A Elástica foi até Rio Grande do Norte para acompanhar o Festival MADA, que contou com shows de Linn da Quebrada, Emicida, Gloria Groove e muito mais
por Beatriz LourençoAtualizado em 4 out 2022, 16h49 - Publicado em
3 out 2022
09h30
o final de semana dos dias 23 e 24 de setembro aconteceu o Festival MADA, Música Alimento da Alma, no Rio Grande do Norte. O evento, que está ativo há 24 anos, reuniu um line-up diverso que mesclou artistas do Brasil todo. Entre sexta e sábado, subiram aos palcos Linn da Quebrada, Emicida, Djonga, BaianaSystem, Potyguara Bardo, Letrux, Gloria Groove e muito mais.
A estrutura foi montada na Arena das Dunas, estádio construído para sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014. Em janeiro de 2016, ele foi classificado pelo Sistema Brasileiro de Classificação de Estádios (Sisbrace), como o melhor do país, sendo o único a receber nota máxima em todos os quesitos – como alimentação, limpeza, conforto e acessibilidade.
Essa última categoria foi levada a sério pelo festival, que contratou intérpretes de libras para acompanhar os shows. “Eles estão cumprindo todos os requisitos, principalmente com a área criada para pessoas com deficiência”, diz Ivan Baron, influenciador e criador de conteúdo. Segundo o produtor do MADA, Jomardo Jomas, esse é um caminho sem volta: “Muita coisa ainda precisa melhorar. Na próxima edição, esperamos fazer um telão com libras, além de braille”, conta.
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O violão de Josyara
No primeiro dia, a cantora, compositora e instrumentista baiana Josyara apresentou seu novo disco, “ÀdeusdarÁ”. Com a voz firme e suave, ela estava acompanhada de seu violão percussivo e letras que falam de amor, religião e ancestralidade. “O meu segundo disco é um recorte das questões que temos enfrentado, como a desigualdade social, o racismo e a intolerância religiosa”, diz. “Comecei as composições em 2020, durante a pandemia, então há músicas que também falam de esperança, da luz no fim do túnel.”
A necessidade de colocar para fora suas inquietudes e dizer o que ama é o que a instiga a criar. E ela está sendo ouvida: já levou os troféus de Melhor Instrumentista e o Escuta As Minas, categoria que revela novos talentos do WME Awards. “O candomblé e a umbanda, religiões de matriz africana, são temas que eu canto porque cresci em Salvador e nossa música parte dos terreiros. Canto para agradecer todas essas forças invisíveis que nos regem”, revela.
Marina Sena se apresentou no sábado, após Boogarins, Afrocidade e Don L. Pode-se dizer que ela, que lançou seu primeiro disco solo, De Primeira, em 2021, está vendo de perto todo o sucesso que faz na internet. “Estar junto é o jeito que a gente tem para se conectar de verdade com o público. Ver no online é legal, mas ver pessoalmente e sentir essa emoção pulsar no seu corpo é super importante”, conta.
Por mais que as críticas à sua voz sejam constantes, a cantora as deixa de lado e segue fazendo um trabalho autêntico – que funciona. As canções “Voltei pra mim”, “Por Supuesto” e “Me Toca” fizeram dançar as quase 10 mil pessoas que estavam presentes.
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Intercâmbio cultural
Mayra Andrade foi outra estrela da noite. “Se você não conhece, precisa conhecer já”, disse um fã para seu colega pouco antes de começar o último show de sua turnê pelo Brasil. A cantora e compositora nasceu em Cuba, cresceu em Cabo Verde, morou na Alemanha, no Senegal, em Angola e hoje vive em Portugal. Para ela, esses são países que prezam por uma cultura forte e isso influenciou seu jeito de estar no mundo, para além de suas músicas. “Aprendi a olhar para as diferenças e isso me enriquece. Como minhas produções são um reflexo da minha vida, isso impacta elas, sim”, diz.
O crioulo, gênero musical de origem cabo-verdiana, é a base de sua obra, incrementada pela MPB, jazz e a música portuguesa. Mayra já tocou com Gilberto Gil, Criolo e Mariana Aydar. “Cresci interessada pela música brasileira porque ela sempre esteve presente em Cabo Verde desde a minha infância, principalmente por causa das novelas – muito boas, por sinal. Encontrei nelas um terreno fértil de variações e diversidade que acho muito lindo”, afirma.
“A música cabo-verdiana tem um efeito de conseguir penetrar o coração das pessoas sem necessariamente que elas entendam a história”, reflete. É preciso lembrar que o Brasil ocupa o 41º colocado no ranking de fluência de inglês, o que mostra que ainda há carência no aprendizado de outras línguas. “Só de ver as pessoas cantando letras inteiras em crioulo, é muito comovente”, completa.
Ao apresentar seu álbum, “Manga”, ouvimos sobre amor, desafetos e o que eles causam no nosso íntimo. A música que traduz tudo isso é “Afeto” e fala de uma relação de mãe e filha em que o cansaço de correr atrás do amor – que não chega – toma conta da convivência. “Às vezes é difícil receber de alguém algo que a pessoa nunca teve. Conseguimos aplicar essa letra a qualquer tipo de relação interpessoal”, conta.
“Cresci interessada pela música brasileira porque ela sempre esteve presente em Cabo Verde desde a minha infância, principalmente por causa das novelas. Encontrei nelas um terreno fértil de variações e diversidade que acho muito lindo”
Mayra Andrade, cantora e compositora
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A protagonista
A escolhida para fechar o festival foi Linn da Quebrada – que teve uma entrada triunfal e fez brilhar os olhos de todos que estavam presentes enquanto saudava Exu com a canção “amor amor”. Se, em 2019, a artista acreditava que poucos conheciam Lina Pereira, hoje ela vê o contrário. “Mais pessoas do que eu gostaria agora me conhecem. Entreguei o que há de mais caro em mim, que é minha intimidade – e isso resultou numa devastação. Estou reconstruindo aos poucos”, revelou.
Depois que saiu do Big Brother Brasil, Lina precisou de um tempo para entender a nova dimensão da carreira que tinha entrado. Mas, ainda que diga que ficou ansiosa com isso, ela conta que teve bons encontros que a fizeram entender não só a dimensão do meu trabalho, mas que não posso esquecer de me alimentar apenas para agradar o mercado. Se encontrar no meio de tantos caminhos não parece fácil, mas ela afirma com calma e serenidade: “Sinto que eu sou Exu. Me encontro nessas encruzilhadas, na possibilidade de me refazer, na troca de pele e também no silêncio.”
“Sinto que eu sou Exu. Me encontro nessas encruzilhadas, na possibilidade de me refazer, na troca de pele e também no silêncio”
Linn da Quebrada, cantora e compositora
“Onde tem investimento, tem gente”
O MADA é um dos principais agentes da economia criativa do local por atrair milhares de turistas e fomentar os setores de hotelaria e transporte. No corredor de entrada do estádio, havia um espaço para marcas e artistas independentes, dando visibilidade a cada um. Ao todo, estima-se que R$ 6 milhões foram movimentados neste ano.
O evento de abertura do festival, “Baile da Amada”, ocorreu na Pinacoteca do Palácio Potengi, no Centro Histórico de Natal. O local, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), estava em obras desde 2018 e foi reinaugurado neste ano.
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O prédio conta com duas salas de exposição, uma com o acervo e outra chamada “Moderno…para contemplação dos olhos de hoje”. São obras das artistas Angela Almeida e Selma Bezerra, em diálogo com modernistas brasileiros e potiguares, sob a curadoria e organização de Manoel Onofre Neto. Ao conferir as obras, a surpresa não é boa. Há quadros tortos, legendas rasuradas com caneta, além de paredes mofadas e rachadas. O que parece é que ninguém conferiu o resultado antes de abrir a mostra.
“Não há investimento, a liberação de verba é muito difícil. Se você me perguntar se as pessoas frequentariam museus, eu respondo que sim, frequentariam se tivessem. Onde tem investimento, tem gente. Quando tem opção, fica lotado”, considera Jomardo. “A cultura de Natal é plural, se consome muita música, cinema e, depois da pandemia, as pessoas passaram a frequentar as ruas, os lugares.”
Reflexo disso é o Beco da Lama, um reduto cultural e boêmio da cidade onde acontecem encontros às quintas-feiras. Sua história é antiga e remete aos tempos coloniais: a região ficava próxima de onde as lavadeiras trabalhavam e, a lama que saía das roupas escorria e chegava até o fim da rua. Hoje, não há mais lama, e sim um corredor onde o som transita entre música eletrônica, pagode e samba. “Ocupar esse espaço ajuda a resgatar os prédios históricos do entorno. Ainda assim, eles precisam de investimento para que eles se tornem úteis para quem transita por lá”, completa o produtor.
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“Se você me perguntar se as pessoas frequentariam museus, eu respondo que sim, frequentariam se tivessem. Onde tem investimento, tem gente. Quando tem opção, fica lotado”