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Quem é essa menina de vermelho?

Conversamos com Gloria Groove sobre carreira, a cultura na região da Zona Leste e o impacto de seu trabalho nas discussões políticas

por Beatriz Lourenço e Alexandre Makhlouf, da Elástica Atualizado em 26 set 2022, 16h14 - Publicado em 19 set 2022 11h11
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(arte/Redação)

o presenciar Gloria Groove em cima de um palco, é difícil indicar, de primeira, o que chama mais atenção. Se é a potência vocal, as palavras que saem com facilidade e rimam como se tivessem nascido para isso, o visual em tons de vermelho sempre impactantes. Talvez seja a combinação de tudo que fez da drag queen de Daniel Garcia Felicione Napoleão, paulistano nascido na Zona Leste da capital, o fenômeno que é hoje.

“Por mais que, quando se pensa em Zona Leste, se pensa em algo negativo, eu falo do brilho que existe e na arte que vem de lá”

Gloria Groove é uma das drags mais seguidas do mundo, com 4,6 milhões de seguidores apenas no Instagram. Milhões, aliás, são números cada vez mais comuns na trajetória da artista. “Vermelho”, a mais ouvida de Lady Leste, álbum lançado no início deste ano, acumula quase 80 milhões de plays no Spotify – a música tem um sample de MC Daleste, nome importante da história do rap racional. “Por mais que, quando se pensa em Zona Leste, se pensa em algo negativo, eu falo do brilho que existe e na arte que vem de lá. Nas adjacências do bairro, lembro de ver momentos musicais e performáticos incríveis depois da escola”, ela conta, em entrevista à Elástica.

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Honrando suas raízes, Gloria agora ganhou o país. Está em propagandas no horário nobre – a primeira drag queen a estrelar um comercial de remédios –, em programas de TV na maior emissora do país e ocupando o lugar de headliner em festivais pelo Brasil. Ela é uma das estrelas no MADA – Música Alimento da Alma, que rola em Natal, Rio Grande do Norte, nos dias 23 e 24 de setembro, logo antes do primeiro turno das eleições. 

“Meu corpo no palco, o jeito como me posiciono e o fato de eu estar ocupando esse espaço por si só já é um ato político em todos os graus. Minha participação no cenário musical e na cultura pop movimenta questões que vão muito além da arte que faço”, completa.

Abaixo, você confere nosso papo completo com Gloria Groove. Se liga:

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(Gloria Groove/Divulgação)

Lady Leste é praticamente um tributo às conquistas de quem veio da periferia. De que forma a Vila Formosa, em São Paulo, contribuiu para o crescimento de Gloria Groove? Por que precisamos valorizar mais a produção cultural periférica?
O nome da era não é à toa. Eu apelidei de Lady Leste como um jeito de dizer que, para saber para onde você vai, é importante saber de onde você veio. Como sentia, no meu coração, que este seria um divisor de águas, queria que o disco comunicasse para as pessoas o fato de que eu sou ZL. 

Mas não posso ser lida como uma artista da periferia. Minha leitura se faz um pouco mais marginalizada quando assumo uma estética drag queen. Por mais que, quando se pensa em Zona Leste, se pensa em algo negativo, eu falo do brilho que existe e na arte que vem de lá. Nas adjacências do bairro, lembro de ver momentos musicais e performáticos incríveis depois da escola. A ZL acaba se tornando um símbolo muito importante porque estamos falando de uma área de São Paulo muito caricata, mas que merece respeito. 

Acredito que se a região fosse um humano, seria o Sanderson do Marcelo Médici – um corinthiano engraçadão que fala muitas gírias. É um lugar que carrega um estigma consigo, por isso quis exaltar o lado mais glamouroso e bonito. O auge dessa comunicação visual é a música “Vermelho”, que traz o sample do MC Daleste, que antes de mim foi outra figura que colocou esse lugar no mapa.

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Sua mãe era backing vocal do Raça Negra e, aos sete anos, você entrou para a formação do Balão Mágico e nunca mais deixou a carreira de artista. Quando nasceu a Gloria Groove?
O ponto de ruptura, onde Gloria nasceu, foi dos meus 18 para 19 anos. Eu trabalhava com dublagem e o resto do tempo fazia teatro e estudava teatro musical. Me dividia entre dublador, ator, backing vocal e ainda cantava em uma banda de baile. Eram várias coisas diferentes, mas que conversavam entre si. 

O que possibilitou que eu começasse esse projeto foi a vivência no teatro musical – onde descobri a produção, a montação e a maquiagem. Ao mesmo tempo, fiquei muito encantado com o trabalho da RuPaul quando ela começou a virar uma febre aqui no Brasil. Na época, eu já ia para balada pop – era uma era de ouro com hits de Lady Gaga, Katy Perry, Ke$ha… E, por conta do impacto do trabalho dela, começamos a ver drag queens nas festas performando e usando looks que faziam referência a esse universo. Aí comecei a me enxergar nesse meio. 

A Gloria Groove nasceu de ver que as drag queens estavam se transpondo para um status de superstars e do encorajamento de entender que eu poderia montar uma persona que ultrapassaria o universo da boate. Aí, mesmo sem músicas próprias, postava vídeos no Facebook e chegava nas festas dizendo que eu sabia cantar. Quando tinha três meses de drag, eu já estava abrindo show para a drag queen da RuPaul. O intervalo entre me descobrir e criar meu primeiro trabalho autoral, em 2016, foi muito curto. 

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(Brunini/Fotografia)

“A Gloria Groove nasceu de ver que as drag queens estavam se transpondo para um status de superstars e do encorajamento de entender que eu poderia montar uma persona que ultrapassaria o universo da boate”

O Mada acontece uma semana antes do primeiro turno das eleições, será um momento decisivo para muita gente. Você entende o artista como agente político? Como ir além e conscientizar seu público, composto majoritariamente por jovens, sobre a importância do voto?
Absolutamente de todas as formas. Ainda mais sendo uma drag queen, uma figura que representa a contracultura. Meu corpo no palco, o jeito como me posiciono e o fato de eu estar ocupando esse espaço por si só já é um ato político em todos os graus. Minha participação no cenário musical e na cultura pop movimenta questões que vão muito além da arte que faço. O corpo LGBTQIA+ é uma questão política muito forte nesse país porque sabemos como é a realidade dessas pessoas. Por isso, acredito que meu trabalho acaba impactando diversas camadas da comunicação social. 

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Nos últimos cinco anos, vimos o Brasil passando por diversas situações catastróficas, então prefiro acreditar que estamos caminhando para uma juventude que busca ter mais interesse pelo que é verdade. Faço parte da geração que descobriu o fenômeno das fake news, gosto de pensar que seremos adultos preocupados em saber a veracidade dos fatos. Além disso, imagino que o que faço invoca uma juventude progressista que sabe que a diversidade e respeito são caminhos muito importantes para a nossa construção social e que através de falar tudo o que vivo e penso, movimento isso até em quem seria minha possível oposição política. Com meu trabalho, consigo furar muitas bolhas e reverter muitas opiniões.

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(Brunini/Divulgação)

Há um tempo, foi ao ar, no intervalo do Fantástico, uma propaganda de anti-gripal em que você é a garota-propaganda, algo que nunca tinha acontecido com uma drag queen – na indústria farmacêutica ou nesse horário tão nobre. Qual a importância de estar também nesses espaços, falando sobre tudo e com todas as audiências?
Tem uma importância tremenda! É de notar que eu sou um artista como qualquer outro e que a gente tem que parar de ver essas situações isoladas como algo extraordinário porque assim como qualquer outro artista poderia fazer isso, eu também posso. 

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“Adoro quando consigo inserir algum estilo puramente brasileiro como funk, pagodão baiano até mesmo o arrocha, na linguagem pop e fazer com que o público de fora veja isso e entenda o valor que nós temos. O Brasil é um país muito rico e diverso”

Falamos muito sobre luta, representatividade, combater o preconceito, mas não tanto quanto deveríamos sobre saúde mental. Com turnê estourada pelo Brasil, participação em diversos programas de TV, produção de conteúdo nas redes, em que momento você descansa? Como você se protege para toda essa exposição não te afetar negativamente?
Não sei, sou bem jovem e adoraria ser esse oráculo da sabedoria que entende exatamente como proteger a saúde mental. Mas também estou procurando e tentando me entender no meio disso tudo. Não vou mentir, estou vivendo um período em que tenho inúmeras responsabilidades e pequenas coisas nas quais tenho que prestar muita atenção. Então estou longe de ser um exemplo de equilíbrio e responsabilidade. Estou amadurecendo na frente dos olhos de vocês. 

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Qual a importância, aliás, de levar o funk e o rap brasileiros para o cenário internacional?
É maravilhoso! Quando falamos da riqueza que existe na cultura musical do nosso país, acho que isso se mostra muito através do meu trabalho. Adoro quando consigo inserir algum estilo puramente brasileiro como funk, pagodão baiano até mesmo o arrocha, na linguagem pop e fazer com que o público de fora veja isso e entenda o valor que nós temos. O Brasil é um país muito rico e diverso. Gosto de acreditar que é ele por inteiro que estou representando quando estou em cima do palco. 

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