Majur está em sua melhor fase. Artista trans preta e nordestina, ela lança seu segundo álbum, Arrisca, ao mesmo tempo em um retorno para suas origens e mais pop do que nunca. Se num primeiro momento ela se apresentava mais sentimental, hoje se sente pronta e com coragem para enfrentar novos desafios.
Depois de se voltar para si, em 2022 ela passou a se amar mais, conseguiu se abrir para o amor e realizar o sonho de casar. Tudo deu gás para que 2023 viesse com tudo, podendo invocar sua Salvador para o palco, acompanhando seus orixás.
Mirando em Beyoncé e admirando Anitta, Majur sabe que a mudança do mundo não tem mais volta. Exigindo ações palpáveis para as mulheres e para a comunidade LGBTQIAP+, ela garante: talvez uma das primeiras, mas não mais a última. Leia a entrevista completa:
Ano passado, seu show foi um dos melhores que vi. Como que você vem agora com “Arrisca”? Quem é a Majur dessa nova fase?
Existe uma Majur muito mais realizada. Eu estava num processo de descoberta do meu corpo, então essa sensibilidade que as pessoas tavam sentindo com o Ojunifé era real, eu estava me transformando, conseguindo entender quem eu era e trazer isso pro público.
Engraçado é que todas as pessoas vieram junto comigo e participaram desse processo de transformação. Então, hoje, com Arrisca, me sinto totalmente completa de mim mesma e pronta para arriscar. Tudo ou nada é o que eu tô dizendo pras pessoas e fazendo com que elas agora entendam: a gente se faz pra ir pro mundo, pra viver.
Essa é a hora de viver e celebrar quem somos. Estou no palco celebrando a minha vida, a vida de várias pessoas que estão comigo e fazendo o público também celebrar a própria vida.
Nesse momento de transformação você também teve uma transformação muito pessoal, protagonizando um dos casamentos mais belíssimos do último ano. Como que o amor entrou na sua vida e se faz presente no seu trabalho?
A primeira coisa foi que precisei me amar muito pra poder ser eu mesma. E vim desse processo de amor desde a minha mãe, que também já traz isso com ela, de cuidar muito de mim e da minha irmã, até chegar alguma outra pessoa.
Hoje sinto que a gente precisa estar completa em si mesma para amar o outro. Não dá pra você amar o outro se você não amar a si própria antes. E foi um processo. Agora consegui chegar a Josué, a me apaixonar, a me casar – que também é um sonho. E eu ainda estou vivendo muito isso. Imagina, só tem nove meses que eu me casei e ainda estou vivendo tudo isso.
Pra mim agora é uma sensação de realização, de conseguir imaginar um futuro que não existia enquanto pessoa trans e eu estou vivendo. Talvez uma das primeiras, mas não mais a última. Isso é realmente o que determina um começo onde todas as pessoas possam viver felizes e amar sem medo.
“Tudo ou nada é o que eu tô dizendo pras pessoas e fazendo com que elas agora entendam: a gente se faz pra ir pro mundo, pra viver”
Nesse álbum trouxe muito também da sua origem, falando muito de Salvador e, além da cidade, trazendo parcerias. Como você se reconectou ou se conecta com a sua baianidade?
Eu já queria fazer isso desde o início, mas pra você fazer uma cama, pras pessoas conseguirem conhecer você enquanto artista, você precisa entregar pouco a pouco e trazendo as pessoas junto com você.
Eu acho que o Ojunifé, eu trouxe essa calmaria, pra que vocês entendessem a minha voz, a minha pessoa. Eu vi muito mais calma no primeiro álbum, mas agora eu já venho com uma porrada de coisas e trazendo realmente Salvador, a minha cidade. Eu vou representar o axé music com certeza, vou representar a música de candomblé, de matriz africanas, que é o que trago no meu show além do pop contemporâneo.
Acho que a Beyoncé já modificou tudo e fez a gente renascer. Eu trouxe isso pra minha turnê nova e o primeiro bloco é totalmente pop. Então eu venho com três vertentes. Primeiro pop, as músicas românticas e que levam a gente a esse lugar de afetividade, e o terceiro bloco que é axé pra gente encerrar com a energia lá em cima.
E o axé é muito presente assim na sua no seu trabalho e na sua vida né? Você tem uma relação muito forte com a religiosidade?
Sim, eu sou feita de Xangô com Iemanjá e Iansã e trago isso junto comigo. Eu acho que não tem como separar. Eu sou uma pessoa que metade é espiritual e metade é humana. E as pessoas sabem disso. Eu não consigo falar uma frase sem que eu fale de algum jeito de orixá, de energia. São as coisas que me acessam e me fazem viver. O orixá me fez estar viva e confiar em mim e a gente precisa de autoconfiança para conseguir caminhar. Eu acho que esse é o ponto, sabe? É o ponto de início, é a minha barriga, é de onde eu nasço e começo a andar.
“Eu vou representar o axé music com certeza, vou representar a música de candomblé, de matriz africanas, que é o que trago no meu show além do pop contemporâneo”
Muitos eventos, como o próprio João Rock, que te chamou para a programação, nunca tinha recebido uma artista trans. Como você sente essa mudança no cenário musical?
É necessário. A gente não tem mais como falar ou só discutir sem que haja ação. Nós, enquanto sociedade, estamos discutindo não mais pautas, mas de fato políticas públicas que ajam, que façam de fato a representatividade ser real.
Estamos falando nesse momento onde as mulheres estão dominando cada vez mais a música. A Anitta é a nossa maior artista lá fora e é uma mulher assim como outras artistas que estão vindo. Artistas femininas e transfemininas. Não tem como a gente negar, não tem como apagar nosso lugar e continuar com o mesmo discurso.
Eu acho que todos os festivais, nesse momento, se não fazem por contra própria, por entenderem realmente a necessidade da representatividade em todos os espaços, eles fazem por obrigação, porque o povo agora já fala sobre representatividade em um outro lugar.
A gente quer ver e não só falar, não é só no mês LGBTQIAP+, mas o ano inteiro. Mulher tem que estar em todos os lugares o ano inteiro. Pessoas LGBTQIAP+ precisam estar em todos os lugares o ano inteiro. Pessoas são diversas, então mostrem a diversidade. E muito mais, por favor, não as mesmas pessoas, mas podem trazer mais pessoas, por favor.
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