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Manu Gavassi sabe quem ela é

Com turnê esgotada, série de sucesso mundial e posicionamento político declarado, a artista mostra que seu papel vai além dos palcos e é de comunicadora

por Alexandre Makhlouf Atualizado em 27 jul 2022, 12h09 - Publicado em 27 jul 2022 09h43
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(Clube Lambada/Ilustração)

reencher o campo “profissão” em um cadastro qualquer deve ser uma desafio para Manu Gavassi. Poderia escrever cantora, já que tem quatro álbuns lançados e, enquanto você lê essa reportagem, ela provavelmente está fazendo um show sold out de sua turnê “Eu só queria ser normal”, que está passando por oito estados brasileiros. Outra opção certeira seria escrever “atriz”, já que Manu é uma das protagonistas de Maldivas, série brasileira da Netflix que ficou durante semanas no top 10 mundial do streaming e conquistou o público ao misturar mistério, humor, deboche e pitadas de surrealismo à la Barra da Tijuca. “Diretora criativa” seria outro bom palpite para a profissão de Manu, já que é ela a mente brilhante por trás de sua carreira, das personas que inventa para si em seus projetos audiovisuais e também nas colaborações que desenvolve com marcas. A mais recente delas, uma linha de óculos que leva seu nome criada a quatro mãos com a Vogue Eyewear, mostrou toda a força de Manu como marca: evento de lançamento lotado, campanha que estampou capas de revista, índices de venda altos e uma estética que deixa clara a participação de Manu em tudo que ela faz.

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Felizmente, a artista (esse, sim, talvez o melhor termo pra colocar no campo “profissão”) de 29 anos não precisa escolher uma só função para definir seu trabalho. Faz de tudo um pouco, sim, e faz tudo bem feito – ainda que seja crítica e desejasse se dedicar mais inteiramente a cada uma delas. “O que eu tenho aprendido cada vez mais é saber ter o tempo de cada coisa. Antes, me dava muita ansiedade. Agora, entendi que se eu estudar – é o que me dá mais segurança – e me preparar, eu dou conta dessas funções todas sem enlouquecer”, ela responde tranquila enquanto conversamos em uma vídeochamada.

“No dia do lançamento de ‘Maldivas’, a maioria das chamadas na mídia foi sobre uma aspa minha sobre explante mamário. Olha isso! Estamos falando sobre a mulher ser refém da própria imagem e fazem exatamente isso comigo, reduzem meu momento a uma cirurgia plástica”

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Fato é que Manu tem aprendido muito sobre sua carreira e seu papel como mulher na mídia, mas parece que a mídia ainda tem muito o que aprender com ela – e com tantas outras mulheres. Assim como várias outras comunicadoras, Manu traz questões importantes para o debate nas entrevistas que dá e em suas redes sociais, em que acumula mais de 15 milhões de seguidores. No entanto, a força de falar a verdade e endereçar assuntos sérios como a objetificação do corpo feminino, o machismo na indústria e a pressão estética em cima das mulheres, por vezes, volta contra ela mesma. “Fiquei muito triste porque, no dia do lançamento de Maldivas, em vez de puxarem as reportagens para a série e a personagem, a maioria das chamadas na mídia foi sobre uma aspa minha sobre explante mamário. Olha isso! Estamos falando de a mulher ser refém da imagem e do próprio corpo e fazem exatamente isso comigo no dia do lançamento da série, reduzindo todo esse meu momento numa cirurgia plástica.”

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No último fim de semana, quando foi capa de uma revista carioca, Manu reclamou novamente sobre isso em seu Instagram. Agradeceu a reportagem, as belas fotos, mas condenou o recorte da chamada de capa: novamente, o tema foram os cabelos e o explante de silicone quando havia outros tantos temas que poderiam ser endereçados. “Não pensei nem por um segundo que meu peito, ou a falta dele, e meu cabelo e a textura dele, estariam estampados em uma capa nesse momento da minha vida. Porque eu não pensei em nem um segundo neles. Eu poderia ficar quieta e dar close com uma capa bonita? Poderia… Mas na boa, tô pra fazer trinta anos daqui a pouco e tô com zero paciência pra continuarmos sendo reduzida a nossa aparência e não a nossa carreira”, escreveu na postagem.

E não é só nas redes que Manu mostra seu poder e sua habilidade como comunicadora. Na turnê “Eu só queria ser normal”, que começou no dia 22 de julho em Natal e se estende até 28 de agosto, com um último show em Curitiba, a artista reforça que, para bom entendedor, meia palavra basta. Ou melhor: apenas um símbolo basta. Em “Deve ser horrível dormir sem mim”, uma das músicas de maior sucesso que Manu lançou nos últimos anos, uma estrela branca em fundo vermelho aparece rapidamente quando ela canta “declaro posicionamento político”. A plateia vai à loucura – e a mídia também, que repercutiu aos quatro ventos essa a manifestação política (muito importante em tempos de desgoverno, na opinião de quem assina este texto). A oposição, claro, não ia deixar barato – Manu está sendo processada por integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre), por ter (supostamente) realizado propaganda política subliminar a favor de Lula, candidato à presidência pelo PT.

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(Vogue Eyewear/Divulgação)

Enquanto a justiça decide se pode ou não pode, Manu segue fazendo bem feito o que se propõe a fazer: “Quero ajudar mais mulheres a pensarem com a própria cabeça, questionarem, trocarem entre elas. Esse é o meu papel enquanto mulher na mídia”. A seguir, você confere nossa conversa com Manu sobre a turnê, suas múltiplas vertentes, a pressão estética que incide sobre os corpos femininos e sua paixão por Rita Lee. 

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Como foi preparar essa turnê, que já começou com todos os shows praticamente esgotados?
Está sendo uma reconexão com a minha música. Faço várias outras coisas, então às vezes é difícil colocar o devido esforço na música. Sinto que deixei essa carreira de lado, algumas vezes, mas ao mesmo tempo é a minha primeira carreira, escrever músicas é minha paixão. Hoje em dia, conto histórias através da publicidade, dos meus projetos audiovisuais, mas a primeira maneira que aprendi a contar histórias foi através da composição. Então essa turnê tem um gostinho especial de olhar para o meu passado e para minha história e me respeitar muito como artista. Preparei minha turnê de uma forma muito mais madura.

E você tem uma técnica para virar a chave da Manu cantora para Manu diretora, para Manu atriz?
Acho que é uma coisa que vai se misturando, porque em todos esses lugares eu tenho esse lado de contadora de histórias. Crio histórias para publicidade, para minhas personagens – por mais que eu siga um roteiro, crio ali –, crio personagens para mim mesma – como no Garota Errada… Esse lado comunicadora, contadora de histórias, sempre carrega minha visceralidade, mas também uma pitada de humor, minha marca registrada e como eu lido com o mundo. Existe um ponto em comum entre todos esses lados, então acho que não chego a virar a chave completamente de uma função para a outra. O que eu tenho aprendido cada vez mais é saber ter o tempo de cada coisa. Antes, me dava muita ansiedade. Agora, entendi que se eu estudar – é o que me dá mais segurança – e me preparar, eu dou conta dessas funções todas sem enlouquecer.

Queria saber também do seu processo criativo com essa coleção da Vogue Eyewear: as inspirações, o conceito. Como foi desenvolver?
Não criei os modelos, criei a campanha junto com eles, e desde o início fiquei animada porque já era fã da marca, sei o tipo de artista que eles procuram e como são as parcerias que a Vogue Eyewear cria. Sabendo que é uma marca tão grande, internacional, que viu em mim o que eu tava criando e o que tem por trás de todo o meu trabalho como diretora criativa, compositora, atriz, foi o pacote completo. A ideia que eles me apresentaram já tinha muito minha cara, honrava muito o que eu tenho feito. Foi fácil de criar, foi divertido participar porque tem humor, sagacidade na comunicação – algo difícil de ver nas marcas. Eu entrei junto, dei meus inputs e fiquei muito feliz. 

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(Manu Gavassi/Divulgação)

Agora, vamos falar de Maldivas. Como foi gravar uma série em que todas as protagonistas são mulheres? Fez diferença na energia do set, na sua preparação e na interação com as outras atrizes?
Com certeza, e acho que não só as protagonistas, mas a criadora da série ser mulher também, a Natalia Klein escreveu praticamente sozinha, do zero. Além do Alvarenga, tínhamos a Daina, uma diretora mulher também. A equipe como um todo era mais feminina e isso influenciou no resultado. Até o fato de o projeto ter sido aprovado…

Fiquei muito feliz de ter participado de Maldivas e muito feliz com o retorno do público em relação à Milene, porque ela foi uma personagem divertidíssima de fazer. Quando li o roteiro inteiro, torci muito pra conseguir interpretá-la, porque ela é a mais louca, a síndica desse lugar maluco e caricato que é o Maldivas. Às vezes sinto que perco um pouco na carreira de cantora por não conseguir me dedicar 100% do tempo para isso, mas na verdade é um perde-ganha, porque eu recebo muitas outras coisas em troca, como ser atriz e estar em projetos maravilhosos como Maldivas. Eu sentia uma dificuldade como atriz porque eu escolho projetos muito pontualmente, muita espaçados. Queria muito um em que eu pudesse fazer comédia, que tivesse esse deboche, essa pimentinha, que eu também amo fazer e sei que dou conta, e que ainda tivesse momentos de drama, mais reais, mais vulneráveis. É difícil encontrar uma personagem que te dê essa oportunidade e que permita você se mostrar como atriz, e senti que as pessoas perceberam isso, que foi um desafio legal e que vai me abrir portas para vários outros personagens legais.

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A Milene é uma personagem cheia de plásticas e com o corpo considerado perfeito. Você, Manu, fala com frequência sobre uma beleza mais livre e sobre o quanto a pressão estética afeta as mulheres. Qual a importância de trazer autoestima e autoaceitação para o debate?
Fui muito vítima disso quando adolescente, num momento em que não falávamos sobre isso e era mais normal reforçar padrões de beleza. Eu ouvi atrocidades do meio quando era muito nova, não existia uma preocupação humana com a imagem da mulher na mídia. Agora, estamos engatinhando nisso, mas ainda é muito difícil. Mais do que levantar qualquer bandeira, sou muito preocupada na maneira como vou comunicar as coisas, porque sei como é sofrer com isso. Sei como é não saber se você toma suas decisões estéticas para você mesma ou para o outro. Será que eu me incomodo mesmo com isso em mim ou ouvi tanto isso que deveria ser de outra forma e, por isso, quero mudar? Sou muito preocupada em questionar isso. Quando fiz plásticas mais nova, plásticas das quais até me arrependi, eu olhava para as celebridades e viabilizava minhas vontades assim: se essa artista que eu gosto tanto fez, eu também deveria fazer. Hoje sou preocupada em não ser esse exemplo, em falar abertamente sobre isso. Tá tudo certo fazer o que você quiser com a sua aparência se for uma decisão consciente sua. Mas será que a gente sabe quando ela é consciente?

“Ouvi atrocidades do meio quando era muito nova, não existia uma preocupação humana com a imagem da mulher na mídia. Agora, estamos engatinhando nisso, mas ainda é muito difícil. Mais do que levantar qualquer bandeira, sou muito preocupada com a maneira como vou comunicar as coisas, porque sei como é sofrer com isso”

Comecei a questionar isso em público porque eu acho que é essa dúvida que pode ajudar. Esse meu questionamento que tive como mulher, como menina que cresceu nesse meio, de separar o que era meu incômodo e o que não era, acho que é a sementinha que posso plantar na cabeça das meninas que estão passando por algo semelhante. Ao mesmo tempo, acho super difícil porque a mídia te transforma em refém desse assunto. Vou te confessar que fiquei muito triste porque, no dia do lançamento de Maldivas, em vez de puxarem as reportagens para a série e a personagem, a maioria das chamadas na mídia foi sobre uma aspa minha sobre explante mamário. Olha isso! Estamos falando sobre a mulher ser refém da própria imagem e fazem exatamente isso comigo, reduzem meu momento a uma cirurgia plástica. Falar sobre isso é muito complicado, mas eu não sei ser mentirosa, então eu vou continuar falando abertamente sobre isso.

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(Vogue Eyewear/Divulgação)

Nas últimas semanas, ficou ainda mais claro o quanto é difícil, cansativo e violento ser mulher no Brasil. Por que é importante que a gente tenha mais mulheres da mídia e da cultura pop falando sobre isso?
Acho que, de alguma maneira, quando olho para trás e estudo feminismo, sempre existiu mulheres que falarram, mas nunca existiu uma plataforma tão rápida. Acho que a importância é óbvia, poderia te dizer frases prontas, mas é triste ver a forma como nós, mulheres, vivemos. Me faz questionar se a gente realmente está evoluindo. Ou será que a gente vive um ciclo maluco em que muda o ano, as tecnologias e os períodos, mas a frustração e a violência continuam as mesmas? Ok, evoluímos, mas ainda tem muita violência normalizada no dia a dia. Será que a gente só não tá falando dessas coisas de maneiras diferentes ao longo do tempo? Essa é uma resposta que eu busco também. Talvez o mais importante que eu tenha descoberto é que eu não vou saber tudo, não tenho todas as respostas, mas enquanto eu for questionadora, eu posso influenciar meninas e mulheres a pensarem com as próprias cabeça. Eu odeio o termo influenciadora, não quero influenciar ninguém a nada, isso parece lavagem cerebral. Eu quero ajudar mais mulheres a pensarem com a própria cabeça, questionarem, trocarem entre elas. Esse é o meu papel enquanto mulher na mídia. 

“Odeio o termo influenciadora, não quero influenciar ninguém a nada, isso parece lavagem cerebral. Eu quero ajudar mais mulheres a pensarem com a própria cabeça, questionarem, trocarem entre elas. Esse é o meu papel enquanto mulher na mídia”

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Recentemente, você participou de um show homenagem à Rita Lee, de quem você é declaradamente fã. Como foi essa experiência, a troca com a Rita? E quem mais você tem como ídolo?
O convite veio do Beto e da Rita. Eu falo há tanto tempo dela, que eu amo ela, que é amor verdadeiro, que ela mesma convidou. Teve o show CeLeeBration, uma homenagem do Beto para a Rita, e eu tinha comentado para um amigo em comum e ele me disse “A Rita sabe que você gosta muito dela e acha que seria demais você cantar ‘Lança-perfume’ com o Beto”, e isso foi uma honra enorme. Existiu um dedo dela nessa apresentação, o que me deixou muito feliz. Ao longo do tempo, já mandei muitas mensagens carinhosas para ela, falo dela nas minhas músicas – em “Bossa Nossa”, falo “nunca gostei dos Mutantes sem a Rita Lee”; em “Deve ser horrível dormir sem mim”, eu falo “mistura de Rita com Amelie”. Ela está presente nas minhas referências mesmo, no que eu entendo que é uma artista e uma comunicadora completa, que deixa um legado. Ela é meu maior exemplo e vejo que agora ela começou a perceber isso, que a obsessão dessa garota é real (risos). Já tivemos trocas boas, sei que ela recebe minhas mensagens e responde com carinho, e isso é gostoso demais.

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