reencher o campo “profissão” em um cadastro qualquer deve ser uma desafio para Manu Gavassi. Poderia escrever cantora, já que tem quatro álbuns lançados e, enquanto você lê essa reportagem, ela provavelmente está fazendo um show sold out de sua turnê “Eu só queria ser normal”, que está passando por oito estados brasileiros. Outra opção certeira seria escrever “atriz”, já que Manu é uma das protagonistas de Maldivas, série brasileira da Netflix que ficou durante semanas no top 10 mundial do streaming e conquistou o público ao misturar mistério, humor, deboche e pitadas de surrealismo à la Barra da Tijuca. “Diretora criativa” seria outro bom palpite para a profissão de Manu, já que é ela a mente brilhante por trás de sua carreira, das personas que inventa para si em seus projetos audiovisuais e também nas colaborações que desenvolve com marcas. A mais recente delas, uma linha de óculos que leva seu nome criada a quatro mãos com a Vogue Eyewear, mostrou toda a força de Manu como marca: evento de lançamento lotado, campanha que estampou capas de revista, índices de venda altos e uma estética que deixa clara a participação de Manu em tudo que ela faz.
Felizmente, a artista (esse, sim, talvez o melhor termo pra colocar no campo “profissão”) de 29 anos não precisa escolher uma só função para definir seu trabalho. Faz de tudo um pouco, sim, e faz tudo bem feito – ainda que seja crítica e desejasse se dedicar mais inteiramente a cada uma delas. “O que eu tenho aprendido cada vez mais é saber ter o tempo de cada coisa. Antes, me dava muita ansiedade. Agora, entendi que se eu estudar – é o que me dá mais segurança – e me preparar, eu dou conta dessas funções todas sem enlouquecer”, ela responde tranquila enquanto conversamos em uma vídeochamada.
“No dia do lançamento de ‘Maldivas’, a maioria das chamadas na mídia foi sobre uma aspa minha sobre explante mamário. Olha isso! Estamos falando sobre a mulher ser refém da própria imagem e fazem exatamente isso comigo, reduzem meu momento a uma cirurgia plástica”
Fato é que Manu tem aprendido muito sobre sua carreira e seu papel como mulher na mídia, mas parece que a mídia ainda tem muito o que aprender com ela – e com tantas outras mulheres. Assim como várias outras comunicadoras, Manu traz questões importantes para o debate nas entrevistas que dá e em suas redes sociais, em que acumula mais de 15 milhões de seguidores. No entanto, a força de falar a verdade e endereçar assuntos sérios como a objetificação do corpo feminino, o machismo na indústria e a pressão estética em cima das mulheres, por vezes, volta contra ela mesma. “Fiquei muito triste porque, no dia do lançamento de Maldivas, em vez de puxarem as reportagens para a série e a personagem, a maioria das chamadas na mídia foi sobre uma aspa minha sobre explante mamário. Olha isso! Estamos falando de a mulher ser refém da imagem e do próprio corpo e fazem exatamente isso comigo no dia do lançamento da série, reduzindo todo esse meu momento numa cirurgia plástica.”
Capa bonitona, né? Entrevista também. Mas a manchete que é exatamente como somos representadas como artista, nem tanto… Quando li a minha Manchete de capa do Caderno Ela (uma das maiores revistas femininas do Brasil) pic.twitter.com/tNKJph14zv
— Manu Gavassi (@manugavassi) July 24, 2022
No último fim de semana, quando foi capa de uma revista carioca, Manu reclamou novamente sobre isso em seu Instagram. Agradeceu a reportagem, as belas fotos, mas condenou o recorte da chamada de capa: novamente, o tema foram os cabelos e o explante de silicone quando havia outros tantos temas que poderiam ser endereçados. “Não pensei nem por um segundo que meu peito, ou a falta dele, e meu cabelo e a textura dele, estariam estampados em uma capa nesse momento da minha vida. Porque eu não pensei em nem um segundo neles. Eu poderia ficar quieta e dar close com uma capa bonita? Poderia… Mas na boa, tô pra fazer trinta anos daqui a pouco e tô com zero paciência pra continuarmos sendo reduzida a nossa aparência e não a nossa carreira”, escreveu na postagem.
E não é só nas redes que Manu mostra seu poder e sua habilidade como comunicadora. Na turnê “Eu só queria ser normal”, que começou no dia 22 de julho em Natal e se estende até 28 de agosto, com um último show em Curitiba, a artista reforça que, para bom entendedor, meia palavra basta. Ou melhor: apenas um símbolo basta. Em “Deve ser horrível dormir sem mim”, uma das músicas de maior sucesso que Manu lançou nos últimos anos, uma estrela branca em fundo vermelho aparece rapidamente quando ela canta “declaro posicionamento político”. A plateia vai à loucura – e a mídia também, que repercutiu aos quatro ventos essa a manifestação política (muito importante em tempos de desgoverno, na opinião de quem assina este texto). A oposição, claro, não ia deixar barato – Manu está sendo processada por integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre), por ter (supostamente) realizado propaganda política subliminar a favor de Lula, candidato à presidência pelo PT.
Enquanto a justiça decide se pode ou não pode, Manu segue fazendo bem feito o que se propõe a fazer: “Quero ajudar mais mulheres a pensarem com a própria cabeça, questionarem, trocarem entre elas. Esse é o meu papel enquanto mulher na mídia”. A seguir, você confere nossa conversa com Manu sobre a turnê, suas múltiplas vertentes, a pressão estética que incide sobre os corpos femininos e sua paixão por Rita Lee.