Com seu novo projeto "Das coisas que vemos em isolamento", Ricardo Luis Silva fala sobre solidão, privacidade e relações interpessoais em tempos de pandemia
por Kareen SayuriAtualizado em 14 set 2020, 18h36 - Publicado em
10 set 2020
00h00
aminhar pela cidade, cruzar ruas e dobrar esquinas sem saber o que vamos encontrar. Essas são algumas das leituras urbanas que o arquiteto e professor universitário Ricardo Luis Silva, 39, tem em seus estudos e pesquisas sobre a cidade. “Eu gosto dessa experiência corporal, de caminhar, perceber o espaço.”
Além de dar aulas, ele promove caminhadas coletivas longas, de até 40 km e muitas horas de duração, pela cidade de São Paulo que geram pequenos livros com os registros dos participantes – desenhos, fotografias e textos, um diário de bordo a partir do exercício do caminhar. Com uma pandemia avançando até a sua chegada no Brasil em março, fomos privados de experimentar a cidade e nos vimos obrigados a permanecer dentro de casa, em isolamento social. Com Ricardo, não foi diferente – mas, para ele, cenas comuns de ver percorrendo pela cidade mudaram de ângulo. Assim, nasceu o “Das coisas que são vistas em isolamento”, projeto que ele assina com seu alter ego, Por onde o homem anda.
“Um dia, uma das pessoas, não sei se é homem ou mulher – existem nuances claras, mas nem sempre dá pra reconhecer –, armou no parapeito da janela uma toalhinha xadrez, botou um vaso, um pratinho, um potinho de alguma compota, o café e o filtrinho. Montou uma mesa de café da tarde e fez o café dela ali. Com essa cena, eu compreendi que a gente está se relacionando socialmente pela janela”, lembra.
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“Esse enquadramento de janela é onde você consegue encontrar esse pedaço de você que falta, essa semelhança. Ver uma pessoa completamente desconhecida, que sempre esteve lá, fazendo a mesma coisa que eu, é como se eu estivesse vendo partes de mim nas outras pessoas
Ricardo Luis Silva
Em vez de percorrer as ruas da capital paulista, é da janela do vigésimo andar do prédio em que mora, no centro da cidade, que ele escolheu continuar um hobby – ou uma obsessão? – que o acompanha há bastante tempo: catalogar em listas cenas e imagens que pertençam a uma mesma categoria. Exemplo disso é a coleção “Das coisas”, série de 3 fotolivros com fotografias que Ricardo fez durante suas caminhadas e publicou em uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo, assim como fez com “Das coisas que são vistas em isolamento” – este último projeto bateu 126% da meta estabelecida por Ricardo e, nas próximas semanas, o livro com imagens selecionadas do projeto deve chegar para quem contribuiu.
Conversamos com Ricardo sobre criatividade, privacidade, solidão e os caminhos que o homem pretende andar depois da pandemia. O resultado do papo você confere aqui embaixo:
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Como começou o projeto Por onde o homem anda? Quem é “o homem que anda” como um corpo isolado? Isso é praticamente assunto de análise para mim [risos], tenho essa dupla personalidade que se mistura intensamente, esse lugar do artista e do professor. Fiz faculdade de arquitetura em Santa Catarina, sou de São Bento do Sul, uma cidade de 50 mil habitantes perto de Joinville. É uma cidade alemã, super tradicional, 95% de eleitores do Bolsonaro. Sempre sofri muito lá por me sentir fora do lugar. Mudei para Florianópolis para a faculdade e lá também me sentia meio deslocado, por um problema que é: Floripa é muito legal para quem está passeando, mas morar lá é bem difícil. As distâncias são gigantescas, andar a pé é muito difícil, você tem ilhas urbanas que vão funcionando, mas elas são separadas por 5 quilômetros de nada, muitas vezes. E eu gosto dessa experiência corporal, de caminhar, perceber o espaço. Quando vim para São Paulo em 2005 para fazer mestrado, me senti um pouco mais em casa – e foi isso que eu coloquei em questão na análise [risos]. Esse pesquisador sobre a cidade se juntou com o personagem do professor. Meus estudos acadêmicos são sempre sobre leituras urbanas. Desde então, venho caminhando muito pela cidade, excessivamente até. Ia a pé da Lapa para o centro, que era o trajeto do trabalho para casa. Sempre tive muita preguiça de pegar ônibus, decorar os processos e cruzamentos, preferia sair andando. Foi assim que misturava o pesquisador com o artista, pela caminhada. Sempre gostei muito, tenho uma inquietação grande, gosto de acumular coisas de todas as formas. São Paulo tem muito isso, a gente encontra muita coisa pelo caminho, principalmente quando olha para as caçambas de entulho. Comecei a colecionar muita coisa, desenhar muito o que eu via nesses caminhos, mas não gosto do meu desenho, não me identifico com ele. O Por onde o homem anda surgiu desse andar mais simbólico, transformei quase num alter ego, em que eu botava pra fora tudo que eu encontrava. Em vez de desenhar, ficou fácil fotografar quando os celulares foram melhorando. O único projeto que não fotografei em celular foi esse da pandemia, por uma restrição técnica mesmo. Percebi que a minha dinâmica do projeto artístico se juntou mais ainda com a questão do acadêmico. O desenho você sempre demora, sempre filtra, você tá vendo o que está desenhando, e tem um pouco dessa dificuldade da interpretação simbólica, você nunca retrata aquilo 100% real. A fotografia dá essa crueza. Aí comecei a explorar a fotografia nesse lugar de conseguir registros mais reais e crus, mais sujos.
Como colecionador, isso também faz com que você tenha mais quantidade? Eu andava com um caderninho na mão para fazer esses desenhos, levava um ou dois lápis de cor. Se eu queria vermelho, mas estava com o azul e o amarelo só, escrevia qual era a cor para chegar em casa e terminar. A fotografia me permite captar tudo, na hora. Por onde o homem anda acaba sendo esse caminhante que coleciona coisas.
O que difere o homem que anda do Ricardo? Tem um lado também dessa minha questão pedagógica, pesquisadora. É quase uma intenção replicadora. O que eu estou fazendo é construindo um método que outras pessoas possam fazer também. Isso perpassa minha pesquisa, meu trabalho, construir processos. Por isso que eu acabo dizendo que não sou eu, é a ideia de uma pessoa – já até criticaram esse título. Nesse momento de discussão de gênero, a palavra “homem” carrega vários pesos. Eu sou super militante, mas a língua portuguesa tem essa característica masculinizadora. Muita gente compara isso com Baudelaire, lá no século 19, inventando a figura do flaneur, que não é concreta. As pessoas que se vestem bem com essa roupa saem por aí fazendo o que esses personagens se propunham. A ideia é que ele seja simplesmente um personagem sem rosto para que qualquer pessoa possa se identificar. Me perguntam o tempo todo “posso usar sua hashtag?”. O Instagram é o último lugar de propriedade das coisas! A hashtag tá ali para as pessoas usarem como quiserem.
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Falando sobre a sua série “das coisas que são vistas em isolamento”, como foi o processo de ver de cima, e não do ponto de vista de quem caminha? Moro no 20º andar de um prédio no centro de São Paulo. A cena mais famosa, que é a chegada da Avenida São Luis ao meu prédio, não é a minha – moro do lado de trás, virado para a Bela Vista, então tenho mais perspectiva de um bairro. Esse projeto está sendo completamente estranho pra mim, é também um tipo de terapia. É um desconforto interessante, prazeroso, um exercício desconfortável. Primeiro por não estar caminhando, não ter essas descobertas – a parte mais legal de andar pela cidade é não saber o que você vai encontrar ao dobrar a próxima esquina. Isso de você olhar pela janela, o cenário é sempre o mesmo, já saber sempre o que eu vou enxergar. Tenho uma memória visual muito boa, é irritante olhar para a mesma coisa várias vezes, vou perdendo o interesse. Tem pessoas nesse projeto, e não é a minha praia fotografar pessoas, até por isso o trabalho é das coisas. E tem essa coisa de um registro mais recortado. Gosto muito mais do meu trabalho de inventário, que são as listas que faço. Estou inventariando coisas amarelas, vermelhas, coisas das esquinas. É um processo infinito, relacionado com o trabalho que acontece na rua, que tende a ser mais frontal, sem muita perspectiva, como um inventário mesmo, para mostrar o que é. De repente, me vi num lugar que eu não tenho nada frontal na minha frente, vendo tudo de cima.
Fotografar pessoas que estão em suas casas pode ser visto por alguns como uma invasão de privacidade – afinal, seus personagens não sabem que estão sendo fotografados. Você teve algum questionamento sobre isso? Como disse, o primeiro incômodo foi fotografar pessoas. Me vejo muito pouco dentro desse grupo que chamam de “fotografia de rua” porque quase todos eles têm personagens da cidade presentes. Ver pessoas na minha foto já me incomodava. Era uma coisa inconsciente, meu primeiro instinto era esperar elas saírem do quadro. Além disso, sim, tem esse lugar ético muito forte, muito difícil de resolver, porque é sobre privacidade. O exercício foi o tempo inteiro de tentar não focar nas pessoas, mas no que elas estavam fazendo. Um braço para fora da janela, um pé que está fazendo algo, muito mais a ação do que a pessoa, sempre buscando estratégias, como esperar a pessoa olhar para o lado oposto ao da câmera, assim não pegava o rosto. Pelo foco e pela regulagem da máquina, optei por não dar profundidade suficiente para enxergar dentro do apartamento. Da linha da janela pra dentro, é uma escuridão ou algo completamente fora de foco, na maioria das vezes. essa borda da janela foi algo que eu comecei a reconhecer quase como um espaço público.
Em que momento você percebeu isso? Um dia, uma das pessoas, não sei se é homem ou mulher – existem nuances claras, mas nem sempre dá pra reconhecer –, armou no parapeito da janela uma toalhinha xadrez, botou um vaso, um pratinho, um potinho de alguma compota, o café e o filtrinho. Montou uma mesa de café da tarde e fez o café dela ali. Com essa cena, eu compreendi que a gente está se relacionando socialmente pela janela. Isso me fez abandonar um pouco o receio de invadir as privacidades, como se ela estivesse num café e eu estivesse passando de bicicleta. Outro dia, vi um cara cortando o cabelo e fazendo a barba na janela. Comecei a sentir uma sensação coletiva inconsciente de que todo mundo queria aparecer de alguma forma. Senti esses gestos se repetindo, acho que talvez as pessoas tivessem uma vontade de serem vistas. mas, claro, em vários momentos eu percebia que, para onde minha câmera estava apontando, estava muito propício a virar uma invasão de privacidade completa. Tentei sair desse lugar o tempo todo.
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Você se afeiçoou por algum dos retratados? Sim. Criei uma relação, quase um acompanhamento, com duas vizinhas. Tem uma senhorinha que parece muito a minha avó, o jeito de se comportar, ela aparece em umas 4 ou 5 fotos. Limpando o cachorro dela, fazendo a unha, o marido fazendo a unha dela. Ela é meio baixinha e se debruça no parapeito para ver a rua. A outra foi uma menininha, inclusive pedi autorização para a mãe dela para incluir as fotos no livro. Ela me manda mensagem de voz, me segue no instagram. Elogia, a gente criou uma relação. Ela pediu para eu tirar uma foto minha e mandar pra ela, porque ela queria saber meu rosto também. Ela não é mais uma pessoa que aparece na foto, virou algo mais concreto. A senhorinha não sei o nome e provavelmente ela não sabe que eu fiz o projeto. E, claro, tem sempre um lance jurídico quando falamos da imagem de alguém.
Durante a pandemia, isso virou notícia inclusive, quando uma mulher colocou uma faixa denunciando vizinhos que a estavam fotografando… A pandemia trouxe muito isso para o foco da discussão. Fotografar pessoas é zero minha expertise, mas isso ganhou uma magnitude de projeto que eu não esperava. São 333 fotos, cerca de 280 pessoas fotografadas, o ético seria falar com todas elas, mas grande parte delas, sendo só uma mão ou um braço, isso pode ser de qualquer pessoa. Tem várias fotos de pessoas na rua também, que seria impossível de saber quem são. É completamente diferente do caso da faixa.
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Alguém já se reconheceu? Ih, vários! Eu pego um pedaço do edifício Planalto, tenho amigos que moram lá, então um amigo reconheceu o vizinho e o marcou no Instagram, aí começou uma rede de pessoas que moram no Planalto se marcando, o que me ajudou a buscar as autorizações de direito de imagem. Quando o projeto ganhou um certo corpo, gerou um pouco de receio entrar em contato com essas pessoas. Falar com porteiros, síndicos…
Em algum momento você saiu de casa, para fazer mercado, por exemplo, e encontrou alguma dessas pessoas? Querendo ou não, tem uma padaria aqui perto que é onde todo mundo vai. O bom da máscara é que a gente não tem esse reconhecimento completo. Fotografei os braços de um cara forte, cobertos de tatuagens tribais, e eu vi esses braços na padaria uma vez. Foi engraçado reconhecê-lo, uma experiência antropológica interessante para mim, e me ajudou a manter a sanidade.
Você chegou a acompanhar alguma história dos seus personagens? Acho que não [risos]. Presenciei algumas mudanças, reformas, reconheci um pouco essa dinâmica, mas não cheguei a acompanhar uma história completa. Eu estava muito interessado na borda da janela, então quando saía de cena da borda, eu parava de olhar. Não consegui criar uma narrativa de novela. Foram 4 meses quase, daria pra fazer, mas meu foco era outro. A gente vai criando umas historinhas em volta das pessoas, é meio inevitável, mas acho que eu estava tão concentrado nesse tipo de registro mais do cotidiano, na borda, que a minha memória ou a minha atenção fez questão de não encadear nada com mais clareza. Talvez um pouco do inconsciente de não dar muita atenção para não invadir a privacidade.
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O projeto fez você se sentir menos sozinho? Essa coisa da solidão, sim, acho bem simbólico e marcante esse exercício. A gente sempre soube que essas pessoas estavam ali, mas percebi que estamos todos no mesmo barco. É uma sensação de solidariedade e não de solidão. Isso está no texto do livro, a busca de perspectiva. Estamos nos sentindo tão sozinhos, não só como indivíduos, mas a gente foi privado tanto de qualquer tipo de perspectiva, de pensar em futuro. Fotografar esse projeto me deu perspectiva visual, claro, mas também um pouco de futuro. Estou olhando para uma janela que não tem nada, mas tenho certeza que daqui a pouco alguém aparece. Dá uma certa segurança.
Como foi o processo de fotografar? Quantas horas por dia, durante quanto tempo? Foi bastante errático. Como a minha escrivaninha é do lado da janela, com um parapeito mais ou menos baixo, quando eu ficava cansado de ficar sentado, ia lá olhar um pouco na câmera, que ficava no tripé. Senti, vendo e arquivando as imagens – fiz mais ou menos 3 mil fotos durante 111 dias –, que tinha uma equivalência em dias com mais fotos quando eu estava mais melancólico, que eu tinha ouvido uma notícia ruim. Comecei a perceber que acabava sendo uma fuga para mim, talvez com essa tentativa de me solidarizar um pouco mais com outras pessoas. Tem dias com 400 fotos, tem dias com 8. Tinha dias em que estava chovendo, então nem dava pra abrir a janela, oscilou muito. O processo foi evoluindo e mudando também. Nos primeiros 40 dias, eu estava animado, achando que o projeto ia ganhar corpo e ia acabar logo. Quando chegamos em 80 dias, já sabendo que não íamos sair de quarentena tão cedo, foi muito difícil decidir quando parar de fotografar. Lá pelo centésimo dia, me deu um pequeno bode. Pessoas lendo na janela? Já fiz, não quero mais. Aí começaram a vir as notícias das flexibilizações e eu saí desse bode.
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O financiamento coletivo para tirar o projeto do papel foi muito bem sucedido, batendo 126% da meta. Quais os próximos passos agora? Foi mais do que eu imaginava. É a minha terceira experiência com crowdfunding: arrecadei 37 mil reais no primeiro, o Catarse até entrou em contato comigo [risos]. Fui construindo um arcabouço de campanha para dar recompensas que fossem de fato recompensas. Acho que esse meu jeito mais híbrido – tenho amigos do mestrado e do doutorado, tenho outros que são alunos, de várias faculdades, tenho amigos de infância… Isso ajuda a bater a meta também. A festa desse primeiro projeto foi uma festona, todo mundo que ajudou, foi.
Dessa vez, eu estava muito descrente, não sabia se iam gostar da temática. O primeiro livro tinha a história das cores, acho que rolou um fetiche do objeto. Neste, achei que a galera não ia querer ficar vendo gente na janela, pensei que essa campanha ia durar seis ou sete meses e, em 40 dias, tinha batido a meta. Eu me surpreendi também porque achei que as pessoas estavam muito sem grana. O livro custa R$ 38, fui atrás de uma gráfica mais barata para não custar os mesmos R$ 50 que custaram os outros livros. Enquanto a campanha estava no ar ainda, comecei a correr para finalizar o livro, comecei a trabalhar no design. O próximo passo, agora que os livros estão prontos, é começar a mandar para as pessoas. Só não sei como, porque os Correios estão em greve [risos].
Por onde o homem vai andar quando ele puder andar? 2020 era o ano em que eu não ia ter projeto nenhum. A Ana Paula, minha produtora, tinha pedido para pensarmos melhor no próximo projeto. Até por isso ele chama “edição isolada” – não só pelo isolamento social, mas porque ele está fora da lógica dos outros projetos. Minha ideia inicial era fazer nove livros. Os três primeiros das cores, os três do cotidiano e, os três últimos, seriam de uma narrativa mais da palavra.
Primeiro a obsessão com lista, agora com o número 3… você é virginiano? Por que essa fixação com o 3? Não [risos]! Por incrível que pareça, sou geminiano, então não sei te dizer se eu que persigo o número ou ele que me persegue. Mas acho que sim. Sempre fui o número 33 na lista de chamada. Uma das minhas obras favoritas é o Terceiro Sexo, de Foucault. Este livro tem 40 fotos por causa da quarentena, seria inviável fazer um com 333 financeiramente. No verso das fotos, algumas tem um grid, até a ideia um pouco de que são fotos soltas para você montar o seu próprio “coisas vistas no isolamento” do jeito que você quer, ele não vai encadernado. E o lado de trás de 10 dessas fotos soma as 333 do projeto.
Se o outro é uma janela ou um espelho em que você busca reconhecimento, em que lugar você se reconhece nesses outros que você viu e em que lugar você não se reconhece? Dei uma aula sobre o eu e o outro e como isso é importante para pensar a cidade. Sempre uso o filme argentino O homem ao lado, que trata de um personagem extremamente arrogante, designer internacional, que tem um vizinho bronco, mecânico, que resolve abrir uma janela na divisão entre as duas casas. Outra metáfora parecida vem de Medianeras, toda a construção desse filme está baseada em duas partes de um mesmo eu que estão separadas. Eles são vizinhos e nunca se encontram, só quando eles abrem uma janela entre eles. A abertura daquela janela faz com que eles se olhem pela primeira vez. Esse enquadramento de janela é onde você consegue encontrar esse pedaço de você que falta, essa semelhança. Olhar para esse enquadramento e ver uma pessoa completamente desconhecida, que sempre esteve lá, começar a vê-las fazendo a mesma coisa que eu, é como se eu estivesse vendo partes de mim nas outras pessoas, que não estão necessariamente fazendo a mesma coisa que eu. Vi gente malhando, fazendo yoga, e eu não fiz isso, mas rolou até esse reconhecimento de me ver não mais em pedaços, mas vendo nos outros um pouco de mim.
Depois dessa experiência, o que você não tem interesse de registrar? Pessoas, definitivamente [risos].