Quem são Dora Varella e Luizinho Francisco, ícones da nova geração que arrepiam na modalidade park
por Eduardo Ribeiro
17 nov 2020
00h26
epois de uma era de altos e baixos em quesitos de mercado e aceitação social, o skate dropou para dentro do século 21 atribuindo protagonismo a uma geração bem mais comportada e surrealmente técnica do que as anteriores. As duas últimas décadas descortinaram a prática, nascida com identidade primeiro recreativa e em seguida contracultural, e a possibilidade de seus adeptos se tornarem profissionais de alto rendimento, algo antes impensável. Isso acaba por atrair investimento pesado de grandes marcas que, com os melhores nomes integrando suas equipes, vêm transformando a nova realidade do skate num espetáculo de proporções inéditas.
O desenho padrão das pistas dos campeonatos importantes reflete a virada de página. De um lado, a chegada de muito mais fluídas plantas de street; do outro, o bowl e o halfpipe são agora coisa de nicho, dando lugar à onipresença das parks, rampas que, de certo modo, condensam os dois desenhos. O Brasil sempre foi berço de skatistas que brilham no topo dos rankings, tanto quando as coisas eram mais capengas como agora. Na park, categoria em notável ascensão, o país se destaca entre os primeiros na colocação mundial, com Dora Varella na melhor pontuação feminina e Luiz Francisco na masculina.
Ambos já estão praticamente garantidos na seleção da Olimpíada de Tóquio, a princípio mantida para o ano que vem em possível esquema “simplificado”. Conheça um pouco a trajetória desses dois jovens talentos.
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Skate salva
Luiz Francisco se recupera de cirurgia e dá graças por ajudar a família voando nas transições
Luiz Francisco Canettieri Nunes Mariano, conhecido como Luizinho, tem 20 anos e faz parte da seleção brasileira de skate park desde 2019. Rápido, preciso e criativo na definição de suas linhas, o cara voa alto na maior leveza. Assisti-lo em ação é de um espetáculo definitivo. Atualmente, figura como segundo colocado no ranking mundial, atrás apenas do americano Heimana Reynolds, e líder entre os atletas brasileiros. Desse ranking sairão os nomes para a provável estreia do skate na Olimpíada de Tóquio, por ora adiada para agosto de 2021 por causa da pandemia da covid-19, e prevista para acontecer em esquema simplificado. Presença frequente nos pódios desde que tinha 10 anos de idade, ele quase foi jogador de futebol, mas acabou enveredando pelo carrinho.
Uma das mais empolgantes revelações da Geração Z, natural do município de Lorena, interior de São Paulo, Luizinho aprendeu a mandar ollie antes mesmo de saber ler e escrever, aos 5. Ainda novo, viveu a experiência de testemunhar a família atravessando dificuldades financeiras relativas a um empréstimo feito em nome de sua mãe sem que ela soubesse. Ao se ver com os pais e o irmão mais novo tendo que se mudar para um bairro simples, apesar do pouco tempo de vida, ele percebeu que a dedicação ao esporte poderia trazer a prosperidade.
“Quando me liguei que eu andava num nível de skate acima da média, a coisa já estava acontecendo”, relata sobre o processo evolutivo. “Não cheguei a parar para notar que estava rolando essa diferença entre quem se contenta com meia dúzia de manobras básicas e o que eu estava conseguindo fazer. Era algo tipo, ‘Eu quero’, e buscar fazer mesmo. Desde a minha infância eu já pensava que queria ser profissional, ajudar minha família, foi uma coisa que busquei e vem dando certo.”
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Luizinho conta que seus pais, no início em parte por falta de condições, sempre lhe inspiraram independência. Com 14 anos, ao contrário de outros skatistas da mesma idade, viajava sozinho às competições e eventos. “Foi uma parada assim, ‘Vai. A gente te ajuda, mas você tem que ir sozinho.’ E eu ainda tinha que carregar o meu irmão. Isso me ajudou a crescer muito. Eles querem estar presentes. Hoje a gente tem uma condição melhor, então consigo levar eles em alguns campeonatos. Das conquistas mais importantes que o skate já me trouxe, ajudar os meus pais foi a principal mesmo. Isso é o que dá uma motivação a mais.”
Nunca saberemos se Luizinho Francisco teria obtido tanto êxito no futebol como no skate, esporte em que é atual vice-campeão mundial e já foi campeão brasileiro de bowl e park em 2017. Mas talvez tenha sido por pouco. Aos 12, ele foi procurado por olheiros do Palmeiras e do Corinthians. “Minha mãe não gosta de futebol e não me deixou seguir, graças a Deus [risos], porque assim acabei focando mais no skate. Eu já andava bem nessa época, mas também tinha essa facilidade com o futebol. Sempre gostei de esporte de forma geral, de fazer tudo.”
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Em Lorena existem muitos picos para dropar. Quem pertence ao movimento sabe: jamais faltou pista daora a ser explorada lá para os lados do gomo paulista do Vale do Paraíba. A região inclui, além de Lorena, São José dos Campos, Taubaté, Caçapava, Jacareí, Pindamonhangaba e Guaratinguetá. E as estruturas, em maioria particulares, são bem construídas assim como conservadas. Isso foi um dos predicados que favoreceram o crescimento de Luizinho no skate. “Comecei a andar no street, mas as pistas de bowl eram bem melhores”, comenta.
Pistas como a Bird Banks (Lorena) e Vert In Roça (Guaratinguetá), somadas à Cave Pool, esta já na capital, no bairro do Butantã, forneceram a base para a solidez do estilo que o rapaz apresenta hoje. Vivendo em São Paulo há quatro anos, a Cave Pool tem sido o seu local de treinamento diário, já que fica a apenas 15 minutos a pé de onde mora. “Eu não curto muito as pistas de campeonato porque são muito grandes, prefiro algo menor”, critica. “Não faço ideia da diferença técnica. Mas gosto da parede mais baixa e das ondulações e transições mais próximas. Dá para sair emendando mais coisas na sequência.”
A mãe e o pai continuam morando em Lorena, mas o irmão, André, três anos mais novo, recentemente passou a residir com Luizinho. É que ele também anda de skate e está seguindo o mesmo caminho de dominar as transições. “Em termos estratégicos, na minha opinião, São Paulo é o melhor lugar do Brasil para um skatista profissional morar hoje em dia”, afirma. “Mas uma meta para o futuro próximo é morar na Califa, o sonho de todo skatista.”
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Algo curioso na formação de Luiz Francisco é que suas influências não remetem a lendas do esporte ou à fissura pelos vídeos, como sempre foi costume entre os skatistas. Quando surge o assunto, ele fala de contemporâneos, e não em nomes tarimbados como Tony Alva, Christian Hosoi, ou mesmo os nossos Bob Burnquist, Lincoln Ueda e Sandro Dias.
“O skatista que mais me influenciou e influencia até hoje é o Murilo Peres, o Foguinho. Vi ele andando quando eu era moleque e aí pirei.” Isso tem uma explicação, além do fato de que o Murilo Peres anda monstruosamente bem. No começo, Luizinho não pegava referências em vídeos simplesmente porque não tinha acesso a eles. Daí também a falta de menções a figuras lendárias. Vídeo, para ele, se tornou realidade quando já estava quebrando a banca com manobras altamente cabulosas por aí, sem nem saber direito quem as inventou.
A postergação dos Jogos Olímpicos chegou até que oportunamente para o jovem atleta. Desde julho, Luizinho segue de molho se recuperando de uma cirurgia no ombro que vinha sendo adiada há três anos, quando sofreu uma luxação, a primeira delas. Nesse ínterim, foram quedas e mais quedas, o problema se agravando, mas ele não queria perder as oportunidades que estavam aparecendo diante das bem repercutidas performances nas competições.
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“Eu precisava mesmo de um momento bom para operar. Não era uma coisa que tinha me debilitado totalmente, mas certos movimentos eu já não conseguia fazer, e às vezes o ombro saía do lugar. Aí era embaçado, tinha que me preocupar com o jeito como ia jogar o corpo, esse era o maior problema”, queixa-se. “Agora estou, de fato, só cuidando do ombro mesmo, fazendo fisioterapia para voltar totalmente o movimento, a força. É nisso que estou focando. E, como as Olimpíadas foram adiadas, terei ainda uma cotinha para conseguir andar tranquilo novamente.”
Enquanto os olhares se voltam para seu favoritismo nas Olimpíadas, ele mesmo prefere não criar expectativas. “Não sei se posso me considerar preparado para vencer na estreia do skate nas Olimpíadas porque não tenho ideia de qual será a dificuldade”, pondera, na humildade. “Será algo totalmente desconhecido, muito diferente. Cada circuito tem as suas dificuldades, e, nesse caso, a gente não sabe como os caras vão julgar. Mas a preparação será a mesma dos campeonatos que já venho encarando.”
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Acaso e modéstia
Dora Varella divide pista com ícones do vertical para estar afiada na volta aos campeonatos
Ela tinha 10 anos quando ganhou um skate de presente da avó. As primeiras manobras surgiram casual e precocemente no quintal de casa durante as férias daquela virada de ano. Dora Varella, hoje aos 19, tinha tanto jeito para a coisa que logo seus pais sentiram a necessidade de começar a levá-la às pistas. O contato com os diferentes obstáculos fez brotar na menina uma paixão imediata, e quase obsessiva, pela prática. Com o apoio da família, ela passou a dedicar todo o seu tempo livre a andar de skate e assistir vídeos do esporte. Deu mais do que certo, e não demorou muito para que a jovem paulista virasse nome destacado nos campeonatos brasileiros e subisse de amadora a profissional em 2018, com o lançamento de seu primeiro shape pela Hosoi Skateboards.
O cenário feminino brasileiro vem nos presenteando com uma sorte de revelações na última década, e na categoria park, em que Dora ocupa a sexta posição no ranking mundial, sendo a melhor colocada entre as mulheres, figuram ainda outras duas talentosas expoentes da nova geração, Isadora Pacheco, na décima posição, e Yndiara Asp, na décima terceira. “Fico muito feliz de estar bem colocada no ranking e isso só me motiva a melhorar ainda mais”, exclama a skatista. “Estou treinando e evoluindo bastante, me sinto super preparada para encarar os Jogos Olímpicos e dar o meu melhor. E objetivo é a medalha.”
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Desde que se tornou profissional, Dora, que já havia conquistado o tricampeonato mundial amador do Girls Vans Combi Pool Classic, sagrou-se bicampeã pan-americana open no Vans Park Series Women’s Continental Championship e foi campeã brasileira de bowl e vice-campeã brasileira de park. A preparação para a Olimpíada de Tóquio estava no foco total da atleta quando veio o surto do novo coronavírus e ela precisou segurar a ansiedade. “Mas estou melhor do que nunca, não deixei de treinar a parte física em casa em nenhum momento”, conta, “e já voltei a andar de skate tomando todas as precauções e evitando aglomerações. Sempre busco evoluir, independente de haver uma data confirmada para o próximo evento.”
Dora bombou no TikTok recentemente com um vídeo andando na mega rampa de Bob Burnquist, em que ela aparece dropando o quarter de dez metros de altura. O vídeo, primeiro a destacar uma mulher encarando aquela pista de insanas proporções, contava com mais de 60,5 milhões de visualizações, 7 milhões de curtidas e 51 mil comentários até o fechamento desta matéria. Nada mal, para quem já trafega com plasticidade absoluta pelas transições da pista do parque de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, da Rajas Skate Park, na Barra Funda, e da Vans Skate Park, no Parque Estadual Cândido Portinari, rampas que, segundo avalia, “possuem uma ótima estrutura e são bem similares às de campeonatos.”
Mas desde que retomou os treinos, nas últimas semanas, ela vem experimentando a elevação vertical na pista do Rony Gomes, um dos melhores da modalidade no mundo, no município de Atibaia. “Por ser um lugar particular, conseguimos treinar mais isolados e sem contato com tantas pessoas”, acrescenta. Foi numa dessas sessões privadas que ela foi convidada, mais uma vez, pelo Bob Burnquist, a participar do evento beneficente Spotlab Sessions, que rolou no começo de setembro no Allianz Park.
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Organizada pelo Instituto Bob Burnquist (IBB), a iniciativa arrecadou recursos com a venda de ingressos que foram revertidos para campanhas de doação de equipamentos de proteção individual (EPIs) a hospitais e profissionais das redes públicas de saúde. “Fiquei feliz em andar com meus amigos depois de tanto tempo sem participar de um evento de skate”, afirma ela, a única atração feminina do lineup. “Ações sociais são super importantes e é muito legal ver cada vez mais atletas e marcas envolvidos.”
Dora pensa positivo e torce para que tudo melhore o quanto antes. Ainda mais agora que concluiu os estudos. Quando o calendário competitivo voltar aos trilhos, ela poderá, enfim, se dedicar cem por cento às quatro rodinhas. “Terminei o ensino médio no final do ano passado”, celebra. “Quando eu viajava para as competições, tinha que estudar no hotel e no avião e repunha as provas perdidas. Como eu perdia muitas aulas e não conseguia acompanhar toda a matéria, o jeito era estudar sozinha pelas apostilas.”
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Ela frisa ter começado a competir e participar de campeonatos cada vez mais importantes foi algo que se desenrolou muito naturalmente. Mas o acaso dos acontecimentos não dá espaço para a modéstia em sua fala: “Eu amo competir e me superar.” Garante, porém, que o skate “sempre foi e sempre será diversão. Felizmente, consigo chamar a minha diversão de profissão.”
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