o final do ano de 2010, a cena do vendedor de frutas tunisiano Mohamed Bouazizi ateando fogo em seu próprio corpo como forma de protesto foi o estopim para uma série de manifestações que aconteceram em países do Norte da África e Oriente Médio e que ficaria conhecida como Primavera Árabe, um movimento coletivo que se espalhou como efeito dominó no Mundo Árabe, se estendendo para o Egito, Líbia, Síria, Iêmen e Bahrein, além de países do Golfo Pérsico como Arábia Saudita e Catar, em questão de semanas.
A Primavera Árabe foi uma consequência do mal-estar da população em relação às condições sociais, econômicas e políticas que afetavam esses países. “[Bouazizi] foi só a gota que transbordou, porque toda região já estava no clima de muita tensão por questões principalmente relacionadas ao desemprego”, pontuou Andrew Patrick Traumann, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM) e especialista em História da região.
As manifestações começaram pacíficas nos países árabes e, na maioria das vezes, tomaram rumos violentos por inaptidão das autoridades locais para lidar com aquilo. “São regimes autoritários e extremamente militarizados, não estão acostumados a esse tipo de reivindicação. Então, começa como manifestação pacífica só que a reação dos governos faz com que a coisa saia do controle”, afirma o professor. Esse despreparo pode ser dimensionado se observarmos, por exemplo, os efeitos imediatos dos protestos iniciais, segundo dados de relatórios da Anistia Internacional: Durante os 18 dias de protestos para pressionar a queda do ditador Hosni Mubarak, ao menos 840 egípcios foram mortos e outros 6 mil feridos pelas forças policiais e “mercenários” contratados para reprimir os manifestantes; entre março de 2011 e maio de 2012, ao menos 12 mil pessoas foram mortas na Síria ao protestar contra o regime Assad; 338 tunisianos morreram com a repressão inicial de Ben Ali, e, um único dia, protestos contra o governo no Iêmen deixaram 50 iemenitas mortos e centenas de feridos em março de 2011.
Uma década depois do início dos protestos e dos consequentes conflitos, esses países se encontram em instabilidade política. Muitos vivem cenários socioeconômicos piores dos que estavam inseridos antes das manifestações. “A Primavera Árabe afetou o equilíbrio de poder no Oriente Médio. Se antes já era uma região instável, com o desencadeamento da Primavera fica três vezes mais”, disse Ana Karolina Morais, pesquisadora do NEEGI (Núcleo de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração Regional), associado à Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
