Fãs de Ru Paul finalmente têm uma versão brasileira para chamar de sua. O Drag Race Brasil trouxe um respiro de brasilidades ao programa, com histórias e tiradas que trazem uma conexão ainda maior com as histórias de cada queen e a premiada Grag Queen como apresentadora. Fora o axé que já chega para lavar a alma.
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Nesta versão nacional, a mãe, como se chama a drag que apadrinha outras, é jovem – até mais do que a maioria das competidoras – mas que traz o vigor de quem participou e ganhou um reality internacional. Grag Queen foi a vencedora do aclamado Queen of the Universe, série da franquia de Ru focada em drag queens cantoras. Gravado em Londres, o programa reuniu artistas de diferentes países para avaliar a melhor performer que unisse visual e gogó. A gaúcha concorreu contra as norte-americanas Ada Vox e Aria B Cassadine e levou a coroa, o prêmio de US$ 250 mil dólares (R$ 1,4 milhão na cotação da época) e uma nova família para chamar de sua.
“Me senti membro de uma comunidade. A partir da hora que tu sai do teu país, da tua rotina, que o teu celular é tirado de você, que você passa nervoso – porque quando a gente tá no reality, a vida vira um submundo, sabe? – não tem como não virar uma família. As competidoras viram irmãs. Por mais que alguma não se goste, na hora que for mexer com uma, mexeu com todas”, conta Grag em entrevista à Elástica.
O reality trouxe ainda visibilidade e um novo desafio: comandar o primeiro Drag Race Brasil. Fã incondicional de Ru Paul, Grag vê o programa como uma grande oportunidade para artistas se mostrarem, mas mais do que isso, a se puxarem para cima. “No mundo do audiovisual, a gente não é ensinado a se apoiar e sim puxar tapete. Ela [Ru Paul] quis fazer uma coisa generosa, onde ela apresentava não só a performance da Queen, mas como a história dela”.
Ocupando esse lugar de mãe, Grag acredita que não existe possibilidade de torcer por uma drag em especial durante o programa. “Isso pode até tirar o sal e o açúcar de muita gente fã de reality, mas chega uma hora que literalmente não importa quem vai ganhar, sabe? O que importa é que a gente tá entregando uma temporada, que a gente conseguiu fazer material bom pra TV, que a gente foi bem tratada. Que a gente pode voltar para casa falando um monte de coisa legal pra família. E isso é o mais lindo”.
Confira a entrevista completa:
Você foi vencedora do Queens of The Universe que reuniu drags de todo o mundo. Antes do programa, você já acompanhava o trabalho da Ru Paul?
Eu não só acompanhava a RuPaul como era a minha maior paixão, minha maior obsessão. Minhas amigas falavam de Lady Gaga, de Beyoncé, de Harry Potter, de Ariana Grande. Eu só queria saber da RuPaul. Eu tinha livros, papel de parede. Meu foco não era no que ela fez na indústria e sim na generosidade dela, de propagar e resplandecer o sucesso que ela fez dentro da nossa comunidade. Por pensar como potência, como membro de uma sociedade que não só quis vencer sozinha. No mundo do audiovisual, a gente não é ensinado a se apoiar e sim puxar tapete. Ela quis fazer uma coisa generosa, onde ela apresentava não só a performance da Queen, mas como a história dela. Como não só ver ela dançar e cantar, mas sim ver ela costurar, ver ela fazer textos publicitários, ver ela fazer esquetes.
O programa se baseia muito na história de vida de cada uma. Você confia nesse formato para o Brasil?
Ela dava oportunidade para um artista que às vezes não tinha nada na sua cidade, que foi o que aconteceu comigo. De se mostrar de uma maneira, primeiramente com qualidade, em HD, com luz boa pra drag queen, que é o que a gente precisa. E mostrar a sua vida 360º. E isso deu muito certo, porque é sobre a humanidade, né? E é muito paradoxo falar que um programa de drag queens foi um dos programas que mais me mostrou humanidade. Humanidade de pessoas como eu. E eu acho que é por isso que até hoje o programa não cansa. A gente vê tantos programas cansando, né? Formato que cansa, passarela que cansa. Mas as variantes do Drag Race são as histórias de pessoas reais.
Todo ano, a gente tem um banho de novas histórias, de novas possibilidades. De mulheres trans fazendo drag, de mulheres e homens cis fazendo drag, pessoas não-binárias fazendo drag. Também apoiando e fomentando toda essa realidade de que drag é arte, e todas nós podemos fazer.
“Ela [Ru Paul] dava oportunidade para um artista que às vezes não tinha nada na sua cidade, que foi o que aconteceu comigo. De se mostrar de uma maneira, primeiramente com qualidade, em HD, com luz boa pra drag queen, que é o que a gente precisa. E mostrar a sua vida 360º. E isso deu muito certo, porque é sobre a humanidade, né?”
Eu sinto que tem bastante essa conexão, pr’além de se chamar de mãe, vocês parecem formar uma família mesmo. Você sentiu isso lá no Queen Of The Universe também?
Sim, me senti membro de uma comunidade. Eu senti isso porque eu acho que a relação vem de fato de ter coisas relacionadas. A partir da hora que tu sai do teu país, da tua rotina, que o teu celular é tirado de você, que você passa nervoso – porque quando a gente tá no reality, a vida vira um submundo, sabe? Onde a gente fica longe da nossa família, trancada num hotel… O confinamento faz a gente ter outro funcionamento. Não tem como não virar uma família. Você acorda todo dia, às vezes às quatro da manhã, às vezes não vai dormir. As competidoras viram irmãs. Porque esse é o nosso guia de afeto. É inevitável, por mais que alguma não se goste, é literalmente que nem irmão. Na hora que for mexer com uma, mexeu com todas. Ninguém toca na minha irmã. Por mais nojenta que seja, por mais que tenha usado um vestido mais brega que não sei o quê, a gente vai se gostar [risos].
Você já se sentiu muito julgada? Como lida com haters?
Eu acho que o erradicamento do hater é saber o processo das coisas. Porque jogar ódio na internet é simplesmente julgar uma obra pronta. Mas eu acho muito mais lindo o processo do que a própria obra. É uma evolução cultural que o nosso Brasil tem que ter, que as pessoas que fazem questão de fazer hate têm que ter. E quando a gente compartilha essas situações juntas, essas relações, a gente acaba entrando em contato com o processo.
Tem alguém que você torce para que ganhe essa temporada?
Isso pode até tirar o sal e o açúcar de muita gente fã de reality, mas chega uma hora que literalmente não importa quem vai ganhar, sabe? O que importa é que a gente tá entregando uma temporada, que a gente conseguiu fazer material bom pra TV, que a gente foi bem tratada. Que a gente pode voltar para casa falando um monte de coisa legal pra família. E isso é o mais lindo.
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Agora tô assistindo todo esse efeito, todo esse processo, sendo apresentadora, sendo mãe. Eu brinco que sou mãe. Eu posso ter 28 anos e a maioria das participantes são até mais velhas que eu, mas o sentimento de mãe é da natureza. A partir da hora que tu tá lá, vendo elas nervosas, sem dormir – que era nítido -, vendo elas chorando por questões, até estar nas que a gente não resolveu antes de ir, eu vejo de um lugar que me dói o coração, mas ao mesmo tempo eu tenho uma palavra pra dizer, sabe? De dizer, “amor, tá lindo o teu vestido, mas sai da tua cabeça, esquece a tua autocobrança, te diverte, você tá fazendo TV”! Agora a gente conversa bastante fora de câmera e elas me dizem, “nossa, como isso ajudava”! Porque imagina, tá fora do país, tendo que fazer um monte de coisa, além de competir. A competição em si já é o mal da nossa sociedade. Competição entre mulheres, competição entre homens, que formam um machismo extremamente tóxico, competição entre gays da nossa comunidade, onde tem pressão estética, pressão de comportamento, pressão de sucesso, de trabalho.
Eu sinto que umas sofriam mais que as outras, e eu fazia questão de fazer o que toda mãe faz, de ver que o filho pode ser melhor em um lugar, ver onde tá falhando num negócio, e faz questão de mostrar que tem uma parte incrível. Traz essa energia pra toda dificuldade. Eu tive uma mãe assim. E isso é muito reflexo da minha referência de mãe. Então tá sendo lindo, lindo. Eu tô evoluindo como pessoa de uma maneira assim, ó, que eu nem esperava.
Para qualquer fã de RuPaul, é muito gostoso poder ouvir o programa em português, com piadas que a gente se identifica e com personagens que a gente se relaciona. Tipo a fala “É pipoco no furico”, quem que aguenta esse suquinho de Brasil?
Amiga, vai explicar pros gringos o que é popcorn on the hole? [risos]
“Eu brinco que sou mãe. Eu posso ter 28 anos e a maioria das participantes são até mais velhas que eu, mas o sentimento de mãe é da natureza. A partir da hora que tu tá lá, vendo elas nervosas, sem dormir – que era nítido -, vendo elas chorando por questões, até estar nas que a gente não resolveu antes de ir, eu vejo de um lugar que me dói o coração, mas ao mesmo tempo eu tenho uma palavra pra dizer, sabe? De dizer, ‘amor, tá lindo o teu vestido, mas sai da tua cabeça, esquece a tua autocobrança, te diverte, você tá fazendo TV’!”
Deu pra sentir essa conexão muito forte entre vocês e fiquei pensando muito sobre como que rolava com a equipe. Como foi gravar na Colômbia? A equipe era brasileira?
Existem vários braços. Quando a gente sentou pra montar o projeto, a gente precisou considerar que existem coisas que são de franquias. Digamos, abrir um McDonald’s e não querer usar a fritadeira do McDonald’s é meio burrice. Então, a gente usou maquinários e cinegrafistas que já estavam dentro da franquia pra deixar tudo cada vez mais redondo. Tanto franquias e formatos estéticos, que pra nós éramos interessantes. E a parte de roteiro é totalmente brasileira, feita por pessoas LGBTQIA+, pessoas das quais eu fiz questão de virar, assim, melhor amigo na hora de conversar e criar. Porque ele chegava com o roteiro, eu já pegava aquela folha da mão dele, já riscava um monte de coisa. Já dizia, vamos deixar assim, vamos deixar assado? Vamos falar “What’s up, lindas?” E se a gente metesse um “axé”? Daí todo mundo ficou “Meu Deus, vão meter um axé”.
Eu já vim com a pesquisa, falando que nosso país foi extremamente colonizado. A gente fala “Amém” por um motivo extremamente problemático e a gente poderia usar essa plataforma pra gente, artisticamente, poeticamente, mudar isso. Ou fazer com que as pessoas se acostumem. Eu conheço muitas pessoas que têm medo de falar axé por medo de ser reprimido. Então que bote na boca das pessoas. Que se torne mais normal exatamente por ser nosso.
Eu amava esse jogo de roteirista e apresentador, até pra tudo ficar mais na minha embocadura e eu não ficar uma robô. E eu amo que era uma bicha. Vou até falar o nome dele, Gustavo. Ele é muito generoso, muito querido. Uma bicha criativa, artista, do qual ele levantava a bola, eu batia. Eu levantava, ele batia. Também um fã obcecado de Drag Race. Então era isso que eu precisava. Eu estava maquiando, ele estava batendo texto comigo.
Você não pode opinar na seleção das drags, nem nos convidados da edição? Foi tudo um pacote que veio pronto?
Isso. Se não, uma gata surta, né? Era muita coisa, amiga. Eu já estou vendo qual botão eu vou querer da camiseta, da unha, a ponta da unha, qual pérola que vai ser. E eu sou assim. Eu vou nervosa olhando para todos os detalhes.
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E a RuPaul chegou a comentar alguma coisa? Chegou a pronunciar de alguma forma sobre essa edição brasileira?
Diretamente, pra mim, não. E nem na mídia. Porém, duas pessoas muito importantes, que são os dois CEOs da Wow Presents, que eles são quem compraram os direitos do Drag Race, e eles que são os bam-bam-bam, ambos fizeram questão de me mandar, de postar no seu feed, minha foto, o orgulho que eles estão, o quanto tem evoluído cada episódio, enquanto franquia e enquanto talento, e que eles estão amando conhecer mais o Brasil de uma maneira que não é estereotipada, que não é só um bando de gente louca tomando caipira, jogando futebol, dançando carnaval, que mora em cima de uma árvore. Porque isso existe ainda! Depois que eu fiz tour nos Estados Unidos, pasme, tem gente que pergunta qual é o antídoto que eu uso caso uma cobra me morda. Eu disse, Mona, se manca! Eu vou te mostrar o antídoto se eu morder a tua testa agora, sua desinformada!
Norte-americanos são narcisistas pra caramba, a ponto de nem estudar o que existe. De eu chegar na Queen of the Universe e as pessoas não saberem onde é que ficava o Brasil, sabe? Eu assim, passado, digo, gente, vocês não têm geografia na escola? E elas, ah, não é o nosso forte. Eu digo, sim, isso tá nítido, mas o mais bizarro que é literalmente porque eles só pensam neles.
Ao longo do processo, você foi criando suas preferidas ou se era uma conexão que ultrapassou isso e realmente, quem vencesse tá show, foi gravado várias vezes?
Pergunte pra qualquer mãe que você conhece se existe um filho preferido. Não existe. Eu vim tentando ser o preferido da minha mãe a vida inteira, e até hoje, com toda a abertura que a gente tem, ela não me dá essa resposta. A gente fala tanto do amor, do quão grande, do quão potente e do quão foda ele é, um destruidor de barreiras. Por que que teria uma preferida? Por que teria um só? Tem espaço no coração pra todo mundo. Eu acho que quando você tem sensibilidade pra admirar o mais belo de cada pessoa, você não consegue escolher uma preferida, porque cada uma tem um molho diferente, sabe? É que nem escolher entre Liz e o Whitney, entre estrogonofe e um saladão gostoso. Cada uma tem um lugar no meu coração. E lá não teve como escolher preferida, e até hoje eu não tenho uma preferida. Preferida pra mim é a primeira temporada de Drag Race Brasil, que foi o que a gente fez juntas.
“Norte-americanos são narcisistas pra caramba, a ponto de nem estudar o que existe. De eu chegar na Queen of the Universe e as pessoas não saberem onde é que ficava o Brasil, sabe? Eu assim, passado, digo, gente, vocês não têm geografia na escola? E elas, ah, não é o nosso forte”
E é a primeira de muitas? Vão rolar outras?
Com muito, muito axé e fé no coração, eu espero que tenham mais. Eu tô pronta!