uando você ouve a expressão “concurso de beleza”, um imaginário cheio de holofotes, vestidos coloridos, mulheres extremamente bonitas, além de diversos desejos pela paz mundial, vêm imediatamente à cabeça. Boa parte de nós cresceu tendo contato com as transmissões do Miss Brasil e do Miss Universo em rede nacional, em que mulheres de todos os Estados do Brasil e de diversos países do mundo, respectivamente, competiam pelo título de mais bonita, símbolo do que seria um ideal de beleza feminino. Nem precisamos dizer, no entanto, que estamos abrindo a cabeça como sociedade nos últimos anos para ressignificar os conceitos de belo e entender que muitos dos padrões que delimitam essa noção, na verdade, aprisionam e reforçam preconceitos que mexem demais com a nossa autoestima.
Isso não significa, no entanto, que os concursos de beleza tenham perdido seu apelo para muitas mulheres. Em especial para muitas mulheres trans e travestis, que assistiam a esse desfile de mulheres consideradas lindas e admiradas por todos enquanto elas mesmas, ainda antes da transição, não entendiam o que o futuro reservava. Realizar o sonho de ser essa mulher e desfilar em um palco, sob o som dos aplausos e dos olhares admirados da plateia, é uma das principais motivações do Miss Trans, concurso de beleza dedicado a mulheres trans e travestis que acontece há 27 anos – começou em 1994, com o nome de Miss Brasil Transex. “Foi a realização de um sonho de criança, desde antes de me tornar uma mulher trans, de antes da minha transição. Quando eu era um garotinho de 10 anos, sonhava em ser miss, era uma coisa que já imaginava participar mesmo sem nem saber que eu ia ser o que era hoje. Meu sonho era estar naquele palco”, conta Esmeralda Barroso, participante que representou o Amazonas na competição deste ano.
Quem organiza tudo praticamente sozinha é Rosana Star, carioca, contorcionista, produtora e também transexual. Rosana trabalhou no circo, morou na Suíça, se apresentou em cabarés burlescos pela Europa e, de volta ao Brasil na década de 1990, foi empresária de Roberta Close e apareceu em diversos programas de TV da época – como A Praça É Nossa e o Show de Calouros de Silvio Santos.
“Foi a realização de um sonho de criança, desde antes de me tornar uma mulher trans, de antes da minha transição. Quando eu era um garotinho de 10 anos, sonhava em ser miss, era uma coisa que já imaginava participar mesmo sem nem saber que eu ia ser o que era hoje. Meu sonho era estar naquele palco”
Esmeralda Barroso
“A primeira edição do evento aconteceu no teatro Elis Regina, a gente levava famílias para assistir, sempre dando oportunidade e empoderamento para as meninas. Minha vontade sempre quis de que a gente ocupasse um espaço na sociedade. Em 2021, foi tudo muito difícil, faltou mais apoio financeiro do que normalmente”, explica Rosana, reforçando que sempre fornece o maiô e a faixa para as participantes a fim de tentar equiparar a oportunidade entre as meninas. “O vestido de gala eu oriento que, quem não tiver grana, bata na porta de ONGs para conseguir. Sou brasileira e acredito nas oportunidades para todos. Poderia ser melhor, eu sei, já que não tivemos dia para ensaiar porque não cedem o teatro por dois dias para um evento como o nosso. Espero que a mídia passe a cobrir mais esse eventos para todos entenderem a importância do Miss Trans. Precisamos dar o cenário para que as meninas entendam que elas podem tudo e sejam suas melhores versões”, complementa.
“A primeira edição do evento aconteceu no teatro Elis Regina, a gente levava famílias para assistir, sempre dando oportunidade e empoderamento para as meninas. Minha vontade sempre quis de que a gente ocupasse um espaço na sociedade”
Rosana Star
A representatividade envolvida em um evento desse tipo e desse porte é, sem dúvidas, inegável. E confirmada pelas meninas que participam. “Ser vista, saber que minha beleza manauara é reconhecida, poder levar minha cultura e minha beleza para o Brasil todo não tem preço. Também conheci muitas meninas trans legais, humildes, com histórias diferentes e sofrimentos diferentes, mas que compartilhavam do meu sonho. Isso foi o mais legal de ter participado. Além disso, a sensação de desfilar como uma miss, de poder realizar um sonho, é incrível”, continua Esmeralda.