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Os retratos de Fabio Audi

Com um começo promissor na carreira de ator, Fabio Audi escolheu se afastar da profissão e recomeçar na fotografia

por Humberto Maruchel 13 jun 2023 12h45

Fabio Audi adquiriu o hábito de enxergar o melhor nas pessoas. Esse não é necessariamente um traço inato do fotógrafo e ex-ator, mas uma particularidade tonificada com o tempo e com a prática. Muitos o conhecem por seus belos retratos de celebridades, modelos e personalidades públicas. Outros o conheceram pela primeira vez quando Fabio, em 2010, estreou o curta-metragem “Eu não quero voltar sozinho”, dirigido por Daniel Ribeiro.

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(Fabio Audi/Reprodução)

Ao lado do ator e bailarino Ghilherme Lobo, Fabio protagonizou o romance adolescente que nasce entre os corredores de um colégio e o caminho de volta para casa dos dois jovens. Leonardo (interpretado por Ghilherme) é um jovem com deficiência visual que conhece Gabriel (Fabio), um novo aluno da escola. Na época, ainda que não faça tanto tempo, as redes sociais davam seus primeiros passos e o sentido de um conteúdo viralizar pela internet era diferente do que vemos acontecer atualmente. Mas fato é que o curta viralizou e encantou muitos jovens que lamentavam a falta de narrativas LGBTQIA+. Após quatro anos, o curta virou um longa, que novamente alcançou sucesso e chegou até mesmo a ser indicado pelo Brasil como o filme que representaria o país no Oscar – embora não tenha sido efetivamente indicado na categoria de Melhor Filme Internacional. “Até hoje, recebo mensagens de pessoas que viram o filme. É impressionante a potência dele. Eu estava muito realizado de fazer parte daquilo e do que o filme proporcionava para elas.”

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(Fabio Audi/Reprodução)

Nascido em Itapira, no interior de São Paulo, caçula entre de três filhos, a vida de Fabio passou por uma revolução quando o curta estreou. Da pequena cidade de pouco mais de 70 mil habitantes, logo o jovem estava viajando por diversos países para exibir o curta, e em seguida o longa, que apresentava dois adolescentes descobrindo suas sexualidades. Na sua vida privada, foi naquele momento que Fabio se assumiu para a família e amigos. Ele considera que aquela foi uma das primeiras formações de sua sensibilidade.

“Fui percebendo que a minha animação como ator talvez não viesse de um âmago, um desejo genuíno. Vinha de um lugar, talvez, mais ligado à minha vaidade”

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(Fabio Audi/Reprodução)

Diante do sucesso, havia uma expectativa própria, e também do público que o acompanhava, de que o caminho lógico fosse continuar atuando. E foi o que Fabio tentou fazer – até certo ponto. Naquela altura, ele já havia concluído faculdade de cinema. Quando decidiu concorrer ao papel na obra de Daniel Ribeiro, o impulso era fruto de uma curiosidade, muito mais do que um sonho que cultivava em ser ator. Havia, no entanto, um deslumbre pela carreira e pelo teatro. E, logo, sua visibilidade trouxe bons resultados. Foi convidado para participar da seleção de elenco da novela “Alto Astral”, da TV Globo. Aprovado, fez as malas e embarcou para o Rio de Janeiro, onde morou por três anos. Nas telas, tudo parecia correr bem. Fora delas, Fabio enfrentava uma crise de propósito. “Fui percebendo que a minha animação como ator talvez não viesse de um âmago, um desejo genuíno. Vinha de um lugar, talvez, mais ligado à minha vaidade. Eu tenho uma parada de eu quero ser tudo. Eu quero ser marceneiro, quero ser músico, quero ser fotógrafo. O meu problema é querer abraçar o mundo.”

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(Fabio Audi/Reprodução)

No meio das gravações, ele se deu conta de que não queria persistir na profissão. “Eu não me sentia feliz lendo o texto, fazendo, nada. Não posso nem dizer que não gostei, mas entrei em crise, aceitei e pensei que deveria ter um lugar no qual eu seria mais feliz.” Daquela reflexão, vieram outras. Lembrou do tempo em que gravou “Eu não quero voltar sozinho” e pensou que talvez aquele período tampouco tenha sido muito feliz. Tinha um incômodo constante.

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(Fabio Audi/Reprodução)

A Fotografia

Finalizadas as gravações, permaneceu mais um ano no Rio de Janeiro. Afastado da profissão de ator – e em crise – trabalhou como assistente de produção. Estudou web design e marketing digital. Chegou até mesmo a criar uma agência, a Cachorro Magnético. Na época, Fabio estava casado com o ator Jesuita Barbosa. Certo dia, estava testando algumas luzes, fez um registro despretensioso do namorado, que havia saído do banho. Foi a partir dessa foto, publicada no Instagram, que veio um convite de um produtor de elenco para que Fabio fizesse retrato de atores. E nunca mais parou. O encontro com a fotografia foi quase como um retorno às origens de uma vocação familiar. Seu bisavô, Jacó Audi, também era retratista. Quando Fabio era pequeno, seu pai, José, tinha guardada uma antiga câmera de Jacó. Vez ou outra, Fabio brincava com aquela máquina.

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(Fabio Audi/Reprodução)

“Acho que na fotografia encontrei um lugar um pouco mais nerd de estudar, de observar. E com os retratos, esse relacionamento com as pessoas foi se dando de um jeito muito mais íntimo. Sentia que tinha mais o pé no chão, que eu poderia dar um passo de cada vez, enquanto na atuação era tudo ou nada.”

“Eu não quero que as pessoas cheguem aqui sentindo que precisam performar. É o contrário disso”

Até então, o conhecimento que ele tinha de fotografia veio das aulas na faculdade de cinema. Passou a se dedicar integralmente no seu desenvolvimento e na virada para 2018, Fabio estava abrindo seu estúdio, uma pequena sala oferecida por um amigo. “Eu me lembro de uma vez que fiz um trabalho comissionado e eu ainda não sabia trabalhar bem o flash. Quando cheguei no estúdio, pensei: ‘fudeu’. O bom da fotografia é que é muito mais possível você se construir no seu próprio tempo. A cada ensaio você vai adquirindo mais técnica e crescendo.” Mesmo sem estar pronto, a paixão pela fotografia lhe trouxe e confiança e autonomia para tomar as próprias decisões. “Eu me relacionava com aquilo que eu fazia e não precisava muito dos outros. Era o primeiro trabalho que eu conseguia ouvir a opinião dos outros e falar ‘foda-se, eu gosto disso, vou por esse caminho’. Na atuação eu era super frágil e inseguro. Eu acho que tenho um incômodo com esse lugar do aqui e agora.”

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(Fabio Audi/Reprodução)

Na fotografia, ele precisa lidar com a insegurança dos outros e se sente bem ao ajudar a desmontar a tensão quando alguém se expõe diante da câmera. Quem quer que chegue para ser fotografado, do nome mais conhecido até o ator que está dando os primeiros passos, a dinâmica é parecida. Ele precisa conhecer a intenção daquele material e, claro, conhecer aquele que irá fotografar. Tudo começa com uma conversa e, enquanto o diálogo desenrola, ele mexe na câmera. Uma das primeiras instruções que dá, não por acaso, vem de um ensinamento que aprendeu na atuação, a busca pela neutralidade. É a partir dela que a construção começa. “Eu não quero que as pessoas cheguem aqui sentindo que precisam performar. É o contrário disso.” Durante um ensaio no mesmo dia da entrevista, ele interrompe os cliques e sugere fazer um exercício de respiração com a modelo. Fazem um rápido alongamento e voltam a fotografar. ”Às vezes a pessoa não sabe rir e eu preciso ajudar e o caminho não é dizer ‘vai, dá risada’. Como ator, eu já sofri essa imposição, o que não é legal.”

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(Fabio Audi/Reprodução)

Faz parte do seu cotidiano lidar com a vaidade e insegurança. Todos carregam um pouco dos dois. Sua missão é equilibrá-los para poder registrar um perfil mais autêntico de quem está à sua frente. “Nesse momento, eu quero que você olhe para essa câmera e esqueça sua aparência, esqueça sua defesa facial.” Ele afirma que fazemos isso sem pensar, criamos uma defesa em nosso rosto, meio que ajeitando ele do jeito que queremos que as pessoas nos vejam, seja para disfarçar os nossos defeitos ou porque pensamos que com aqueles gestos faciais vamos valorizar nossa aparência.

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(Fabio Audi/Reprodução)

Ao fim dos ensaios, ele acha importante deixar a imagem “envelhecer”, ou seja, não mostrar imediatamente o resultado para quem foi fotografado escolher suas imagens.

“Nesse momento, eu quero que você olhe para essa câmera e esqueça sua aparência, esqueça sua defesa facial”

Naturalmente, lidar com a vaidade alheia lhe faz pensar sobre a sua própria. Hoje, aos 35 anos, Fabio pensa cada vez mais sobre o envelhecer e sobre as mudanças pelas quais irá passar. É fundamental ter muito mais do que somente a aparência a oferecer e para se conectar afetivamente. “Acho que estou começando a gostar de mim de um ano atrás, estou começando a chegar mais perto de mim”, diz aos risos.

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(Fabio Audi/Reprodução)

Um modo que encontrou de administrar a própria vaidade é fazer com que sua identidade esteja presente nos retratos, de modo que seja possível olhar para uma de suas fotos e reconhecê-la logo de cara sendo dele. O uso das cores, a preferência pelo fundo mais azulado, em suas primeiras imagens, virou um tipo de assinatura.

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(Fabio Audi/Reprodução)

A rua

Os retratos estão longe de ser sua única paixão na fotografia. Se durante um ensaio, o esforço é conhecer e escutar aqueles a quem está fotografando, quando persegue cenas na rua é quase como se estivesse olhando para si. Março deste ano foi um momento importante para o fotógrafo, quando lançou o livro “Fenda” no 12º Festival de Fotografia de Tiradentes, em Minas Gerais. A obra é produto de uma temporada de um mês em que passou no México, em fevereiro de 2020. O intuito era fazer uma oficina de uma semana com Alex Webb, fotógrafo do studio Magma. O restante passaria viajando e fotografando sozinho. E foi isso que fez. “Senti que a minha experiência no México foi super visual, de afiar o olhar para as relações de luz e cor. Agora estou tendo a chance de afiar esse outro lugar que é mais conceitual, de construir a fotografia a partir de camadas, de histórias e significados.” Em sua visita ao país, ele lembra de ter passado dois dias em um orfanato. No primeiro dia, metade do tempo passou brincando com as crianças. Só após aquele contato, fez as fotografias e também deixou elas brincarem com a câmera.

“Senti que a minha experiência no México foi super visual, de afiar o olhar para as relações de luz e cor”

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(Fabio Audi/Reprodução)

Nessa nova fase, é como se Fabio levasse a experiência do estúdio para as ruas, buscando conhecer e se conectar com pessoas, e registrando as cenas que se desenvolvem na sua vista. “Fenda” nasceu do experimento que fez ao procurar feixes de luz nos objetos e nas pessoas pelas ruas. Há um tom melancólico nas imagens, que não é intencional. O nó final do trabalho não surgiu de imediato. Foram registradas mais de 6 mil imagens, para no fim selecionar entre 30 e 40 que conversassem entre si. Em São Paulo, ele sente que as pessoas são mais defensivas com suas imagens. O registro, assim como a aproximação, é mais difícil.

“Agora estou tendo a chance de afiar esse outro lugar que é mais conceitual”

Com a fotografia, é como se estivesse um pouco mais em controle do tempo, ajustando ao seu ritmo. Algo que sente também através da música. Desde pequeno, Fabio estuda piano. Após uma longa sessão de fotos e uma conversa, nos despedimos. Quando estou indo embora, escuto o som do piano que ele guarda em seu estúdio. Talvez um gesto de descarregar e se despedir do dia. A partir de algumas composições clássicas, ele faz os próprios improvisos. Decido voltar e fico a música se encerrar.

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(Fabio Audi/Reprodução)
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