oram seis anos de dor abdominal intensa, náusea, vômitos e outras complicações gastrointestinais até Natália Candiago, 23 anos, encontrar alívio no óleo de canabidiol, um dos mais promissores componentes da maconha conhecido pela sigla CBD. A estudante de medicina de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, passou por dez médicos até identificar que a causa das dores era a endometriose, doença na qual ocorre um depósito de células do endométrio, tecido que reveste a parte interna do útero, do lado de fora do órgão.
O diagnóstico não atenuou seus desconfortos. Hoje, há apenas dois tipos de tratamentos para a doença que afeta mais de 7 milhões de mulheres no Brasil: o uso de pílulas anticoncepcionais, que bloqueiam a produção de estrogênio – hormônio que alimenta essas células que produzem as substâncias pró-inflamatórias e doloridas – ou uma cirurgia para remoção dessas células. Ambas, porém, não são garantia de cura. Natália usou a pílula de progesterona para inibir o ciclo menstrual e controlar os sintomas, mas não adiantou. “A medicação simula uma menopausa, então eu sentia muito fogacho (ondas de calor intenso pelo corpo). Acordava de madrugada com sensação de sufocamento”, desabafa.
Desesperada, a estudante partiu para o óleo de canabidiol com aval do seu médico. Natália compra o óleo da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi). Cada frasco de 30ml custa 170 reais e dura até cerca de dois meses. Há meio ano, ela toma 20 gotas por dia. “Foi um combo de hábitos mais saudáveis, como alimentação e exercícios, e o uso do óleo. Isso me deu uma qualidade de vida muito superior à que eu tinha antes, sem dores e outros sintomas”, afirma. A substância age tanto como um analgésico quanto como um neuromodulador ou anti-inflamatório. “Daí advém seu enorme potencial para tratar a endometriose que está associada com transtornos de humor”, explica o médico Omero Benedicto Poli Neto, professor USP de Ribeirão Preto, uma das universidades mais profícuas em estudos da cannabis medicinal. “O CBD me ajuda muito com a ansiedade e a saúde mental, em geral. Não tive mais episódios depressivos”, confirma Natália.
A Anvisa retirou a proibição ao uso do óleo em 2015 e liberou a venda em farmácia de produtos importados quatro anos depois. Com essas flexibilizações recentes, o canabidiol se consolidou como uma das mais promissoras frentes no tratamento da endometriose e de outras doenças com alta prevalência entre as mulheres. Pelo menos dois estudos testarão a substância em 2022. Um deles ocorrerá na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), capitaneado pelo ginecologista Eduardo Schor. Será o primeiro estudo clínico randomizado sobre a eficácia do tratamento da endometriose com o óleo de canabidiol. A ideia é avaliar a melhora dos desconfortos em 30 pacientes – já se sabe que o CBD atua na transmissão nervosa, um dos principais mecanismos de dor. “Temos uma boa expectativa de alcançar o objetivo, mas este estudo também terá a função de desmistificar o canabidiol”, reforça Eduardo.
“Foi um combo de hábitos mais saudáveis, como alimentação e exercícios, e o uso do óleo de canabidiol. Isso me deu uma qualidade de vida muito superior à que eu tinha antes, sem dores e outros sintomas”
Natália Candiago
O segundo estudo será liderado pelo professor Omero e ainda aguarda liberação do financiamento. “Nosso objetivo é avaliar a dose segura e adequada do canabidiol como adjuvante ou para aquelas pacientes que não tiveram sucesso com a cirurgia ou com os anticoncepcionais”, detalha Omero, que também é vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP.
A empresa GreenCare, que oferece produtos derivados da cannabis para compra e importação, firmou parceria com várias universidades do país, dentre elas a Unifesp, e vai investir R$ 15 milhões em pesquisas com doenças diversas, incluindo a endometriose. Outros já aprovados serão desenvolvidos na USP, para a doença de Parkinson, e na Universidade Federal da Paraíba, em Rio Grande do Norte, no tratamento do transtorno do estresse pós-traumático e obsessivo-compulsivo.