Um pé no ativismo, o outro também
Desde que se conheceram, produziram dois álbuns e deram algumas voltas por solos internacionais, incluindo o Brasil. Em 2019, vieram para cá e foram surpreendidas pela recepção do público brasileiro. Havia, supunham, um entusiasmo de ver duas artistas portuguesas cantarem sobre o passado colonialista, sobre o racismo, a xenofobia e a homofobia já tão enraizadas em Portugal. E tudo isso sem meias-palavras, como fazem na música “Povo Pequenino”.
“Creio que de alguma forma [os brasileiros] sentiram que validávamos as queixas deles que são diárias, que se ouvem, como o racismo, e por não taparmos os ouvidos e tentarmos denunciá-las”, afirma João.
A reação do público brasileiro, entretanto, não ressoa da mesma forma que no país europeu. Sentem que a modéstia ainda dá as cartas do que pode ou não ser feito ali. Há apego à tradição e aos gêneros. “Não temos uma Linn da Quebrada em Portugal”, exemplifica Lila.
“Por volta dos 13 anos, devido a questões minhas – a perda da minha mãe, a violência que sofria na escola e na rua, a violência homotransfóbica –, comecei a me identificar com a expressão emocional do fado: ao fatalismo e a centralidade da palavra, que tanto me encantava”
Lila Tiago
“Portugal tem uma cultura muito forte de silenciamento pela modéstia e pela moderação. Então as poucas pessoas que conseguem romper esse padrão caem inevitavelmente no lugar do ridículo. E, portanto, a partir daí o impacto que conseguem ter é muito limitado”, diz a cantora.
Há também o aspecto da religiosidade muito forte no país, que torna tudo mais difícil. Diferente do Brasil, em que a violência se escancara no elevado número de assassinatos, em Portugal, a discriminação é mais sutil.
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“Em Portugal, a violência física não é um fator nem aproximado do Brasil, mas eu sinto que a pauta da igreja católica, da religião, tem um peso muito forte na criação da homofobia, e dessa aversão à toda a sexualidade e através das figuras que não sejam normativas”, explica João.
Nas canções de Fado Bicha há forte conotação política. Para ambas, não é possível separar o ativismo da criação artística, pois “todo corpo é político”. Cantam o que viveram, as contradições que reconhecem ao redor, e tudo que não toleram mais. O deboche é um elemento quase obrigatório nas críticas sociais. Em “Crônica do Maxo Discreto” ele dá o tom.
Mas mais importante: cantam aquilo que são. Uma manifestação que aparece, inclusive, na escolha do nome da banda. E também em tatuagens em seus corpos.
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“Escolhemos este nome porque ele não deixa espaços vazios, não tem subterfúgios, ele nos apresenta de cara. Eu quero que tu saibas que sou bicha porque para mim é tão importante como saberes o meu nome”, declara João.
Apesar do estilo subversivo que, normalmente, é lido no estilo e canções das artistas, elas explicam que essa é uma leitura feita, especialmente, pelo fato de destoarem da normatividade. “Não somos subversivas por natureza, nem somos corpos políticos por natureza, somos confrontadas pelo sistema normativo. E esse sistema é que nos coloca neste ponto de subversão. E nos faz subversivas”, afirma João.
“Enquanto essa própria sociedade se reclama como um bastião da liberdade e tendo a ideia de liberdade, ‘da revolução pacífica’ como um elemento central da cultura. Então nossa frustração vem desse questionamento: ‘como vocês não percebem que vocês não sabem absolutamente nada sobre liberdade?’”, provoca.
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