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Os filmes que assisti em Tiradentes

A 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes já acabou, mas deixou saudades. Confira as impressões de três filmes e uma reflexão sobre a importância do evento

por Humberto Maruchel 3 fev 2023 17h12

Há muitas riquezas num festival de cinema. Os inúmeros encontros, as discussões, sem falar nos planos para projetos futuros. Ali há artistas, realizadores, músicos, cinéfilos e pessoas que param apenas por curiosidade. Mas todos viram plateia. O silêncio e a contemplação são duas regras, um sinal de respeito ao filme do próximo.

Tiradentes é um lugar especial. É uma cidade que destoa pelo visual histórico. Possui pouco mais de 7 mil habitantes, mas na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o público aumentou exponencialmente com a chegada de 35 mil visitantes. Imagine só.

O tamanho da cidade torna o festival ainda mais charmoso. É possível escutar as falas ou a trilha de um filme enquanto caminha pelas ruas. São três espaços de exibição: o cine-praça, a tenda ao lado da rodoviária e o cine-teatro. Espaços localizados a menos de cinco minutos um do outro.

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(Leo Lara/Universo Produção/Divulgação)

Neste ano, a Mostra voltou a ser presencial, como acontecia antes da pandemia. Trouxe 134 filmes, entre curtas, médias e longa-metragens, de 19 estados do país. Além disso, aconteceram mais de 40 debates. Foi uma semana cheia de artes e também de festa.

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O festival acabou, a premiação já aconteceu, ficam as lembranças e as referências guardadas. Outra peculiaridade de um festival de audiovisual é que ali são apresentados filmes que, dificilmente serão encontrados no circuito comercial. O percurso ou a carreira de cada projeto produzido é muito particular. E nem todos chegam às salas de cinema. Por vezes, isso significa que um título pode ficar restrito a uma bolha. E é essa bolha que se busca furar com esse evento.

Trago impressões de três filmes que marcaram minha passagem pela pequena cidade mineira.

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(Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo/Divulgação)
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Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo, de Renato Sircilli, é um curta produzido em São Paulo, que concorreu na Mostra Foco. A obra conta a história de Jorge, um senhor de 70 anos que trabalha como camareiro de um motel. De início, ele parece uma figura simpática que troca impressões com as colegas de trabalho por WhatsApp. Em pouco tempo, ele revela um hábito condenável: ele grava o áudio dos encontros que acontecem nos quartos. Esses materiais são compartilhados e vendidos para Alberto. A grande surpresa é que não se trata apenas de uma relação transacional, mas também de afeto entre os dois homens. Vou parar por aqui senão entregarei spoilers.

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(Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo/Divulgação)

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(Lupicínio Rodrigues/Reprodução)

Um dos destaques foi o documentário Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor, de Alfredo Manevy. Ele foi apresentado no cine-praça para uma plateia cheia. No entorno daquele espaço, há muitos restaurantes e bares. No meio da badalação, era possível encontrar momentos de silêncio dos espectadores indiretos para ouvir trechos de cancões criadas por Lupicínio. Lupicínio Rodrigues foi um dos maiores compositores brasileiros. É conhecido por ser aquele que legitimou o sentimento da “cornitude” ou da dor de cotovelo através de suas canções. Homem negro, nascido em Porto Alegre, em 1974, foi um boêmio incurável. A prática de escrever letras era algo que fazia sem nenhum esforço. Por muito tempo, suas músicas foram apropriadas por outros intérpretes, até mesmo internacionais, sem os devidos créditos. É autor de “Esses moços, pobres moços”, “Vingança”, “Nervos de aço”, “Se Acaso Você Chegasse” (eternizada na voz de Elza Soares). O documentário reconta a história do compositor após uma profunda pesquisa de registros históricos da época. Alfredo contextualiza o contexto político-social e identifica o legado musical deixado pelo compositor através das gerações de músicos que vieram após a de Lupicínio.

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(Lupicínio Rodrigues/Reprodução)
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A Vida São Dois Dias, de Leonardo Mouramateus, fez sua estreia num dos últimos dias de festival. Trouxe também uma plateia cheia no cine-tenda. Leonardo tem apenas 32 anos, mas já acumula uma longa lista de filmes produzidos e é bastante conhecido no universo do cinema independente. O título da vez traz uma narrativa que beira ao absurdo, ao trágico-cômico. Talvez mais cômico do que trágico. E se desenrola a partir da história de Rómulo, um roteirista que vive no Rio de Janeiro, que adoece e entra numa espécie de coma. Antes disso acontecer, ele escreve uma história semi autobiográfica, envolvendo seu irmão gêmeo, Orlando, que vive em Portugal. Os dois são figuras muito distintas, com humores e olhares destoantes. O caso de Rómulo acaba sendo explorado midiaticamente por uma editora, que decide lançar uma versão distorcida da última obra que escreveu antes de cair doente. É, então, que Orlando entra na história e parte para o Rio de Janeiro. 

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(Leonardo Mouramateus/Divulgação)

Trata-se de um resumo pobre diante do verdadeiro tamanho dessas obras. Esse esforço, no entanto, vem muito mais na direção de reforçar a importância de eventos como a Mostra de Tiradentes, que busca ano a ano, valorizar o cinema brasileiro no seu todo e dar visibilidade a artistas, que lutam para que suas obras alcancem o público.

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