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D2, preste atenção!

Marcelo D2 revelou à Elástica que está trabalhando em um novo álbum e reflete sobre política, maconha e o futuro no Brasil

por Henrique Santiago Atualizado em 16 dez 2020, 11h53 - Publicado em 16 dez 2020 01h38
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(Clube Lambada/Ilustração)

tempo de entrevista estava quase estourando quando perguntei para Marcelo D2 se ele poderia responder a três perguntas que restavam. “Claro, tá tranquilo! Eu tenho uma live mais tarde, mas a minha internet tá uma merda, tô esperando o técnico chegar”, disse, aos risos, sobre sua agenda na tarde da sexta-feira, 11 de dezembro.

Foi em uma conversa por vídeo que D2 recebeu a Elástica para falar do seu novo trabalho, o álbum conceitual Assim tocam os MEUS TAMBORES, feito com a colaboração de fãs em lives pela Twitch. Mas o que era para ser um papo de música ganhou novos contornos. Afinal, um dos rappers mais conhecidos do Brasil tem todo esse respeito por não falar apenas de beats, samples e MCs.

No último dia 3, o artista subiu ao palco do Boiler Room x Ballantine’s True Music, no Rio de Janeiro, para se apresentar a um público reduzido depois de quase nove meses restrito a shows online. D2 falou sobre os sentimentos mistos de levar sua arte em um momento de pandemia de coronavírus agravado no Brasil, além de revelar que já está trabalhando no segundo volume de Assim tocam os MEUS TAMBORES, que deve contar com as participações de Emicida e Mateus Aleluia. Entre uma pergunta e outra, o rapper falou sobre o governo de Jair Bolsonaro, a (distante) legalização da maconha no Brasil e como trocou o ódio em 2018 pelo afeto em 2020, mas sem perder de vista o olhar crítico. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

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(Balantines + Boiler Room/Divulgação)

Marcelo D2, você já disse que busca escrever quando bate o desespero ao pensar no Brasil. Em 2020, um ano atípico para muitos de nós, você lançou Assim tocam os MEUS TAMBORES, um álbum transmídia feito com a colaboração de fãs em lives no Twitch. Foi uma forma de contornar o desespero?
Total, cara. Eu tava falando disso agora com um camarada meu, o Toys, que é grafiteiro. Vi a exposição dele e falei que aquilo me tocou tanto, foi tão gostoso e importante para mim que eu queria que as pessoas tivessem mais tempo para consumir arte. As pessoas consomem pouco arte, acham que não é tão importante assim. Para mim, que faço arte, cara, é vida. Em 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência, a gente resolveu fazer um disco do Planet Hemp por motivos óbvios, mas aí veio 2020, essa pandemia toda, a gente parou e aí caí num lugar muito interessante. Eu saí de um lugar de raiva e ódio e me encontrei num lugar de amor e empatia porque eu tava precisando, sabe? Esse desespero que eu falei talvez possa ser entendido mais como necessidade do que só desespero, a necessidade de fazer alguma coisa. Pode ser a necessidade de combater o governo com letras sociais, pode ser a necessidade de afeto, necessidade de amor, sabe qual é? Esse disco me levou para esse lado. Acabei achando um lugar onde eu me achei bem confortável e espero que faça sentido para as pessoas que ouvirem o disco. Para mim, foi muito importante o jeito que esse disco foi feito. Eu saí do Twitter num embate gritando “fascista filho da puta” para o Twitch falando “bem-vindo meus cria”. Essa diferença é bem clara, tá ligado? (risos)


“Eu saí de um lugar de raiva e ódio e me encontrei num lugar de amor e empatia porque eu tava precisando, sabe? Esse desespero que eu falei talvez possa ser entendido a necessidade de fazer alguma coisa, de combater o governo com letras sociais à necessidade de amor”

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Assim tocam os MEUS TAMBORES foi sua nova experiência atrás das câmeras em um trabalho autoral. Como no hip hop, você buscou referências para fazer esse trabalho?
É quase impossível não fazer mais música com o audiovisual e nesse disco não ia ser diferente. Foi engraçado porque eu fiz o disco, sabia que ia fazer algo mais e não tinha ideia, aí quinta-feira à noite fiz o roteiro, sexta-feira a gente produziu e sábado começou a filmar. Fiz o roteiro em três horas, escrevi fichinhas em cada take, fui espalhando pela casa e a gente fez três dias de filmagem dentro de casa. Tentei usar as técnicas que estavam na minha mão, timelapse e speed ramp, tudo que eu podia fazer, sabe? Me perguntei como é que eu poderia sair daqui [de casa]? [A ideia foi] botar um chroma key na sala e jogar uma imagem para parecer que estava fora de casa. Eu usei todas essas técnicas que estavam na minha mão, o orçamento não era um orçamento de um longa. O filme foi muito mais divertido do que o disco, sabe qual é? O disco já estava pronto e fomos fazer o filme, veio uma equipe nessa quarentena, a gente testou todo mundo [para covid-19] e trouxe para cá, mas todo mundo que eu digo eram quatro pessoas, tá ligado? Foi maneiro pra caramba trabalhar com os amigos, sem equipe técnica, todo mundo desmontou set, montou set, desmontou câmera, montou cenário. Foi incrível, meu irmão, fazer isso dentro de casa foi um dos momentos mais loucos e mais intensos da minha vida, maneiro pra caramba. 

Imagino que você estava com saudade de tocar ao vivo para uma plateia. Quero saber se você fez algum tipo de preparação para o Boiler Room x Ballantine’s True Music depois de quase nove meses de quarentena?
Cara, todo show é diferente, esse então, depois de tanto sem subir ao palco, sem cantar na frente dos outros a não ser minha mulher, um gato e meu filho (risos). Foi totalmente diferente, tinha incerteza e tinha medo, sabe, de como tudo está, mas ao mesmo tempo foi uma honra estar no Boiler Room, eu já vi muita gente que eu admiro, sabe qual é? Quase todos DJs que eu admiro tocaram lá, então, para mim, foi uma honra. Eu não sou um cara que aqueço voz, me preparo e não sei o que lá, eu vou lá e faço o que tenho que fazer. No momento, achei que tinha que cuspir umas coisas ali, botar algo que estava me incomodando enquanto artista. Eu terminei a apresentação com uma música do Mateus Aleluia, uma apresentação rápida, mas foi muito forte porque eu acabei a parada e parecia que eu tinha tocado duas horas, tá ligado? E tinha sido 20 e poucos minutos. Sei lá, cara, a gente está nesse momento louco, tudo é muito diferente. Ali no palco eu tive sensações distintas, a alegria de tocar na frente de uma galera e a estranheza de poder olhar para a frente e falar “tá, a gente vai passar por isso” e olhar para trás e dizer “putz, quanta gente morreu, que triste”. É um momento muito difícil, ainda está morrendo muita gente, né, cara. Hoje, inclusive, morreu o Ubirany, do Fundo de Quintal, meu mestre e meu guia.

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(Balantines + Boiler Room/Divulgação)
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Você é flamenguista e viu seu time dominar o futebol na América do Sul em 2019, ao mesmo tempo em que o presidente Rodolfo Landim teve encontros com o presidente Jair Bolsonaro, de quem você é crítico. Recentemente, foi noticiado que o Flamengo venceu na Justiça e reduziu o pagamento de pensão às vítimas das famílias do Ninho do Urubu. É possível separar a paixão do futebol da política nessas horas?
Quando a gente tem uma diretoria sagaz, como foi com a Democracia Corintiana, dá um orgulho danado, mas quando tem uma diretoria que nos envergonha, o que resta é falar que eu não torço por essa diretoria, tá ligado? Eu torço pela instituição, pelo clube, eu sou flamenguista, não sou Landim, não sou Braz. Ele “está” presidente do Flamengo, ele não “é” presidente do Flamengo, assim como Bolsonaro “está” presidente do Brasil, ele não “é” presidente do Brasil para o resto da vida. O Brasil é maior que o Bolsonaro e o Flamengo é maior que o Landim. É bem chato, acho que o Flamengo poderia ter resolvido essa situação com os meninos do Ninho de uma maneira mais honrosa, sabe? Me dói muito o coração [ver] o jeito que foi resolvido, e aí eu vejo o presidente com Bolsonaro e começo a entender como essa diretoria pensa. Mas eu vou te dizer: sou Flamengo, não sou Landim. É foda você estar lá no estádio, ganhando tudo e aí [D2 interrompe para perguntar ao filho Luca sobre a música que a torcida canta aos 10 minutos de jogo em homenagem às vítimas do incêndio]. Ao mesmo tempo em que a torcida está fazendo isso, maravilhoso, a diretoria dá as costas, sabe qual é? Sinceramente, dá até vontade de chorar falando isso, tá ligado? É impossível fazer isso, mas eu trocaria qualquer Mundial ou título de Libertadores, Brasileiro e todos os títulos que o Flamengo ganhou desde que aconteceu isso pelas vidas dos moleques. O Flamengo seria muito maior se protegesse essas famílias, na minha opinião.


“É impossível fazer isso, mas eu trocaria qualquer Mundial ou título de Libertadores, Brasileiro e todos os títulos que o Flamengo ganhou desde que aconteceu isso pelas vidas dos moleques. O Flamengo seria muito maior se protegesse essas famílias”

Ainda no campo da política, o vice-presidente do Flamengo, Marcos Braz, foi eleito vereador no Rio de Janeiro pelo PL, um partido muito à direita. Em novembro, a cidade elegeu novamente Eduardo Paes como prefeito contra o Bispo Crivella. Como foi acompanhar a política nesses últimos meses?
O Rio de Janeiro é a cara da política do Brasil, né? Tanto que os milicianos estão lá na presidência, tá ligado? É foda quando a gente pensa em Eduardo Paes como melhor solução para o Rio no momento (risos). Eu estive com o Eduardo Paes antes das eleições, a gente recebeu ele em nosso escritório com uma galera da cultura… Porque essa extrema direita ataca muito a cultura, a ciência e qualquer tipo de conhecimento. Estive com ele para cobrar com uma galera de restaurantes, teatros, SESCs. Ele, como qualquer político, falou pra caramba e agora vamos ver como ele vai fazer. Acho que ele começou muito bem, botando mulheres negras em cargos, acho que ele está sensível a isso, sacou que essa é uma pauta importante para o momento e que ele pode crescer como político mesmo, tá ligado? Ele é um cara malandro, vai falar com o Bolsonaro e a Mônica [Benício], viúva da Marielle. Não estou falando que o Bolsonaro foi culpado da morte dela, mas todo mundo sabe que foi. (risos)

E você votou nessas eleições?
Cara, não votei, mano. Estava viajando, toquei não sei onde, estava fazendo alguma parada, live todo dia e em tudo quanto é lado. Aí não votei, cara, mas queria ter votado em São Paulo. Os caras falando “vota 011…” Tu viu esse meme? (risos). “Como é que faz pra votar no [Guilherme] Boulos? Vota 011 50” (risos).

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Além do caos na saúde que a pandemia trouxe, o novo coronavírus veio acompanhado do aumento de divórcios e trouxe luz a um problema muito sério: a violência contra a mulher, que está em alta. Ao contrário desses indicadores, você e a sua esposa Luiza Machado são muito parceiros e isso fica bem claro nas suas redes sociais. O convívio de vocês mudou desde então?
Dentro de toda essa estrutura do machismo, a gente pode ver que isso tem acabado com as relações, sabe? O machismo estruturado nos torna péssimos parceiros também. Não precisa ser no extremo da violência física, pode ser na maneira de agir mesmo como parceiro. A gente pode pôr a mão na consciência e pensar se os homens que têm feito isso com suas mulheres fariam isso com um amigo. A Luiza e eu, a gente está num momento mágico. Acho que a vida me preparou e a vida preparou ela para que a gente chegasse nesse momento de se conhecer. Nós casamos, botamos aliança [mostra o dedo anelar esquerdo], assinamos papel um mês antes da quarentena, mano. A gente entrou na quarentena recém-casado. Tipo, foi um teste (risos). Eu espero que as pessoas achem um parceiro assim na vida. Homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher, sei lá, um parceiro-parceiro que divide sonhos, como diz na música o Raul Seixas: “sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha a dois é realidade”. Cara, eu encontrei tudo que eu preciso em uma parceria, sabe qual é? Além do amor, a Luiza gosta das coisas que eu gosto, de arte, do que eu me alimento. Eu ouço, não só falo, ouço muito também, apesar de falar mais do que eu ouvir, mas eu ouço (risos). Assim, cara, espero que seja inspirador para as pessoas porque vale a pena você botar seu ego de canto, abrir um pouquinho sua vida para viver de verdade com uma pessoa, senão é melhor viver sozinho, sabe? Se não é para ser de verdade, é melhor viver sozinho.  


“O machismo estruturado nos torna péssimos parceiros também. Não precisa ser no extremo da violência física, pode ser na maneira de agir mesmo como parceiro. A gente pode pôr a mão na consciência e pensar se os homens que têm feito isso com suas mulheres fariam isso [agressão física] com um amigo”

Numa decisão histórica, a ONU retirou a maconha da lista de drogas perigosas. Mas o Brasil, representado por Jair Bolsonaro, votou contra essa decisão com outros países…
Quais foram os países? Irã, China… você tem aí?

China, Egito, Nigéria, Paquistão, Rússia e outros, se eu estou bem lembrado.
Lugares onde os direitos humanos não são respeitados. É foda, mano. Sei lá, desculpa, te cortei. (risos)

É possível pensar em legalização da maconha com um projeto de governo conservador?
Eu acho que não, acho bem difícil, porque a maconha é a bandeira vermelha, é o inimigo, é o PT, é o comunismo, é o gayzismo. Enquanto eles [governo] puderem manipular essas cabeças vazias, [o argumento] vai ser usado, tá ligado? A gente está vendo onde o Brasil está se metendo ao lado de Irã, Rússia, Paquistão, países terríveis em pautas de direitos humanos ou em preocupação com o ser humano de uma forma geral. Eu acho muito, muito difícil, sabe? Nem pela grana, é plausível usar como manipulação mesmo. A maconha, o gayzismo, o gayzismo, mano, o mimimi. Tenho certeza que a gente vai sair desse governo com um estrago histórico. Hoje está sendo votada a pauta que a gente está tentando revogar, que é a de exclusão nas escolas de deficientes. O governo acha que as crianças têm que ir para uma escola especial, quase um manicômio. Acho que isso não vai passar, mas a sementinha do mal está ali plantada, cara, isso é terrível para o país. Isso vai ficar. Todas as pautas que a gente consegue derrubar… A discussão fica, a coisa fica ali, a maldade fica ali. Sem contar o meio ambiente, a economia. Essas sementes que estão sendo plantadas… Vai demorar muito tempo para a gente andar de novo. É muito triste, muito, muito triste ver o Brasil como está, do lado de Irã, Paquistão e Rússia.

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(Alex Batista/Fotografia)

D2, você tem como raízes musicais o samba e hip hop, duas manifestações que historicamente são atacadas pela sociedade conservadora. No dia 1º de dezembro, completou um ano da chacina no Baile da DZ7, em Paraisópolis, pela Polícia Militar. Na sua opinião, por que a cultura negra é recebida dessa forma no Brasil?
A gente pode mostrar isso claramente no governo que está neste momento. Qualquer tipo de cultura, educação, ciência, tudo isso é combatido porque o povo sem conhecimento é mais fácil de manipular, né? É aí que a gente perde, cara. Mas a cultura toca mais do que qualquer política. As pessoas vão se tocar rapidamente. É muito triste saber dessa data fatídica de um ano.

Ainda mais quando se olha para culturas periféricas…
Completamente, porque é o povo se organizando, o povo se mobilizando e um governo ditatorial e manipulador como esse… Não é o que eles querem, né?

Você mencionou a possibilidade de ir embora do Brasil para algum país da Europa ou Estados Unidos. Quais são seus planos para 2021?
Qualquer pessoa em sã consciência nesse país pensa em sair fora, tá ligado? Mas, cara, com dólar a cinco e caralhada, a gente vai ter que tirar a Dilma umas quatro vezes para ver se baixa essa porra porque uma vez só não deu, deu o contrário (risos). Eu penso nisso, mas acho que agora não vai dar, o dólar está muito caro, trabalho aqui, ganho em real, é meio que impossível, sabe? Eu estou fazendo um volume dois do Assim tocam os MEUS TAMBORES via live streaming de novo, esse é um dos primeiros planos para 2021. Eu quero regravar À Procura da Batida Perfeita, Eu tiro é onda e o meu Acústico MTV, que não estão nas plataformas de streaming, e botar esse discos lá. Eu tenho uma parceria com a Twitch, até o final do ano é live todo dia, três, quatro horas de live. Eu me achei num lugar muito legal. Interessante que já me chamaram para me apresentar programa de televisão e eu sempre achei uma coisa meio Silvio Santos, sempre achei muito careta. E eu me comunicando da minha casa, da minha webcam, é muito revolucionário. Essa é a minha Rede Globo, o meu programa de auditório, e eu estou amando cara. Em 2021, vai ser isso, procurar um cantinho com menos bolsominion possível para fazer as lives (risos).


“Qualquer pessoa em sã consciência nesse país pensa em sair fora, tá ligado? Mas, cara, com dólar a cinco e caralhada, a gente vai ter que tirar a Dilma umas quatro vezes para ver se baixa essa porra porque uma vez só não deu, deu o contrário (risos)”

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O que você pode falar dessa continuação de Assim tocam os MEUS TAMBORES? Pretende seguir o mesmo formato, trazer mais parcerias como no primeiro álbum?
Cara, vai ser no mesmo formato, live streaming e tal, mas vai ser diferente. Nesse daí eu peguei de tudo, de parcerias musicais a beats e beatmakers e produtores, ao público trazendo temas para eu escrever. Deixei as coisas virem. Nesse outro, eu tenho um tema, o primeiro tem o encontro do Ngoma que o Criolo lê, meu encontro com o historiador e professor Luiz Antônio Simas, e aquilo ali me deu uma vontade de conversar com meus ancestrais, saber um pouquinho de onde eu venho. Estava comendo em casa outro dia uma rabada e eu perguntei “por que eu gosto tanto de rabada?” e a minha mãe falou “pô, tu come isso desde criança”. Então, vou tentar contar essa história e descobrir um pouquinho porque, assim, estou com 53 anos e eu acho que tenho um pouco a cara do brasileiro típico, principalmente o carioca, sabe qual é? Saiu do subúrbio, gosta de futebol, ao mesmo tempo gosta de punk rock e skate, de viajar. Na sonoridade, vou um pouquinho mais fundo nisso. Eu vou me aprofundar nesses tambores, chamei o Kiko Dinucci e o Nave para produzirem o disco junto com o Mario Caldato que vai finalizar. Por enquanto, só tenho duas participações. Quero ter menos participações, cantar mais do que fazer rap. Por enquanto, pensei no Emicida, que faltou no primeiro, já está faltando há um tempo uma parceria com ele, tá ligado? A gente sempre fala “vamo fazer, vamo fazer” e nunca faz. Acho que é por minha culpa, porque eu sou carioca, né, que fala “vamo? vamo? vamo?” (risos). E o Mateus Aleluia, dos Tincoãs, para mim a música mais importante do ano foi o Olorum, que me tocou muito. Eu vou romper o couro do “Tambor, o senhor da alegria”, do Assim tocam os MEUS TAMBORES, e de Olorum para fazer esse disco. Eu vou daí para frente

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(Alex Batista/Fotografia)

Você falou de dois álbuns de sua carreira solo que não estão no streaming. Por que não estão disponíveis nas plataformas?
Quando a gente fez o contrato, não tinha essa possibilidade, ninguém sabia que ia ter essa revolução do streaming. Mas, agora, tem e, para o disco sair é uma burocracia danada, de sample e tal. É quase impossível, falando nessa burocracia, lançar esses dois discos hoje em dia. Vou fazer uma versão 2021 para cada um deles. Assim, tem algumas coisas que são impossíveis ou difíceis: a participação do Speed [o rapper Speedfreaks] no Eu tiro é onda porque ele já faleceu. O will.i.am pode ser e tal. No Acústico, por exemplo, eu não tinha feito “Desabafo” naquela época, então estou pensando em botar umas outras músicas que vieram depois. E, de uma certa maneira, apresentar esses discos para essa geração de streaming. Vou tentar fazer o mais fiel ao que eu olho hoje, mas logicamente não vai ser idêntico, e sim uma regravação.

Você se dedicou a ouvir outras músicas ou focou mais na produção do seu álbum? Você é o tipo de cara que não escuta outros sons enquanto faz o seu?
Mano, eu sou neurótico, ouço tudo, vejo tudo, minha vida é isso. Eu faço rap, venho da cultura hip hop, uma cultura de apropriação. Tudo que sai ou já saiu, tudo que eu já vi, tudo eu revejo. Tudo que não vi, eu quero ver; tudo que eu descubro, quero olhar e saber de onde veio. É assim que eu faço a minha arte, juntando tudo. Isso é hip hop, pegar tudo que está no mundo, jogar num liquidificador e, plau, botar na rua. Nessa quarentena, cara, eu zerei Netflix, Amazon e HBO Go (risos). Zerei Spotify, meus vinis e livros. Acho que quem não aproveitou esse ano para aprender perdeu uma grande oportunidade. Porque esse ano foi de aprendizado, esse não foi um péssimo ano, quem não aprendeu nada perdeu uma grande oportunidade.


“Tudo que sai ou já saiu, tudo que eu já vi, tudo eu revejo. Tudo que não vi, eu quero ver; tudo que eu descubro, quero olhar e saber de onde veio. É assim que eu faço a minha arte”

E nisso tudo você descobriu ou redescobriu novos sons que te chamaram atenção?
A minha vida é essa: eu me apaixono pelo Mateus Aleluia e fico “caralho! foda!”, me influencio, faço uma música e depois vou criar um próximo som. Pode ser um artista novo ou das antigas, geralmente é uma mistura de Mateus Aleluia com Tyler, the Creator. É sempre assim, tento ver onde posso encontrar uma batida com uma coisa bem raiz. Não é só na música, é na fotografia, no cinema, nas artes plásticas. Tudo isso me move, não é só a música, sou muito do visual, é muito importante para mim, tá ligado?

Nós ainda estamos em uma pandemia, ainda sem um plano claro de imunização para covid-19, e em 2022 vai acontecer a eleição presidencial. Você consegue ver esperança nos anos que estão por vir?
Ah, cara, vou te falar que sempre vejo o copo meio cheio, sabe? Eu nasci no meio da ditadura militar, todo mundo tinha esperança de acabar com a ditadura. Depois vieram as eleições diretas para presidente, eu já era uma criança e entendia a esperança do povo por mudança. E aí eu descobri o punk rock e montei uma banda [Planet Hemp]. Se o mundo todo estiver fazendo merda, eu vou ter um pouco de esperança de mudar uma pessoa, depois mais duas e mais três e daí fazer um mundo melhor. Tem uma coisa que eu sigo muito, se chama P.M.A., que é positive mental attitude [uma filosofia punk do grupo Bad Brains], de pensar positivo, ver o copo sempre meio cheio em vez de meio vazio. A gente está no Brasil, cara, se a gente for ver, o governo que está agora é o governo normal do Brasil. Se for ver desde 1500, com a chegada dos portugueses e depois os fazendeiros, aquele momento de Lula e Dilma foi uma exceção. O Brasil de verdade é esse Brasil racista, xenófobo, machista e tudo de ruim. Sei lá, mano, às vezes penso que é alguma missão na vida ter nascido nesse país. Vamos tentar cumprir essa missão, bora (risos), tentar viver com alegria. Nós tivemos dois anos muito tristes com a chegada de Bolsonaro no governo, mas é isso. Eu acho que o Boulos deu uma puta lição de como encarar isso, um cara gentil que estava sempre com um sorriso no rosto, não xingou ninguém. A vida é feita de vitórias e derrotas, vamos lá tentar manter o pensamento positivo e fazer o nosso. Eu diminuí carne, estamos tentando isso em casa, tá ligado? Ninguém está tentando “plantar vaca”, acabando com as matas para “plantar vaca”, vamos diminuir carne, comer duas vezes por semana, cara. É isso, P.M.A.!

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