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Os autorretratos de Fernando Schlaepfer

O criador do I Hate Flash está transformando todos os sentimentos e sensações da quarentena em fotos, vídeos e stop motions

por Mariana Caldas Atualizado em 1 set 2020, 11h54 - Publicado em 31 ago 2020 01h20
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(Clube Lambada/Ilustração)

No meu primeiro dia de quarentena, fui pro telhado do meu apartamento e fiz um time lapse do tempo passando. Teve gente que fez estoque de papel higiênico, eu pensei: ‘não vou ficar todos esses meses sem fotografar’”, conta o fotógrafo, criador e agitador cultural Fernando Schlaepfer, que desde março está transformando os sentimentos complexos da vida em quarentena em autorretratos divertidos, sérios, sensoriais e expressivos. O projeto nasceu intuitivamente e vem arrancando elogios de seus seguidores no Instagram, que têm usado suas fotos para expressar os seus moods do dia.

Fernando é mesmo um cara que não passa despercebido e parece ter um magnetismo inato. É ele o criador de um dos movimentos mais celebrados da fotografia brasileira dos últimos anos, o I Hate Flash, que começou como um projeto autoral despretensioso e acabou criando a cultura (e uma estética) das fotos de festas e festivais no Brasil. Isso quer dizer que aquele close na balada, que parece que sempre fez parte do nosso feed, só existe porque um dia ele resolveu levar a sua Sony W1 e o seu flash Lomo para uma night no Rio. Também foi dele a ideia de publicar um nu por dia no projeto 365 Nus, que com certeza passou pela sua timeline entre 2015 e 2016.

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Quem dá um rolê pelo seu feed na quarentena, no entanto, fica se perguntando se ele de fato dorme, já que, além de trabalhar (em casa) criando autorretratos que demandam uma pós-produção cheia de efeitos especiais de cinema, ele ainda posta o making of e o processo de elaboração por trás de cada um todos os dias em seus stories.


“Quando eu me proponho a fazer uma foto por dia, não posso ser perfeccionista, e sinto que isso me ajuda a desapegar, e a destravar o meu flow, porque eu sempre acho que pode melhorar”

Fernando Schlaepfer
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Se antes ele ia de uma cidade para outra, de uma festa para um festival, de um trabalho para um shooting de um projeto pessoal, agora ele vai de um canto para o outro do seu apartamento no Rio de Janeiro para criar as fotos, vídeos e stop motions do seu novo projeto diário. “É a diversão dos meus dias. A minha segunda terapia, porque terapia tem que ser terapia mesmo, uma outra parada pode ser fazer uma foto por dia (risos). A parte mais difícil é o caos do tempo, eu sempre faço tudo no mesmo dia”, comenta, enquanto almoça, às 11 horas da noite de uma sexta-feira, mesmo horário em que teve tempo de fazer esta entrevista pelo Zoom. “Esse compromisso de fazer diariamente é muito importante pra mim. Os meus projetos que mais deram certo foram os que eu me comprometi a ter esse ritmo. Senão, eu fico tendo mil ideias e não desencanto. Quando eu me proponho a fazer uma foto por dia, não posso ser perfeccionista, e sinto que isso me ajuda a desapegar, e a destravar o meu flow, porque eu sempre acho que pode melhorar”, explica, entre uma garfada e outra.

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“Mas eu acho que o maior desafio de todos é ser o modelo, porque eu não tenho a desenvoltura das pessoas que eu fotografo, e não estar com a câmera na mão na hora do clique é muito difícil, é como se eu perdesse o momento exato em que a melhor foto acontece. Nunca fica do jeito que eu imaginei”, conta, sobre a dificuldade de se manter criativo em tempos de pandemia. “Agora, já consegui relaxar e estou aproveitando para fazer coisas que eu não teria coragem de pedir para ninguém fazer, tipo passar o dia inteiro no telhado do meu prédio, que não é uma laje, e não tem segurança nenhuma.”

Tá no sangue

Na escola, seu ponto forte era a matemática, mas Fernando sempre quis seguir o caminho das artes. “Sempre me expressei visualmente. Quando eu era bem moleque, achava que meu lance era desenho, porque eu já fazia pequenas coisas na escola, tipo desenhar a camiseta do Grêmio, e esse reconhecimento me fazia pensar que eu poderia fazer isso. A minha família também sempre me incentivou muito”, relembra.

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Aos 16, ele ganhou um skate por uma foto, e essa foi a primeira vez que ele pensou que esta poderia ser sua profissão. Acabou entrando na faculdade de design, mas nunca deixou de fotografar. Aos 18, foi procurado pelo Citibank Hall, que tinha acabado de mudar de nome e queria comprar uma foto de um show que ele tinha feito lá. “Não entendi nada. Como assim eles querem comprar uma foto que eu já fiz? Eu não sabia quanto cobrar, coloquei o uso que eles tinham pedido no Getty Images e fiquei impressionado com o valor, era tipo cinco mil dólares. Acabei cobrando isso em reais, e foi a primeira vez que eu me decepcionei com um orçamento. Achei que eles iam querer negociar, mas no fim me responderam querendo aumentar o uso de tão barato que eu tinha cobrado. No fim, foi muito legal, porque consegui comprar uma câmera de verdade”, conta.

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“Essa narrativa do dom faz as pessoas se sentirem menos capazes, principalmente em relação às artes. Faz você achar que você não vai conseguir porque você não nasceu com uma aptidão”

Fernando Schlaepfer

Hoje, aos 35 anos, Fernando não acredita em dom e muito menos em predestinação. “Para mim, ninguém nasce com nada. Você é uma soma de tudo o que você já viveu. Não acredito em dom. Acho que, no máximo, você pode ter uma facilidade, alguma característica que te ajuda, mas talento também é trabalho, estudo, dedicação”, pontua. “Eu acho que essa narrativa do dom faz as pessoas se sentirem menos capazes, principalmente em relação às artes. Faz você achar que você não vai conseguir porque você não nasceu com uma aptidão.”

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Fernando se comunica com o cuidado de quem acredita que ser arrogante é o maior dos pecados – e a dificuldade de receber os elogios que recebe diariamente é prova disso. “Fico muito grato, muito feliz, mas muito sem graça também. É incrível saber que o meu trabalhou tocou alguém, mas tudo é muito exagerado na internet, às vezes bate uma síndrome do impostor”, confessa.

Parece difícil acreditar que alguém com tantos sucessos no currículo possa ter dúvidas sobre o seu trabalho, certo? De qualquer maneira, fato é que ele só se sente à vontade para falar bem da sua empresa, que hoje é um coletivo com capacidade de produzir campanhas de moda e publicidade, e atender grandes clientes e festivais. Na última edição do Rock In Rio, por exemplo, a equipe do I Hate Flash, que fez a cobertura oficial do evento, contou com 111 fotógrafos. “O I Hate Flash começou comigo, mas só chegou onde chegou porque ele virou várias pessoas incríveis”, elogia. Dentre os talentos de Fernando, talvez seja o seu olhar generoso, para o outro, e para o mundo, o que mais precisemos agora.

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