marginal, tem que ser bandido’. Eu também sempre briguei com isso. Se você quer ser ator, vai fazer o que te derem. Aproveita a oportunidade, ganha com ela. Você quer ser ator, vai fazer o sapo, vai fazer borboleta, vai fazer o que for, mas vá fazer. Mas era difícil ter a oportunidade. Então está sendo um tapa com luva de pelica, porque hoje em dia está uma moda, hein? Está uma moda desgraçada. É sério! Agora, negro tem pra dar, vender, alugar e fazer. E mostrando talento, fazendo sucesso. Pra ver a grande sem-vergonhice, a mentira de falar que não existem atores negros no Brasil. Nego tá tirando de letra! E atores, não atormentados. 

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Cinnara Leal: Foi a primeira vez que entrei num set onde o elenco, a direção era majoritariamente negra. E como a dona Neuza falou, eu acho que, mais do que na moda, uma luta que a senhora construiu, que muitos construíram, como Grande Otelo, muitos antes de nós. E a gente continua lutando, porque é um filme entre milhares. Você precisa manter aquela pessoa. Ela só se torna grande se tem constância. Não tem como você se tornar editora-chefe, se você não tem oportunidade, se você não tem frequência de trabalho. Você se torna um grande ator, você se torna um grande câmera, um grande jornalista, um grande advogado, se você pratica aquilo. A gente nasceu ator? Muitos nasceram, porque a arte está em nós. Só que a gente precisa aprimorar, e isso é fazer, fazer, fazer, assim como o Mussum nunca desistiu do sonho dele. Ele fez, continuou, foi pra frente. É isso que o filme fala. Mais do que da importância de ser um filme de majoritariamente negro, mas é um filme que dá continuidade a essas pessoas negras sem oportunidade ainda hoje nesse Brasil. E mostrar que existe família negra. Negro também tem família que se ama, que se acolhe, que se cuida. É um filme que exala amor, que chora, que briga, mas que ama de verdade. É lindo demais. 

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(Mussum, o Filmis/Divulgação)

Neusa Borges: Esse (personagem) é marginal? Tá bom, o filme é de marginal, mas tá mostrando que o marginal também sofre, leva tiro, leva bala, tá mostrando a realidade. O negro tá mostrando artisticamente tantos lados. É diretor, ator, eles tão tentando. Gente, é impressionante, o que eu trabalhei esses dois últimos anos, eu nunca trabalhei tanto nos meus 66 anos de carreira. A Cinnara não me enganou, eu achava que ela tinha me enganado, então, bora, que é a previsão dela. Só não quero chegar até os 100, hein, pelo amor de Deus! (risos)

Olha, se chegar, vai chegar muito bem! Eu falei com Margareth Menezes tem pouco tempo, e ela falou que isso não é uma moda, isso é um trabalho de muitos anos que tá tendo reconhecimento agora, e que precisa ter cada vez mais, porque a gente nem chegou no ponto ideal ainda!

Neusa Borges: Eu acho que eu tô começando, porque a gente, na vida, tá sempre começando, então, meu amor, então, bora que vai longe, é uma revolução! 

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