única forma de começar esse texto é com um aviso: não se trata de uma reportagem 100% jornalística, imparcial e impessoal. Falo isso porque o tema “corpo”, para mim, é permeado por uma série de pensamentos, estigmas, traumas, dores e descobertas. Digo “para mim” exatamente para ressaltar que só posso falar do lugar onde estou e de tudo que já vivi – sendo um homem gay, agora magro (mas com uma infância e uma adolescência bem acima do peso), branco e privilegiado financeiramente. Mas sei que esse tema atravessa todos nós de formas diferentes. E quase sempre de maneira violenta.
Feito o aviso, posso finalmente começar a contar a história de Gabriela Altaf, psicóloga de formação, roteirista e documentarista por vocação, transição de carreira que aconteceu recentemente – ou melhor, está acontecendo – quando a quarentena forçou que ela se reinventasse. Assim como eu, Gabriela também lutou contra o peso e os olhares gordofóbicos da sociedade desde muito nova. Para ela, tenho certeza que a barra foi mais pesada do que para mim, que sou homem. Não sei se é sua formação em psicologia ou um jeito mais carinhoso de ver o mundo, mas nosso papo, que aconteceu numa sexta-feira à tarde, em uma videochamada, me deixou confortável para que eu escutasse sua história e também me sentisse confortável para compartilhar a minha.
“Fui uma adolescente nos anos 90, não tinha as redes sociais ao meu lado, esse movimento body positive. Não existia falar sobre corpos, só existia um corpo possível. O modelo eram as paquitas, magras e loiras, e isso, para mim, sempre foi algo inatingível”
“Fui gorda dos 13 aos 21 anos. Eu era super magra e, na adolescência, comecei a engordar. Tive uma adolescência horrível, não peguei uma alma e sofri todos os bullyings possíveis”, conta, rindo, Gabriela. “Eu jogava vôlei, era super atlética e ouvi o ginásio inteiro gritar ‘baleia, baleia, baleia’. Cheguei a ir em lojas comprar roupa e ouvir ‘sai daqui, sua gorda, a gente não tem seu número. Como você acha que você poderia se vestir aqui?’. Fui uma adolescente nos anos 90, não tinha as redes sociais ao meu lado, esse movimento body positive. Não existia falar sobre corpos, só existia um corpo possível. O modelo eram as paquitas, magras e loiras, e isso, para mim, sempre foi algo inatingível. Várias questões de autoestima surgiram por conta disso. A adolescência é quando você está se afirmando no mundo e, para mim, foi uma desafirmação total. A cereja do bolo foi quando um crush falou pra mim “sua canela é grossa como a de uma escrava lerda.” Racismo, machismo, gordofobia – tudo junto em uma mesma frase.
A luta de Gabriela contra o próprio peso mudou quando ela entrou na casa dos 20, ao descobrir um tratamento que envolvia programação neurolinguística e foi indicado por uma prima de Juiz de Fora, Minas Gerais, que também travava as mesmas batalhas com a autoimagem. Durante cinco anos, Gabriela acordava às 4h da manhã, uma vez por o mês, e partia do Rio para a cidade mineira apenas para fazer o tratamento. Resultado: emagreceu mais de 30 quilos sem fazer dieta, apenas cuidando da cabeça, e mantém o peso até hoje, mais de dez anos depois. As marcas de todas as violências, todos os absurdos que ela ouviu durante os oito anos em que não se encaixou no padrão de beleza, ela também mantém até hoje.