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A relação da arte, da morte e do luto

Os integrantes da banda Lagum falam sobre como superaram um dos seus piores momentos, a morte de seu baterista

por Gabriel Portella 3 Maio 2023 16h23

Os estalos do chimbal, as batidas fortes no bumbo e o choque entre as baquetas e os pratos de condução e ataque aceleram, sem muito esforço, as batidas do coração, fazendo o pé mexer e o sorriso aparecer. É na música que muitas pessoas encontram um vislumbre de refúgio, de calma e de alegria.

“Nem pouco, nem muito, o necessário para ser feliz”, é esse conceito um tanto quanto abstrato que pode ser definido para traduzir a palavra sueca “lagom”. Mesmo sem relação direta com a criação do nome da banda Lagum, a filosofia é bastante similar aos que os artistas buscam transmitir com todas as suas canções. Com mais de 3.1 milhões de ouvintes mensais no Spotify e 460 mil seguidores no Instagram, a banda mineira fundada em 2014 já alcançou o topo das paradas com inúmeros sucessos e conquistou uma legião de fãs, além de ter sido indicada ao Grammy Latino no último ano.

Porém, entre inúmeros motivos de felicidade, os integrantes da banda precisaram se deparar com uma grande perda no caminho. Em setembro de 2020, o baterista da banda Breno Braga, conhecido como Tio Wilson, faleceu por causas naturais após um show drive-in em Belo Horizonte. Então Lagum, assim como milhões de pessoas ao redor do mundo, precisou lidar com um dos maiores tabus e dores da sociedade atual: o luto.

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O tabu da perda

Segundo a psicóloga Pollyana Basso, o luto é uma mistura de diferentes sentimentos de tristeza relacionados a perda de alguém ou de algum objeto que tenha muito significado e amor envolvido. É a insuficiência perante o fato de não termos mais aquilo que já tivemos.

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Mesmo sendo uma emoção comum em todos os seres humanos, falar de luto ainda é um grande tabu, em especial no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Studio Ideias e divulgada pela BBC, 74% dos brasileiros evitam falar sobre morte no dia a dia. Pollyana explica que, em especial entre adultos, há uma resistência maior em se discutir sobre assuntos relacionados ao óbito: “A gente vem de uma cultura onde chorar é sinônimo de fraqueza. Com as rotinas cada vez mais agitadas, as pessoas estão sempre precisando resolver as coisas e não passam pelo processo de dor após uma perda, o que chamamos de luto prolongado”.

A psicóloga também comenta que, atualmente, é difícil afirmar que as pessoas estão vivendo o luto de acordo com os cinco estágios descritos pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross em seu livro Sobre a Morte e o Morrer, publicado em 1969. Para Pollyana Basso, a linearidade das fases foi diluída, processo que acabou sendo acelerado devido a pandemia: “Não necessariamente você vai enfrentar a negação logo de início, já foi linear, mas isso mudou conforme o comportamento das pessoas. Não se falava de luto, mas agora as pessoas falam mais, mesmo ainda não sendo o suficiente”, explica a terapeuta.

De acordo com a coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Mental (Conasem/Cofen) Dorisdaia Humerez, o aumento de transtornos ansiosos e depressivos atingiram patamares alarmantes após a crise sanitária global. “A saúde mental é muito mais do que a ausência de agravo ou transtorno mental. Saúde e bem-estar estão intimamente ligados ao comportamento dos indivíduos”, afirma Dorisdaia.

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Para a psicóloga Pollyana Basso, a pandemia da COVID-19 instaurou no mundo todo um sentimento muito grande de ansiedade e luto generalizado, devido ao fato de que todos acompanharam em tempo real as mortes de milhões de pessoas. Além disso, Pollyana explica que os rituais de luto, como o velório, foram interrompidos, prejudicando a maneira em como as pessoas lidaram com as suas perdas. “A ansiedade é a preocupação com algo que nem aconteceu e nós vivíamos isso o tempo todo. Vai que eu morro? Vai que quem eu amo morre? Foi uma onda de medo gigante que fez com que todos nós vivêssemos em uma tristeza”, explica.

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(Lagum/Arquivo)

A arte como remédio para o luto

Quando questionado se a banda reservou um tempo para digerir a perda de seu integrante, o baixista Chico Jardim afirma que sim, mas que eles preferiram utilizar a perda como propulsor para continuar realizando seus trabalhos. “A gente sempre mirou em continuar, isso era algo que o Tio Wilson queria que acontecesse. É pegar a energia, representar o que o Tio Wilson foi para nós e transformar o luto em algo positivo”, afirma.

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O guitarrista Jorge ressalta que isso não significa que a perda não foi sentida, afinal, para ele, Tio Wilson era um alicerce muito importante e seu falecimento mudou todos os aspectos do grupo, desde a parte musical à parte empresarial. “Ele era uma pessoa que tinha um relacionamento muito importante com os fãs, internamente ele era sempre uma voz sensata, de saber acalmar, marcou nossa história e tem reverberações até hoje”, explica.

Pedro Calais, o vocalista, pontua que a positividade do grupo influencia diretamente no sucesso do mesmo e que eles buscam sempre serem otimistas. Pedro conta que a conversa tem um poder quase mágico e que ela foi essencial para a Lagum atravessar momentos mais difíceis.

“Há anos vem se provando que a arte auxilia diretamente em quaisquer processos de sofrimento. O psicólogo vai trazer a arte para dentro da terapia, a música, a escrita, a pintura”, comenta Pollyana Basso, que relembrou o impacto positivo na saúde mental causado pela música durante a pandemia.

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(Lagum/Arquivo)

Na última década, grupos e bandas mundialmente emblemáticas se dissolveram, dando início a um ciclo de carreiras solos. No entanto, recentemente, bandas que já haviam se separado, como o NX Zero, Titãs, Paramore e até RBD voltaram a se reunir. Questionados se uma possível separação já foi discutida, os integrantes negam, afirmando que todos valorizam muito a experiência por trás de uma banda.

“Nascemos em uma era onde as bandas já estavam se rompendo e acho que algo que todos nós compartilhamos é a vontade de não deixar ser diluído. Tempestades virão e primaveras também, é um caminho tortuoso mas a nossa força de vontade é maior”, afirma o guitarrista Zani.

Calais confessa que às vezes fica abismado em observar os desafios que a banda superou e utiliza isso como um lembrete de agradecer e aproveitar os bons momentos. “Fazíamos coisas de qualidade com um valor extremamente barato, às vezes fazíamos 02 meses de show para juntar uma grana para poder gravar um single e hoje a gente tem um contrato com gravadora e a gente pode realizar o que a gente quiser”, pontua Pedro.

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FIM

No último dia 16 de março, a banda mineira fez o lançamento surpresa do seu novo single “FIM”. Como um bom solo de bateria precisa de um fim épico para assentar sua grandiosidade, a banda afirmou que seus próximos passos são férias. Os integrantes ressaltam a importância do momento de descanso para os cuidados com a saúde mental e explicam que isso não simboliza, de forma alguma, um hiato do grupo.

Perguntados sobre quais novas metas a banda busca alcançar, além de novos mercados, a resposta do grupo é unânime: um Grammy. Com a energia deixada por Tio Wilson, Lagum continuará a mostrar para seus fãs que, em meio a dor e sofrimento, eles poderão sempre encontrar um local de segurança quando colocam seus fones de ouvido. Um local de aconchego em meio a um vasto vazio, como uma ilha no meio de uma lagoa.

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